Schloss Itter: Quando um cuck, comunistas e nazistas se uniram pelo bem maior

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Dizem (e é verdade) que a necessidade cria estranhos companheiro de cama, que o digam as alianças políticas do Brasil em tempos de eleição. Acima de tudo, a necessidade faz com que as pessoas fiquem mais tolerantes e comecem a entender melhor seus antigos adversários.

Quando não há real necessidade, podemos nos dar ao luxo do extremo maniqueísmo, que resulta no deplorável estado da política atual, aonde todo mundo que não fecha 100% com a esquerda é um maldito fascista, e quem não ama o mito de forma inquestionável, é um comunista nojento comedor de criancinhas.

Realpolitik

A vida, crianças, não é em preto e branco, há nuances em tudo. Observadores nazistas perfeitamente acostumados com a idéia da Solução Final ficaram enojados com o tratamento que os japoneses davam aos prisioneiros na Unidade 731.

Mesmo entre os nazistas, há nuances, e nem falo das exceções, como Oskar Schindler, falo entre os nazistas de carteirinha. Existiam nazistas mais light, nazistas mais casca-grossa e Reinhard Heydrich, um fdp tão grande que mesmo Hitler dizia que ele tinha um “coração de ferro”.

Reinhard Heydrich, um senhor filho da puta.

Heydrich foi um dos arquitetos do Holocausto, e felizmente foi assassinado em um atentado em Praga, ao custo de centenas de vidas inocentes, e ainda assim foi uma vitória termos nos livrado dele.

Uma das grandes divisões entre nazistas e nazistas maus (não que algum nazista não seja mau, a regra é clara, se você é nazista já está errado) era entre a Schutzstaffel , a popular ᛋᛋ e a Wehrmacht, termo que englobava as forças armadas tradicionais.

A SS era inicialmente uma milícia, crescendo de uma força paramilitar até a criação da Waffen-SS, esses sim casca-grossa, eram uma organização militar reforçada pela doutrinação ideológica nazista.

Basicamente tudo de ruim que você ouviu sobre nos nazistas veio da SS. Eles foram responsáveis pela administração dos campos de concentração, cometeram todo tipo de atrocidades em combate, usavam trabalho escravo, forçavam os prisioneiros a assistir vídeos do Felipe Neto etc.

A SS era odiada até pelas forças armadas normais, não só por sua falta de honra e gosto por atrocidades, mas por serem paraquedistas que se meteram nos assuntos militares por pura indicação política. Quando tudo estava dando certo, ainda dava para manter as aparências, mas quando a guerra começou a degringolar pro lado da Alemanha, as desavenças apareceram.

Essa disputa culminou no que muitos chamam a batalha mais estranha da Segunda Guerra Mundial, neste lugar aqui, o Castelo Itter.

Schloss Itter (Itter Castle) in July 1979. Photo by S.J. Morgan.

Situado na fronteira da Áustria com a Alemanha, é um castelo modesto (se é que isso existe), alugado pelo governo alemão e usado como prisão para VIPs, pois os nazistas cometiam um pecado (hoje em dia) muito pior do que assar 6 milhões de judeus: Acreditavam em meritocracia e separavam prisioneiros importantes.

No Castelo Itter eram mantidos prisioneiros como dois ex-primeiros ministros franceses, a irmã mais velha de Charles DeGaulle, líderes sindicalistas, membros de direita da resistência francesa, membros comunistas da resistência iugoslava, vários generais e até Jean Borotra, tenista campeão aposentado.

Todos viviam uma vida tranquila, sem tentativa de fugas, com os guardas e prisioneiros convivendo em harmonia, mas no começo de maio de 1945 a Alemanha já estava praticamente derrotada.

Sabendo disso os prisioneiros despacharam Zvonimir Čučković, um militante comunista também aprisionado que trabalhava como faz-tudo no castelo, com uma carta para ser entregue a algum membro da resistência na cidade próxima. A carta continua um pedido de ajuda, informando dos prisioneiros no castelo.

Da esquerda pra direita: General Maurice Gamelin, Michel Clemenceau, um soldado desconhecido (não o da tumba) e o Ex-Presidente francës Paul Reynaud.

Note que o simples fato de um prisioneiro poder sair pra ir na cidade fazer compras ou levar recados mostra a forma com que Sebastian Wimmer comandava o castelo, mesmo sendo um oficial da SS.

Čučković, doravante chamado de Cuck pois não tenho saco pra digitar esses acentos esquisitos, deveria ir para Wörgl, a uns 8km de distância, mas chegando lá descobriu a cidade apinhada de alemães. Decidiu então tentar Innsbruck, a 64Km de distância.

Enquanto isso Wimmer recebia a notícia de que o comandante do campo de concentração de Dachau, hospedado no castelo havia morrido. A história oficial era suicídio, mas os boatos eram que um soldado da SS o havia matado por demonstrar “fraqueza ideológica”.

Wimmer, que não era burro nem nada, achou melhor abandonar o castelo e entrar pra História. Pegou seus trapos, fez uma trouxinha, chamou os homens (ui!) e no meio da noite ele e as tropas da SS abandonaram o Castelo Itter, deixando tudo nas mãos dos prisioneiros.

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Nah, não acaba aqui. Veja a situação: Um monte de homens e mulheres, muitos de meia-idade, mais um monte de prisioneiros judeus de Dachau, usados para os serviços domésticos. No meio de uma guerra. Um grupo desses duraria cinco minutos se saísse pra estrada e encontrasse a tropa errada.

Cuck encontrou a tropa certa. Nas cercanias de Innsbruck ele foi interceptado por uma força avançada do 409º regimento de infantaria da 103ª Divisão dos EUA. Eles organizaram uma missão de resgate com unidades blindadas, mas no meio do caminho a artilharia alemã fez com que recuassem.

No castelo, sem notícias do Cucky, os prisioneiros lembraram que tinham assistido Força em Alerta na noite anterior e mandaram um cozinheiro tentar contactar de novo a resistência em Wörgl.

Ele deu de cara com a tropa errada, mas felizmente era a certa. A cidade havia sido abandonada pelo exército alemão, mas havia sido recapturada logo depois pela SS, que estava barbarizando.

SS vem aí..lalaralalalá… não, péra.

Eles atiravam em todas as janelas com bandeiras brancas ou austríacas. Homens e adolescentes encontrados nas ruas eram sumariamente executados como desertores. Logo eles descobririam o Castelo Itter e cumpririam sua missão de não deixar prisioneiros.

Entre a Wehrmacht muita gente achava aquilo errado. Não há justificativa para matar civis, muito menos civis austríacos. Com isso várias unidades desertaram, e no caso das tropas do Major Josef Gangl, se uniram à resistência local.

Major Josef Gangl

Posicionando suas tropas para defender a cidade do ataque da SS, Gangl pretendia ganhar tempo até a chegada dos americanos, mas o pedido de ajuda dos prisioneiros do castelo o fez mudar de planos.

Com uma bandeira branca ele se aproximou das tropas americanas, identificando-se.

Depois de explicar a situação, ele foi prontamente atendido, um tal Capitão Lee organizou um pelotão de tanques Sherman para proteger o castelo. Infelizmente problemas com uma ponte fraca demais e resistência inimiga fizeram com que a maioria das tropas voltasse para a base.

No Castelo Itter chegaram Lee, um tanque e 14 homens. Junto dele Gangl e dez ex-soldados nazistas leais a ele. Os prisioneiros ficaram decepcionados, mas não demonstraram.

Junto deles estava um dos hóspedes do Itter, convalescendo de ferimentos de guerra. Era o SS-Hauptsturmführer Kurt-Siegfried Schrader, um oficial que havia ficado amigo e aceitou na hora o pedido para comandar as defesas do castelo.

As unidades foram espalhadas nas amuradas. O tanque Sherman ficou no portão principal. Alemães e americanos lado a lado, tentando identificar as tropas de reconhecimento que a SS mandou durante toda a noite, tentando identificar fraquezas nas defesas inimigas.

Para piorar, estavam sem comunicações. O rádio do Sherman estava com defeito, o telefone do castelo voltou a funcionar por alguns momentos, o suficiente para Gangl contactar a Resistência em Wörgl.

Os reforços chegaram pela manhã. Dois soldados e um adolescente.

De seu lado a Waffen-SS iniciou seu ataque final, com algo entre 100 e 150 homens, contra os 28 no castelo, mais alguns prisioneiros franceses, ou seja, 28.

Eventualmente o tanque foi destruído pela artilharia nazista, com as tropas avançando passo a passo. No castelo, Gangl havia conseguido finalmente contactar a 142ª divisão americana, mas de novo perderam contato antes que ele conseguisse passar os detalhes.

Jean Borotra, o tenista francês por um momento esqueceu de sua nacionalidade e veio com uma idéia insana: Ele saltaria por sobre os muros do castelo e correria até encontrar as tropas americanas, repassando as informações.

Jean Borotra (1898-1994)

Assim foi feito, e o ex-atleta de 47 anos deu uma poeira nos nazistas, achou os americanos, detalhou todas as defesas do castelo, as posições inimigos, os bloqueios na estrada. Em seguida ele pediu um uniforme e se uniu ao grupo de resgate.

Por volta de 16h eles chegaram ao castelo, derrotando sem muito esforço as tropas da SS, fazendo pelo menos 100 prisioneiros.

Incrivelmente as forças combinadas do Castelo Itter só sofreram uma baixa. Enquanto estava tentando proteger Paul Reynaud, ex-primeiro ministro francês, o Major Josef Gangl foi atingido mortalmente por um sniper da SS.

A defesa do Castelo Itter foi fundamental. Entre os políticos e intelectuais ali aprisionados boa parte foram responsáveis por formular as políticas que fundamentaram a França do pós-guerra.

O castelo tomou uma surra bonita.

Josef Gangl serviu a vida inteira ao lado errado, mas teve coragem suficiente de perceber isso e mudar de posição. Ao mesmo tempo seus inimigos foram os primeiros a abrir os braços e lutar, não um contra o outro, mas lado a lado.

Gangl é reconhecido na Áustria como um herói nacional, e foi homenageado com uma rua em Wörgl. Quer dizer, até ele ser cancelado quando um millenial descobrir que ele usou blackface na escola ou algo assim.

Um pequeno memorial homenageia o Major Gangl.



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