Antes do Raoni, antes do Cacique Cobra Coral, antes mesmo do índio Cléverson o Brasil teve um índio-celebridade, o Cacique Mário Juruna. Nos Anos 70 ele surgiu na mídia como defensor das causas indígenas, fazendo algo até então impensável: enfrentando o homem branco de igual pra igual.
Juruna era um tipo pitoresco, claro. sua total despreocupação com o protocolo rendia ótimas frases e entrevistas, e a causa indígena é aquele tipo de coisa que todo mundo apóia. Mesmo que não faça nada. É igual Salve as Baleias. Claro, dou a maior força, mas que que devo fazer, comprar um aquário?
Ele conseguiu se eleger deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro, e exerceu o cargo entre 1983 e 1987, período durante o qual conseguiu criar a Comissão Permanente do Índio, e mais ainda conseguiu tirar os índios dos livros de OSPB e colocá-los nas manchetes dos jornais. Órgãos de fachada como a FUNAI foram cobrados a mostrar serviço, por causa do Cacique Juruna.
Juruna era uma figura pitoresca, mas não era burro e tinha uma plataforma, um projeto. Isso, e não respeitar as regras do jogo o tornava perigoso, e muita gente se queimou por isso, incluindo um sujeito chamado Calim Eid. Eu sei, é chocante o que vou dizer e você não vai acreditar, mas nos Anos 80, ainda no Governo Militar empresários e políticos participavam de esquemas de corrupção.
Era a eleição para Presidente, o Colégio Eleitoral escolheria entre Paulo Maluf e Tancredo Neves. Por debaixo dos panos as negociações estavam a mil, e Calim Eid se aproximou de Juruna com uma proposta indecentemente mais suculenta do que miçangas: Cr$ 30 milhões, o equivalente na época a US$40 mil, ou 178 Narjaras Turettas e um saco de pitombas, dependendo do Plano Econômico.
Juruna deveria apoiar Maluf, votar nele na eleição e manter o apoio publicamente. Ele recebeu o suborno, sem entender muito, mas após uma rápida conversa com assessores de confiança e a liderança do Partido, chamaram a imprensa, fizeram um evento público e depositaram de volta o dinheiro, em espécie, na conta de Calim Eid.
Óbvio que não deu em nada, todo mundo negou, mas foi histórico. Com um general no poder um Deputado denunciar um esquema de corrupção envolvendo o partido do Governo?
Apesar de ser bem-visto publicamente Juruna não teve uma passagem feliz na Câmara. Era odiado pela maioria dos deputados, que achavam uma afronta aquele selvagem ter os mesmos direitos e regalias que eles. A imprensa por sua vez adorava os “escândalos”, mesmo sabendo que eram basicamente sacanagem. Teve vez de chamarem o Juruna para almoçar no restaurante da Câmara, todo mundo no final ir embora e deixar a conta pra ele, que obviamente se recusou a pagar. Virou manchete.
O hábito mais pitoresco de Juruna entretanto não era alimentício. Era o saudável hábito de não confiar em políticos. Por diversas vezes ele se reunia com ministros, secretários e burocratas da FUNAI, ouvia promessas e depois era descartado. Os próprios índios começaram a desconfiar de Juruna, eles pediam informações aos militares e a resposta era que o Juruna tinha recebido o dinheiro, que o Juruna tinha concordado com tal medida.
O Cacique fez então o impensável: Comprou um gravador e passou a registrar todas as conversas e promessas.
Quase quarenta anos depois a Presidência de Michel Temer está por um fio, graças a… uma gravação. Juruna estava muito adiante de seu tempo, hoje o celular grava a caneta grava, o computador grava. Não podemos mais assumir privacidade. Somos responsáveis por nossos atos e nossas palavras, faladas ou escritas.
Pela primeira vez na História temos um registro do dia-a-dia, que pode ser usado para o Bem ou para o Mal, a certeza é que será usado. Juruna com seu gravador e sua atitude incomodou um Congresso inteiro. Joesley Batista tem fortuna estimada em R$3,1 bilhões, e está balançando o Brasil inteiro com um gravador de R$100,00. Ou uma App de US$0,99, sei lá.
Que venham mais gravações, que mais e mais políticos tenham que criar esquemas convolutos para se comunicar, que se encontrem em saunas gays, nus como a mão no bolso, olhando sobre os ombros o tempo todo. Se vão roubar, se vão corruptar, que ao menos a tecnologia torne suas vidas um inferno de medo e paranóia.
#SomosTodosJuruna.
PS: A experiência do Cacique foi contada por ele mesmo no livro O Gravador do Juruna.