No Oscar 2016 Sam Smith conseguiu protagonizar um momento mais constrangedor do que Seth MacFarlane em 2013 cantando We Saw Your Boobs. Ao receber o Oscar pro melhor canção original (Spectre) ele em um momento de extrema autocongratulação ressaltou a importância de ser a primeira pessoa abertamente gay a receber um Oscar, e o dedicou à comunidade LGBT em todo o mundo.
Nada de errado nisso, exceto que o mais hetero e alienado sujeito do planeta sabe que não é verdade. Sam queria tanto lacrar, queria tanto ser especial entre seus pares que pisou na cabeça de um monte de gente. Passou por cima de gente de muito talento e coragem. Demonstrou que o importante era lacrar, importante é ser o primeiro.
A “comunidade” não gostou, ele foi amplamente sacaneado:
Com razão, diga-se de passagem. John Gielgud, Stephen Sondheim, Almodóvar, Melissa Etheridge entre outros são artistas gays vencedores do Oscar. Eu até incluiria o Elton John mas não lembro se ele saiu do armário ;)
A postura atual da militância virtual provoca esse tipo de atitude. Os Millenials são uma geração mimada que não entendem que coisas como mudanças sociais são lentas. Eles querem tudo de uma vez, e agora. Só que o mundo não funciona assim.
A velha piada do sujeito fugindo da Inglaterra pq antes os gays eram criminalizados, depois tolerados, mais tarde foram aceitos e hoje eram celebrados, e ele estava fugindo antes que se tornasse obrigatório revela mais percepção de mudanças sociais do que a atitude que exige mudanças imediatas e totais.
Só que essa atitude além de prejudicial às causas (seu avô de 90 anos não vai se tornar um progressista por você forçá-lo a assistir Sense8) prejudica quem trabalha de verdade por elas, atropela as próprias pessoas que diz defender. Tira o mérito do homem comum. Se você é uma minoria feliz e bem integrada, você é alienado, precisa de um discurso de sofrimento para se validar.
Sofrimento ou superação. Quando apareceu um Vulcano negro em Star Trek os fãs acharam que isso iria gerar um monte de discursos, alguns de mão-pesada. No final Tuvok era um personagem igual aos outros, a cor de sua pele nunca foi um fator para nada, e os fãs que pensaram que ele seria diferente por isso tomaram uma bela lição dos Ideais de Star Trek na testa.
Agora a militância está fazendo de novo. tudo em cima desta moça aqui:
Ela se chama Jeanette J. Epps, é formada em Física, com mestrado e PhD em engenharia aeroespacial. Trabalhou na Ford, na CIA e desde 2011 é astronauta. Está na fila para uma missão de seis meses na Estação Espacial Internacional, em 2018. Há pouco mais que alguém pode almejar, em termos de excelência profissional, e ela merece todos os parabéns pelas inúmeras noites viradas estudando.
Só que para a militância isso não importa, essencial é que ela seja negra. Aliás, só negra não, isso não basta mais. Para lacrar, para jogar na cara dos homens brancos cis heteros que a hora deles está chegando ela precisa ser MAIS que uma astronauta negra.
A Internet está reescrevendo a História mais uma vez, no telefone sem fio da militância lacradora a Dra Jeanette deixou de ser a primeira americana negra em missão permanente na Estação Espacial e se tornou a primeira astronauta negra, logo será a primeira a exigir andar no banco da frente da van que leva os astronautas até o foguete.
Celebrar avanços históricos não é lacrável, indica que as coisas estão melhorando e isso não gera textão. O jeito? Apagar o mérito, apagar a existência de gente como Mae Jemison, mulher e fã de Star Trek, primeira astronauta americana negra. Ela completou 190 horas no espaço, em 1992, mas quem se lembra?
Jeanette tem um MONTE de méritos, mas não é a primeira astronauta negra, nem a primeira astronauta negra na ISS. Esse mérito é de Joan Higginbotham, em 2006.
Pior ainda, a militância está apagando o mérito de Stephanie Wilson, mulher astronauta negra que não só visitou a Estação Espacial Internacional, como o fez duas três vezes, duas seguidas, nas missões STS-121 e STS-120 (as ordens foram trocadas não pergunte) e na STS-131.
Stephanie inclusive fez parte do experimento mais perigoso da História da NASA: Colocaram quatro mulheres juntas no espaço por 15 dias e elas não se mataram.
Notem, não estou dizendo que é comum haver astronautas negros. No mais ideal dos mundos sem nenhum tipo de preconceito, racismo institucional, sem qualquer impedimento não-técnico eles seriam minoria, por pura questão de estatística, então se um negro consegue superar as dificuldades e se tornar top do top do top e ser selecionado como astronauta, merece todas as congratulações.
Portanto, fica a dica pra militância: Lacrem à vontade mas por favor respeitem as conquistas de quem veio antes de vocês. Parem de apagar da existência essa gente que lutou por seu espaço e entregou um mundo um pouco mais justo e tolerante e por causa disso sua incrível lacração de Facebook não tem tanto mérito.
Dizer que Jeanette J. Epps é a primeira astronauta negra pode soar como uma mentira branca, como algo bem-intencionado, mas só faz ignorar avanços sociais, e ao invés de um mundo mais justo, ficam presos em um círculo, onde avanços são ignorados em nome da lacração do momento.
No mínimo é injusto com quem pavimentou o caminho para ela chegar onde chegou.