O dia em que quase abri meu terceiro olho

O dia em que quase abri meu terceiro olho

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tomzé O dia em que quase abri meu terceiro olho

Eu admito, reconheço, sei que soa chocante mas eu não sou perfeito, já mudei de opinião várias vezes, e já fiquei intrigado com todo tipo de bobagem, inclusive Erich Von Däniken. Também tive minha fase comunista, durou uns 15 minutos, mas a mística foi bem maior. 

Curiosamente eu nunca fui teísta. Culpa da minha mãe, que me deixava ler a Coleção Júlio Verne dela. Eu estudava em colégio de freiras, mas não comprava a obrigação de acreditar sem questionar. Cada vez que me mandavam ficar quieto eu me afastava mais, a idéia de uma Entidade Onipotente que não tinha respostas pra uma criança não fazia sentido. Já o resto do misticismo, esse tudo bem, até porque (em teoria) era cheio de explicações.

Depois de uma experiência assustadora comecei a ler sobre viagens astrais, as descrições batiam. Para todos os fins práticos eu havia abandonado meu corpo e viajado pelo Plano Astral. CHUPA STEPHEN STRANGE!

Anos depois eu descobri que não era o único, que outras pessoas acordavam no meio da noite sem controle do próprio corpo, às vezes sem nem conseguir abrir os olhos, percebendo-se apenas como uma consciência no vazio. Outras vezes você enxerga tudo à sua volta, mas não se move. Na Idade Média a explicação era que havia um demônio no seu peito, te impedindo de se mover.

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Hoje eu sei que experimentei Paralisia do Sono, uma condição onde seu cérebro buga e esquece de acordar os centros motores, você acorda na parte pensante mas não na parte mexente, por assim dizer. E a “viagem astral” nada mais foi que o efeito de privação sensorial, eu estava dormindo em um quarto de parentes em uma viagem, em absoluto silêncio e escuridão total. Na falta de sinais o cérebro começa a fabricar os próprios.

A parte mais divertida da minha experiência mística entretanto não foi sobrenatural, foi lendo este livro:

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Eu fiquei impressionado, a descrição da vida dos monges no Himalaia era excelente, escrito na primeira pessoa contava a história de descoberta e Iluminação, de um garoto se transformando em um monge com super-poderes. Era um gibi, mas havia acontecido de verdade! Como um garoto impressionável como eu poderia não adorar isso?

Li mais um ou dois livros, eram difíceis de achar (comprar eu não podia, não tinha nem mesada), até que chegou em uma parte onde o tal monte Lobsang Rampa estava sendo perseguido pelos chineses malvados, e doente. Ele usa então um ritual antigo e descobre um sujeito que estava desiludido, cansado de viver e pronto para seguir adiante na infindável Roda da Vida, prosseguindo o ciclo sem fim de morte e reencarnação.

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O monge negocia com o sujeito a “doação” do corpo. O desiludido com a vida segue para o pós-vida, e a alma do monge deixa o corpo doente no Tibete e entra no corpo saudável em outro lugar. Sim, você já viu isso em Supernatural, é assim que os anjos ganham corpos humanos, mas o livro é de 1956, vamos dar crédito.

Eu dei, até que percebi que o tal corpo que o monge estava usando era de um inglês de meia-idade. Mais precisamente Cyril Henry Hoskin, nascido em Devon, Inglaterra, em 1910.

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Meus alertas internos de ceticismo começaram a apitar. Como assim? O autor é um sujeito inglês, que jura ser um monge tibetano usando um corpo emprestado? E ninguém questionou isso? E o trouxa aqui achou o máximo a ficção dele?

Foi uma revelação, meu mundo caiu, se esfacelou e eu percebi (décadas antes de Arquivo X) que é muito fácil ser enganado quando a gente QUER acreditar. Se Lobsang Rampa fosse um padeiro indiano, eu ainda acreditaria, o erro foi um filho de encanador de Devon forçar a barra.

Anos depois me senti mais burro ainda, ao descobrir que não só Cyril não entendia nada de Tibete, e suas descrições não batiam com nada além de descrições de fotos em guias turísticos e livros de divulgação, como “Lobsang Rampa” não sabia ler nem escrever em idioma tibetano, mas misteriosamente o “monge” mantinha todas as memórias do antigo dono do corpo.

A cereja do bolo foi quando inevitavelmente alguém perguntou ao Dalai Lama sobre o caso, e através do secretário, veio a resposta:

“I wish to inform you that we do not place credence in the books written by the so-called Dr. T. Lobsang Rampa. His works are highly imaginative and fictional in nature.”

Suas obras são altamente imaginativas e fictícias por natureza. Então tá.

Tempos depois, tarde demais eu conheci Carl Sagan, que me ensinou que o Universo não precisa de fantasmas e monges voadores para ser misterioso, maravilhoso, intrigante e fantástico. Mais ainda, eu aprendi que afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias. Se você falar que comeu pitanga no almoço eu não vou questionar, mas se falar que comeu a Camila Pitanga, ai vou querer a sex tape, de preferência em 4K 60fps 3D. E sem você na cena.

Como Lobsang Rampa existem milhares de picaretas, e como eu, milhares de inocentes impressionáveis. Eu tenho todo o direito de me chamar de idiota, mas não é produtivo chamar assim outros na mesma condição. Educação com punição e humilhação só se for do Pai Mei. A resposta é estimular a dúvida, mostrar que não é errado perguntar ou questionar, e se alguém diz que algo não pode ser questionado, aí sim é hora de pular fora.

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