O Marinheiro Negro que disse “não” para a Morte

O Marinheiro Negro que disse “não” para a Morte

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Charles Jackson French era um jovem negro, portanto sem muitas perspectivas de futuro nos Estados Unidos da primeira metade do Século XX, ainda mais tendo nascido em Foreman, Arkansas, que equivale ao Acre Rural dos gringos.

Com 18 anos, em 1937, ele resolveu se alistar na Marinha, em troca de um emprego estável e salário no fim do mês, mesmo sabendo que trabalharia em um ambiente altamente segregado.

Cumprindo seu período de treinamento, Charles foi dispensado em novembro de 1941, com a certeza de que nunca mais colocaria os pés em um navio, mas o Almirante Yamamoto tinha outros planos, e em dezembro os japas atacaram Pearl Harbor.

Charles, como milhões de outros americanos, se alistou, e como estava fresquinho saído da Marinha, foi aceito na hora.

Não que ele fosse virar o Maverick, na época as forças armadas aceitavam negros a contragosto, eles eram considerados inferiores, não recebiam treinamento nem podiam usar armas. Eram usados como taifeiros, cuidando de limpeza, cozinha e serviços braçais. Levaria décadas até serem considerados bons o suficiente para participar da Operação Fiquem Atrás Dos Escurinhos:

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Ele também não foi designado para um navio de muito prestígio. Alocado como o equivalente a Cabo Taifeiro (Garçom gourmet), Charles foi para o USS Gregory (DD-82), um destróier da 1ª Guerra Mundial convertido em cargueiro rápido.

Com quase todo seu armamento removido, o Gregory e seus 141 homens tinham como missão levar suprimentos para as tropas durante a Invasão de Guadalcanal.

No dia 4 de setembro de 1942, o USS Gregory e seu navio-irmão USS Little, após entregar um batalhão de fuzileiros navais, decidiram passar a noite patrulhando a região.

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Aproveitando a escuridão, três destroyers japoneses, o Yūdachi, o Hatsuyuki e o Murakumo se aproximara sub-repticiamente da costa para desembarcar tropas e suprimentos, depois foram bombardear a pista de pouso americana.

O Gregory e o Little identificaram o clarão dos canhões inimigos, começaram a se aproximar, achando que era um submarino japonês, quando detectaram pelo radar não três, mas quatro navios. Um cruzador havia se unido ao grupo.

Totalmente, absolutamente, completamente inferiorizados em termos de armamento, os dois navios pararam e os capitães começaram a discutir o plano de ação, se lançavam um alerta ou apenas fugiam discretamente.

A decisão foi tirada das mãos deles, quando um idiota pilotando um avião da Marinha dos EUA avistou os dois navios americanos, achou que fossem inimigos, e lançou vários sinalizadores, aqueles fogos que caem de para-quedas e iluminam a região inteira.

Com os dois navios iluminados, suas silhuetas fazendo um belo contraste com a escuridão, os japoneses descobriram que foram descobertos, e sentaram o dedo nos americanos, que não tinham como responder ao fogo.

Os dois foram massacrados pelos japoneses. Em três minutos estavam sem propulsão e afundando. A água, cheia de marinheiros tentando escapar. O capitão do Gregory, desaparecido.

Para piorar (sempre dá pra piorar), demonstrando a compaixão de sempre, os japoneses começaram a atirar nos sobreviventes na água. Dos 141 a bordo, pelo menos 40 marinheiros do USS Gregory estavam mortos, mas não Charles Jackson French.

O danado era um peixe. Com oito anos de idade ele já nadava no Rio Vermelho do Sul, água não era problema, o problema era seus companheiros feridos.

Juntando quem conseguiu resgatar em uma balsa, Charles percebeu que a maré os estava levando para ilhas controladas pelos japoneses, o que era um péssimo negócio. No mínimo seriam executados sumariamente. Mais provável, torturados antes.

Vendo que o socorro não chegaria tão cedo, Charles pulou na água, amarrou uma corda na cintura, e começou a nadar em direção a Guadalcanal.

Charles sabia que não era seguro. Os japoneses não eram o único bicho ruim na região. O mar era lotado de tubarões com espírito progressista; comiam todo mundo, sem distinção de raça, cor, credo ou orientação sexual.

Disposto a não virar comida de tubarão ou alvo para treino de japoneses, Charles nadou por oito horas, puxando a balsa com seus companheiros, até que foi avistado por um avião-patrulha, que enviou um barco de desembarque, resgatando o grupo.

Charles Jackson French foi recebido como herói, celebrado pela Marinha, com várias honrarias e-nah, você sabe que ele era escurinho demais pra isso.

O Chicago Defender, um jornal de negros dos EUA nomeou Charles como herói do ano, mas seus esforços nunca saíram da “comunidade” Na época o Capitão do USS Gregory ganhou uma Cruz Naval por ter morrido. Charles foi cogitado para receber uma, mas no final só recebeu uma Comenda, uma cartinha elogiosa do Almirante Halsey, em maio do ano seguinte.

Ah, ele também virou uma figurinha de chiclete.

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Depois de dar baixa em 1945, Charles voltou para a vida civil, tendo que se virar, pois a Lei que dava benefícios para veteranos, como empréstimos, crédito imobiliário, acesso a faculdades e cursos profissionalizantes era sistematicamente direcionada para brancos. Somente 1% dos veteranos negros conseguiram algum benefício.

Casado e com uma filha, Charles acabou entregue ao alcoolismo, consequência de seu stress pós-traumático não-tratado. Ele acabou morrendo em 1956, aos 37 anos de idade.

Charles Jackson French foi um herói, reconhecido tardiamente, e ainda assim muito tarde, muito pouco. Em 2022 ele recebeu postumamente uma medalha da marinha, e uma piscina de treinamento de mergulhadores recebeu seu nome.

No mesmo ano, Joe Biden batizou com o nome de Charles… uma agência dos correios.

A única homenagem relevante veio em 2024, quando anunciaram que um destróier classe Arleigh Burke ainda a ser construído será o USS Charles J. French.

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O maior prêmio, a maior homenagem a Charles J. French são os 500 descendentes dos 15 homens que ele salvou. São 500 pessoas que só existem porque um sujeito obstinado olhou nos olhos da Morte, falou “Hoje não” e puxou seus amigos para longe do fogo japonês.

Segundo o Talmud, quem salva uma vida salva o mundo inteiro. Quem salva 500 então, salvou o Multiverso!

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