Reflexões de aniversário: Meninos, eu vi

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Não está sendo uma semana fácil. Na verdade, nem mesmo uma década razoável, e para piorar, bateu aquele inferno astral de semana de aniversário. Pensei em montar a clássica cena, sentado em uma poltrona tomando um uísque fumando um charuto e sentindo pena de mim mesmo, mas não tenho poltrona, não fumo e também não tenho dinheiro pra uísque.

De qualquer forma, pensando nas coisas que deixei para trás, não consigo ficar triste. Nostálgico talvez, mas penso em tudo que vi e vivi.

Certo, eu não vi naves de ataque em chamas perto do ombro de Órion, nem  feixes-C brilhando no escuro, perto do Portão de Tannhäuser, mas vi coisas que ninguém, nem eu acreditaria, 10, 15, 5 anos atrás.

Neste momento estou escrevendo auxiliado por uma assistente que é 100% o Computador da USS Enterprise, tenho acesso a um grande percentual de todo o conhecimento acumulado da Humanidade, e sou capaz de contactar pessoas em qualquer lugar do planeta.

Eu lembro de quando ninguém fazia ligação DDI por ser muito caro. DDD era reservado para ocasiões especiais, como morte ou Natal. Eu lembro de viajar nas férias para lugares remotos como Cabo Frio, e caso alguém precisasse dar um telefonema, tinha que ir até algo chamado Posto Telefônico, dizer o número que seria chamado e agendar a ligação, pois as conexões eram manuais.

Meninos, eu vi isso ser trocado por linhas fixas que custavam uma fortuna, depois se tornaram populares, apenas para desaparecer diante doas celulares, que por décadas era pura ficção, usados em Star Trek.

Eu vi um homem voar pela primeira vez no cinema, eu vi um grande robô todo de preto (eu era criança, me deixem) ameaçar a moça mais linda do mundo atrás de alguns planos, mas ela foi salva por um carinha com uma espada-laser.

Eu vi minha avó, sem ter a mínima idéia do que estava pagando, comprar meu primeiro computador, um CP-200 em 12 vezes, no auge da hiperinflação. A primeira mensalidade custou quase toda a pensão dela, mas por causa disso eu estou até hoje vivendo dessas máquinas maravilhosas.

Eu vi essa tecnologia evoluir de forma insana. Meu PC hoje tem 64GB de memória. Comparado com o CP-200 e seus 16KB, é 4.000.000x mais memória. Foi piscar os olhos e estou no futuro.

Sim, meninos, eu vi o futuro, várias vezes. Eu vi o Ano 2000 ser uma idéia distante, utópica ou distópica dependendo da década, vi o ano 2000 chegar, sem carros voadores, e hoje quem nasceu no Ano 2000 já tem até idade pra fazer saliência com o Leonardo DiCaprio, mas só por mais um ano.

Se você não me chama de Lorde Supremo e não agradece todo dia por trabalhar nas minhas minas de sal, sabe que nem todos os meus planos deram certo. Sim, arrependimentos, eu tenho alguns, quisera eu que fossem poucos o suficiente para sequer mencionar, mas kibar Frank Sinatra não está entre eles. Também não vou ficar remoendo o passado, não há como me cobrar por decisões que tomei e deram errado, se eu não tinha todos os dados. Então só me cobro pelas decisões realmente estúpidas, mas sem choramingar.

Olhar para trás pode ser doloroso, ver tudo que deixamos pelo caminho, amores perdidos, sonhos, planos mirabolantes, nossa inocência. É duro constatar que nem todo o dinheiro no mundo compra mais um segundo com alguém que perdemos para a Irmã Mais Velha. Mas olhar para trás é essencial para entendermos onde estamos.

O Jovem™ que desdenha de IA, de jogos 4K com menos de 140fps, esse jovem que reclama do CGI de Endgame -virtualmente inassistível- porque o dedo do Thanos atravessou a Manopla do Infinito por 0.03s durante uma cena, esse jovem não tem a perspectiva do que era o cinema 30, 40 anos atrás.

Eu assisti Jurassic Park no cinema, com meu amigo Marco Grizente. Nessa cena nós dois levantamos aplaudindo dizendo “putaquepariu”. Foi o momento em que tive certeza que tudo era possível no cinema.

Ver o mundo hoje me dá esperança, por todo lado há um paladino com uma câmera disposto a compartilham com o mundo uma injustiça, um desastre, uma cena inspiradora. Só para lembrar, 30 anos atrás basicamente não existia vídeo de acidentes de carro, eram raríssimos. Simplesmente não havia câmeras por todo lado como hoje.

Quanto a mim, mesmo não tendo conquistado o mundo (ainda) eu posso dizer…

Eu vi o Papai-Noel chegar no Maracanã de helicóptero;

Eu vi os Trapalhões ao vivo;

Eu vi a Colúmbia voltando do espaço pela primeira vez;

Eu vi o Brasil ser campeão, vi a Mão de Deus e xinguei o Paolo Rossi

Eu vi Senna vencer, vencer e vencer, eu vi Senna ignorar as Leis da Física e vi o Senna morrer, e com ele a esperança de todo um país em se sentir especial em alguma coisa.

Eu vi a Argentina tomar uma piaba nas Falklands, vi Saddam invadir o Kwait e apanhar duas vezes.

Eu vi uma paquita linda na capa de uma revista e décadas depois ela me mandou uma mensagem de feliz aniversário.

Eu vi um livro pedido na escola – Fernão Capelo Gaivota- se tornar a porta de entrada para o mundo da escrita; conheci Richard Bach, comprei todos os seus livros e me inspirei nele para iniciar minha carreira. Depois descobri que meu herói não era perfeito, o que me deixou bem mais confortável, afinal eu também não sou.

Eu vi um meteoro flamejante cortando o céu de horizonte a horizonte, enquanto tomava cachaça com tangerina tirada do pé, num sítio no interior do Rio de Janeiro.

Eu vi o mundo parar para assistir a estréia de Thriller.

Eu vi as torres caindo, me atrasei para uma entrevista fake de emprego e no começo da tarde pela primeira -e última- vez eu vi jornais publicando edições extras cobrindo o atentado.

“Jornal” era uma espécie de blog de papel que os antigos pagavam pra ler…

Eu vi amor se tornar indiferença, vi indiferença se tornar traição, vi traição se tornar novela mexicana. Hoje só consigo rir, talvez seja verdade, tragédia + tempo = comédia.

Eu vi gurus roubando pessoas, charlatões se tornando famosos e ricos. Vi políticos mentirosos repetidamente mentindo e politicando, sempre reeleitos. Eu aprendi que o bem nem sempre vence o mal, muito menos espanta o temporal, eu vi a Fundação Cacique Cobra Coral ser repetidamente contratada por gente dita inteligente, para garantir tempo bom em eventos, mas hey, acredite na ciência.

Eu vi um mundo preto e branco de aspirações infantis se tornar cinza, eu vi gente ruim fazendo coisas boas, e vice-versa. Principalmente, eu vi que não existe isso de “malandro sempre se dá bem” ou “bonzinho só se ferra”. Eu vi que meus ideais devem ser mantidos independente de recompensa ou consequência, fazer o que você acha certa é essencial, mesmo que a piranha da balconista te olhe com desdém quando você devolve o troco o mais.

Eu vi muita coisa, mas principalmente vi que ter planos e idéias não é algo que mude sua vida. Vi que tenho que implementar essas idéias, tirar do papel o que prometi a mim mesmo e a tanta gente.  

Eu queria dizer, meninos, que já vi de tudo, mas eu não vi nada ainda. Não é hora da dona gorda cantar ainda, do alto de tudo que vi, quero ver muito mais ainda. Sinto que estamos em um momento crucial para nossa civilização, de um lado talvez já tenha começado a 3ª Guerra Mundial, do outro lado as ferramentas de Inteligência Artificial dos próximos anos irão mudar a sociedade mais do que a Internet mudou. E vocês sabem que eu não entro em hype fácil.

Serão anos interessantes, lembrando a velha maldição chinesa. À nossa frente uma encruzilhada que a médio prazo nos leva para Mad Max ou Star Trek. Qual caminho escolheremos? Ninguém sabe. Nas palavras de Doris Day, quando ainda nem era virgem…

Que Sera Sera
Whatever will be will be
The future’s not ours to see
Que Sera Sera
What will be will be

Eu desejo a mim mesmo um feliz aniversário, e ergo um brinde, nas palavras do agora Maldito Neil Gaiman.

A vocês, caros leitores que vem me acompanhando nessa jornada, meu eterno agradecimento por seu apoio. Posso garantir que este não é um adeus, pelo contrário, é uma promessa de que vamos continuar juntos, explorando esses mundos imperfeitos e maravilhosos. Nosso rumo é adiante, e em uma última citação, “segunda estrela à direita, siga em frente até amanhecer”.


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