A inconveniente verdade de que o fascismo está na conta do Papa

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Essa semana agora que virou moda assumir publicamente a corajosa e polêmica posição de apontar que fascismo é uma coisa ruim, apareceu na minha timelinda do Twitter uma mensagem aonde um reverendo anunciava algo como “Padres contra o fascismo”. Todo mundo aplaudiu a demonstração de virtude, mas eu só pude rir da ironia.

A maioria das pessoas não sabe, a História foi sanitizada e provavelmente o próprio padre era novo demais pra lembrar e convicto demais para aprender, mas o Vaticano e a Igreja Católica têm uma relação histórica com o fascismo que é tudo menos antagônica.

Claro, pra entender isso vamos ter que voltar um pouco no tempo.

A Itália como país é bem nova, ela só foi reunificada no final do Século XIX, antes disso era composta de um monte de reinos isolados. Um grupo desses eram os chamados Estados Papais, cujo chefe de Estado era, obviamente, o Papa.

Através da força e da persuasão os Estados Papais se mantiveram por vários séculos, mas com a expansão do Reino da Itália, era só uma questão de tempo, e quando as forças francesas e alemãs que defendiam os Estados Papais foram chamadas de volta para lidar com outros problemas, o Reino da Itália aproveitou pra invadir, tá dominado, tudo dominado. Roma foi capturada em 1870.

Obviamente o Papa não gostou, e se refugiou no Vaticano. Os italianos preferiram não invadir, matar o Papa iria pegar mal. Pio IX, assim como Dilma, estava sitiado. Ele se declarou “Prisioneiro no Vaticano”, se recusando a aceitar as novas Leis que o denominavam Súdito da Itália, e por pirraça os papas não saíram do Vaticano pelos próximos 59 anos.

Ao mesmo tempo a Itália via a ascensão de um jovem membro do partido socialista, um jornalista de esquerda ateu, que publicou um artigo de título “Deus não existe” e odiava o clero de tal forma que provavelmente foi dedilhado nos tempos de sacristão. Seus textos marxistas atacando a Igreja eram tão contundentes que ele ganhou o apelido de  il Mangiapreti, o comedor de padres.

O nome desse jornalista? Benito Mussolini.

Mussolini (à esquerda) com um pintor austríaco medíocre.

Ele rompeu com o Partido Socialista por defender a entrada da Itália na 1ª Guerra Mundial, e acabou fundando seu próprio partido, com Blackjack e Prostitutas. Nos primórdios o Partido Fascista refletia as atitudes anticlericais de Mussolini, seu manifesto previa expropriação de propriedades da Igreja e reforçada a separação Igreja-Estado, mas em algum momento Mussolini se tocou que a Itália é 99% católica, e o Papa era um excelente influencer.

Em seu discurso no Parlamento em 1921 Mussolini defende a idéia da Itália ser um país cristão, e uma das grandezas da Itália era abrigar a sede da Igreja Católica Romana. E não parou aí. Mussolini conseguiu liberação de fundos para o Vaticano, e quando o Partido Popular, um partido católico de centro começa a dar problema, com a bênção do Vaticano Mussolini dissolve o partido e exila o monsenhor Luigi Sturzo, seu fundador.

O Papa vê Mussolini como uma alternativa ao governo, o Parlamentarismo não é uma boa para o Vaticano, que toda hora tem uma decisão a seu favor alterada pelo Congresso. A perda de territórios, a recusa em aceitar o catolicismo como religião oficial não tornam o governo italiano aliado de Roma, e o inimigo do meu amigo etc.  etc.

Mussolini por sua vez queria aproveitar a influência papal e cair nas graças dos católicos, que já eram naturalmente anticomunistas, mas não necessariamente fascistas. O truque era dar o que o Papa queria, e em 1926 começaram as negociações do Tratado de Latrão, entre Benito Mussolini e o Papa Pio XI.

Concluídas em 1929, as negociações chegaram a um acordo com várias decisões:

  • Fim das disputas sobre os Estados Papais, o Papa abria mão da soberania daqueles territórios
  • O Reino da Itália indenizaria financeiramente o Vaticano pela perda dos Estados Papais
  • A Cidade do Vaticano seria reconhecido como um Estado Soberano e Independente
  • A Religião Católica seria reconhecida como religião Oficial da Itália.

Em um raro acordo aonde os dois lados saíram plenamente satisfeitos, o Tratado de Latrão legitimou de vez Mussolini entre os católicos italianos.

O Tratado teve bons resultados no campo internacional também. Em 1935 Mussolini começou uma campanha de expansão territorial na África, gerando a Crise Abissínia, que resultou na Segunda Guerra Ítalo-Etíope, na qual a Itália chegou barbarizando, bombardeando aldeias etíopes com armas químicas. A Liga das Nações tentou promover um boicote Internacional contra a Itália, mas os Estados Unidos vetaram.

A pedido do Papa.

Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, Pio XI ficou numa sinuca de bico. Ele odiava o Hitley e não era fã dos nazistas, que por sua vez também não gostavam dos católicos e perseguiram sistematicamente a ICAR na Alemanha.

O Papa pediu mais de uma vez que Mussolini intervisse, mas isso não deu muito certo. A influência de Mussolini era apenas na Itália, e conseguiu não complicar muito a vida do Vaticano depois que Hitler veio a Roma e descobriu o Papa refugiado em Castel Gandolfo e os museus do Vaticano fechados.

Para piorar, ainda havia o problema judaico. Quer dizer, não exatamente um problema. Só havia 35000 judeus na Itália, perfeitamente integrados e vários deles membros do Partido Fascista. Mussolini não tinha nada contra eles, e disse mais de uma vez que não acreditava em teorias raciais, mas Hitler exigiu que políticas antissemitas fossem implementadas, e a regra é clara: Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Curiosamente essa era a mesma postura do Papa, que mesmo em um ambiente claramente antissemita, não tinha problema com os judeus italianos. O que não ajudou muito, a única atitude que ele tomou foi pedir a Mussolini que mudasse as leis antissemitas para excluir judeus convertidos ao catolicismo.

Não ter problema não significa apoiar, e para livrar o próprio rabo o Vaticano publicou no L’Osservatore Romano um artigo denunciando judeus como um perigo e dizendo que sempre alertaram contra eles, e que não deveriam ter direitos iguais. Coincidentemente o artigo saiu pouco antes da promulgação das Leis antissemitas.

Esse artigo foi usado pelos fascistas como prova de que as Leis Antissemitas eram a coisa certa a fazer.

Com o passar do tempo Pio XI começou a ficar preocupado, vendo Hitler e Mussolini com poder demais, e a ICAR sendo cada vez mais enfraquecida, mas ele não teve tempo de gerenciar mais essa crise. Pio XI morreu em 1939, aos 81 anos. Mussolini morreria logo depois, em 1943, levando consigo o Fascismo de verdade, o fascismo moleque, o fascismo de várzea.

A Igreja Católica até hoje colhe os frutos do Tratado de Latrão, de ter olhado para o outro lado e ter defendido abertamente Mussolini, que segundo Pio XI foi um homem “enviado pela Divina Providência”.  E não, ele não falou isso porque estava em uma ditadura.

Em 1954 em um sermão, um tal de Angelo Roncalli, também conhecido como Papa João XXIII caracterizou genericamente Mussolini deste modo: a Providência colocara-o no caminho de Pio XI porque Mussolini era capaz de ultrapassar as ideias antigas e reconciliar a Itália e a Igreja através dos Acordos de Latrão.

Ou melhor, SÃO João XXIII, ele foi canonizado.

“Este mesmo homem veio mais tarde a ser causa de grande sofrimento para o povo italiano. Seria desumano e não cristão privá-lo deste seu título honroso (relativo a Latrão), não obstante a enorme calamidade que ele fez (posteriormente) abater sobre nós.”

Isso mesmo, em 1954 o Papa ainda aplaudia Mussolini.

Então não me surpreende NADA quando vejo de um lado padres fingindo que não aprenderam História e do outro a Igreja pagando de boazinha empurrando a História para debaixo do tapete, enquanto continua com sua política de se aliar a qualquer um que traga alguma vantagem.

Peguei no Twit do Edson Aran, acho.

Fontes:



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