A saga de Hitler em busca da Vaca Superior

A saga de Hitler em busca da Vaca Superior

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O Terceiro Reich é mais conhecido por suas atrocidades imperdoáveis, mas chega de falar do Fusca.

Ao contrário de vilões de quadrinhos, eles não eram monotemáticos. Havia muito mais no projeto nazista do que exterminar indesejáveis, eles planejavam uma reestruturação total da sociedade, pondo fim ao modelo de classes sociais e centrando tudo nos Valores Arianos. 

Esse discurso era quase religioso, os tais valores eram algo meio mítico. Evocavam uma glória do passado que ia além das pessoas. Não era somente genética, a superioridade ariana envolvida a terra, as montanhas, até os animais. E por falar em animais, Hermann Göring.

Chefe da Luftwaffe, Göring era nazista de carteirinha (dourada, sério) e, pra piorar, caçador. Ele reclamava dos animais degenerados e dóceis da atualidade, lobos e javalis não eram grande desafio, ainda mais que como era um covarde, Göring devia caçar de metralhadora. Ele sonhava com um tempo em que a natureza era majestosa, um tempo em que os animais apresentavam qualidades arianas.

Ele ficou obcecado com um animal em especial, o Auroque.

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Uns 12 mil anos atrás, quando começamos a desenvolver a agricultura os descendentes da verdadeira Raça Superior (carnívoros) decidiram que não iriam comer salada, e preferiram a alternativa mais fácil: Começaram a recolher filhotes de Auroques, um bovino de grande porte, selvagem e agressivo e por décadas e décadas de cruzamento seletivo, escolhendo as crias mais dóceis, com melhores características de animais de cativeiro, acabaram chegando nas duas espécies principais de gado doméstico.

Esse processo todo levou centenas de anos, talvez milhares. Os Auroques não deixaram de existir, os exemplares selvagens são mencionados em vários livros antigos, das memórias de César à Bíblia. Infelizmente como toda carne de caça eles eram mais gostosos que suas versões domésticas, e acabamos caçando os Auroques até a extinção.

O último delicioso Auroque foi morto na Polônia, em 1627. Com mais de 1m80cm de altura, chifres de 80cm e chegando a 2 toneladas, os Auroques eram monstros, mas desde então só sobreviviam nas lendas antigas e nos esqueletos nos museus. Göering queria trazer esse bicho de volta.

Convenhamos, não há nada menos ariano do que uma vaca. Toda aquela imagem de força, coragem e perfeição loura alta alemã vendida pelo baixinho moreno austríaco não combina com um bicho cuja principal função é virar hambúrguer. Göering queria a velha glória de volta, sonhava em caçar Auroques nas florestas do Reich. E para isso ele contactou dois irmãos zoólogos, Lutz e Heinz Heck.

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Na foto Lutz Heck e espécimes em exibição em seu zoológico. Ao fundo, um elefante. Sim, “zoológicos humanos” durante um tempo forma moda na Europa, mas eram algo tão degradante que até a Alemana Nazista proibiu.

Eles já vinham trabalhando no Auroque desde os Anos 20, defendendo a tese de que a memória genética das espécies atuais traria informações que permitiriam recriar espécies extintas. Há um certo fundo de verdade nisso, é possível ativar genes em galinhas que criam dentes, algo que trazem desde o tempo dos dinossauros,  mas isso é diferente de transformar um frango num T-Rex.

O processo é simples, em teoria. Se o Auroque era grande e chifrudo, e você tem uma espécie de boi que é grande mas sem chifres, e outra que é pequena mas chifruda, você cruza os dois bois e… nada acontece. Dois bois não se reproduzem, os órgãos não são compatíveis, viva a família brasileira, Bolsonaro2018!

Cruzando machos e fêmeas de várias espécies, incluindo bisões trazidos do Canadá, eles foram aos poucos produzindo animais que se pareciam mais e mais com Auroques, um caminho inverso do que foi feito originalmente. Esse tipo de cruzamento demanda muita paciência, mas seleção artificial é algo que funciona. Veja uma cenoura selvagem:

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Depois de centenas de gerações, cruzando os melhores exemplares de cada safra, eliminando os inadequados, chegamos a isto:

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Entendeu como o conceito era interessante, do ponto de vista dos nazistas?

Os irmãos Heck trabalhavam no mesmo projeto, mas com abordagens diferentes. Lutz era diretor do Zoológico de.Berlin, Heinz era diretor do Zoológico Hellabrunn em Munique. Ambos levaram 11 anos para apresentar resultados.

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Seus touros eram bonitos, lembravam Auroques e funcionavam em peças de propaganda, mas não eram grandes o suficiente. O Novo Gado Ariano, assim como o Terceiro Reich era uma farsa. Um boi comum com complexo de grandeza e um gênio ruim.

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A agressividade era uma característica inesperada que qualquer um teria esperado. Ressuscitando instintos selvagens, os Heck destruíram milênios de domesticação, o comportamento dócil dos bois de hoje é totalmente anti-natural. O Gado Heck quer, em essência, matar tudo que se move.

O objetivo de Göering era soltar os bois na floresta Białowieża, na divisa entre a Polônia e a então União Soviética, uma das últimas grandes florestas nativas da Europa, arrasada pelos alemães durante a 1ª Guerra. A floresta havia sido usada depois pelos soviéticos, que expulsaram os poloneses, e depois pelos alemães, que expulsaram os soviéticos. A floresta iria se tornar uma imensa reserva de caça para oficiais nazistas, mas acabou refúgio de guerrilheiros da resistência polonesa e soviética.

Os alemães perseguiram implacavelmente os guerrilheiros, algo até apropriado pra uma reserva de caça, e até hoje acham-se covas coletivas das execuções em massa. Isso tudo afetou os planos “ecológicos” para o local, que com o fim da guerra virou área de conservação.

Quanto aos Irmãos Heck, Lutz morreu em 1983 aos 91 anos e Heinz aos 90, em 1982. Ele foi responsável pela preservação do Bisão Europeu, espécie que chegou a ter somente 90 exemplares, mantidos em cativeiro na Alemanha, longe dos soldados que os matavam por esporte e comida. Ele foi o primeiro cientista a registrar sistematicamente os dados de reprodução de uma espécie selvagem,

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Lutz Heck e um Pangolim.

Das duas espécies criadas, a de Lutz foi morta durante os bombardeiros a Berlin. Os exemplares da de Heinz sobreviveram, e todo o gado Heck vivo hoje em dia é descendente deles. Não que sejam populares. No total há uns 2000, vivem em reservas naturais, na Bavária e nos países baixos. Alguns criadores tentam viabilizar a raça, mas não tem dado certo. Um sujeito chamado Derek Gow, de Devon, UK importou 13 Hecks em 2009, chegou a um rebanho de 20, mas acabou tendo que matar metade. Eram agressivas e perigosas demais.

Eu acho que é uma solução final excelente para as super-vacas de Hitler, afinal se há uma coisa melhor do que matar nazistas é fazer churrasco com eles depois.

 

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