Não é de hoje que os criadores de conteúdo estão preocupados. A Era da Fartura, quando havia olhos para todo mundo se foi. Hoje não há mais tempo hábil para consumir tudo que aparece, temos que disputar ferozmente a atenção do público, que por sua vez não sabe escolher conteúdo de qualidade e se deixa levar por bobagens. Eu digo que essa discussão sim é uma bobagem.
HOJE não há mais tempo? Fio, o Real Gabinete Português de Leitura, aqui no Rio é de 1837. É lindo, provocaria profundas mudanças meteorológicas nas calcinhas da Emma Watson, e nenhum humano seria capaz de ler tudo que há nele.
Desde a revolução criada por Caxton e Gutenberg nós nos afogamos em informação. É inviável consumir sequer a produção intelectual de uma área específica, que dirá cultura em geral. E isso são textos. Vídeos, músicas, rádio, filmes, programas de TV. Só de Reality Shows em 2015 foram produzidos 750. SETECENTOS E CINCOENTA (como se escrevia nos cheques) REALITY SHOWS.
E aí nego vem reclamar que não tem visibilidade no YouTube?
A Bia Granja fez uma analogia muito boa em um texto, comparando o atual estado da produção de conteúdo na Internet com o início da Indústria Automobilística nos EUA, quando havia 300 fabricantes de carros, e hoje só há 3. Só que como toda analogia, é imperfeita. O custo de abrir uma montadora é muito alto, o custo de iniciar um projeto na Internet é quase zero. Nós não somos o Nickelodeon, nós somos um nickelodeon.
Nos primórdios do cinema, antes do surgimento dos longa-metragem o público assistia filmes em cinetoscópios, aparelhos que lembravam, em design e praticidade os óculos de realidade virtual de hoje. Filmes eram restritos a feiras e parques, até que um sujeito chamado Harry Davis teve a idéia de aproveitar o público que já ia nos shows de Vaudeville e vender uma experiência semelhante, mas com filmes.
As sessões custavam um níquel (US$0,05) e duravam o dia inteiro, passavam continuamente músicas filmadas (usando discos como trilha), eventos esportivos, shows de dança, histórias curtas, filmes de demonstração da tecnologia cinematográfica e outras curiosidades.
Por alguns anos foi a era de ouro dos exibidores, cada cinema fazia sua própria programação, mas o público começou a gostar muito do conceito de “ir ao cinema”, eles foram crescendo, os filmes se sofisticando e os nickelodeons morreram pela própria popularidade, se tornando os cinemas que temos hoje.
O pessoal do cinema “de verdade” tinha profundo desprezo pelos nickelodeons, não consideravam o que eles faziam como arte, mais ou menos o que o pessoal do Teatro pensava do cinema de verdade e o que o cinema pensa até hoje da televisão.
Durante a discussão com a Bia Granja alguns produtores de conteúdo questionaram a idéia de que haverá uma seleção natural do conteúdo. Reclamaram que há muito lixo sendo muito consumido. Bem, Evolução em biologia não significa melhoria, significa adaptação ao meio-ambiente. É seguro dizer que 99% do que passava nos nickelodeons era lixo. 99% do que passa na minha TV é lixo, pombas. A questão é: Não importa. O lixo de um é o tesouro do outro.
A Bia acha que teremos menos, porém melhores conteudistas (isso foi uma citação de Ninotchka, motivo #7237283 pelo qual nunca ficarei rico com blogs). Eu tenho minhas dúvidas, o que vejo são canais com conteúdo real lutando para sobreviver (o Captain Disillusion não tem 300 mil assinantes) e canais sem nenhum sentido faturando milhões. É o mesmo que sempre foi, para cada JK Rowling ou Andy Weir temos milhares de sujeitos como este:
Sim, é um livro real. Por quê? FUCK YOU, é o porquê.
Se de um lado temos a esperança de uma limpa no conteúdo, de uma produção de mais qualidade sobrevivendo ao darwinismo editorial do público, do outro lado temos esta japinha:
Ela tem um canal no Instagram onde esfrega o rosto em pão, todo tipo de pão. Bolinhos, às vezes massa pronta. Só isso. Eu sei não faz o menor sentido, mas o vídeo acima tem seis milhões de visualizações e você acaba de contribuir com mais uma.
Se juntar todos os canais de ciência brasileira no Instagram não temos 6 milhões de views.
Será mesmo que em algum momento em 2017 o público vai repensar sua vida inteira, desistir de assistir japinhas panificadas e procurar vídeos como os da Physics Girl?
Eu duvido, mas isso não me incomoda. Não mais.
Acredito sim no darwinismo previsto pela Bia Granja, mas no Grande Esquema das Coisas existem muito mais insetos do que Tigres. Como indivíduo é mais vantajoso ser um tigre, como espécie é melhor ser um inseto. As duas opções são válidas, dá para sobreviver das duas formas.
Um Tigre nunca vai dizimar colheitas como uma praga bíblica, ele causa danos em uma escala diferente, mas nem por isso deixa de ser temido e respeitado. levando a metáfora para o conteúdo, você pode viver fazendo seus memes e reaction videos e desafios e ser a 742389423ª pessoa a mostrar em detalhes ao mundo a decoração do seu quarto, pode até ganhar muito dinheiro com isso, mas você não afetará canais como o History Buffs, que analisam filmes comentando onde erraram e onde acertaram do ponto de vista histórico.
A verdade, crianças, é que Gafanhotos e Tigres não são competidores, eles comem coisas diferentes. Nenhum darwinismo fará com que um tigre coma plantas (eu sei eu sei EU SEI Pandas etc não estrague minha analogia com Ciência). Quem assiste o vídeo da japinha dos pães não vai assistir um vídeo 40 minutos do magnífico Every Frame a Painting.
Você está chorando por um público que nunca teve, que nunca será seu. Deixe que o povo do Jackass se digladie, eles que são brancos que se entendam. Você produz longas reflexões filosóficas, vídeos sobre política, divulgação científica? Parabéns, mas enquanto você reclama da japinha do pão, o History Buffs fez um vídeo sobre o Soldado Ryan com um milhão de visualizações e o Every Frame a Painting tem um sobre o Jackie Chan com SETE milhões.
TODA a mídia é segmentada, sempre foi, pessoas, grupos diferentes consomem conteúdo diferente, o Santa Missa Em Seu Lar nunca chorou pitangas por não atrair o público do Pânico. Quem assiste Girls dificilmente assiste Family Guy ou Archer. É uma realidade que todo mundo no Mercado conhece, mas na Internet os criadores de conteúdo querem que seja diferente. NUNCA SERÁ.
O público existe, o público quer conteúdo de qualidade, mas o conceito de qualidade depende de cada segmento. Eu só digo uma coisa: Neil DeGrasse Tyson não fez Cosmos pensando em atrair o público de Honey BooBoo, muito menos achando que era o único público da TV. Tem a audiência das Kardashians? Não, mas dá pra viver bem mesmo assim.
Descubra quem é seu público e trabalhe para ele. Evolua em conjunto, não se prenda demais a fórmulas e principalmente, não se distraia demais vendo o que gente fora do seu ecossistema está fazendo, pois distração é uma das coisas que Darwin não perdoa.