O curioso caso dos pilotos que faziam fila para entrar numa fria

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O maior inimigo de qualquer soldado não é o inimigo, mas o tédio. Aquela cena de soldados de prontidão correndo para seus postos, aviões decolando em segundos é coisa de filme. Ninguém consegue manter esse estado por mais que algumas horas, e quando nada acontece, a moral vai pro ralo. Por sorte vale o velho ditado, de que mente vazia é a oficina do capeta.

Não que os esquadrões de ataque em Peleliu, a 800Km das Filipinas estivessem com a mente vazia. Eles tinham trabalho. Davam apoio aéreo para as tropas tentando desencavar os japoneses que não queriam sair da ilha de jeito nenhum, mesmo já sem suprimentos e reforços.

Os bombardeios eram constantes, às vezes os caças decolavam e 15 segundos depois já estavam sobre o alvo. Alguns pilotos sequer se davam ao trabalho de recolher o trem de pouso. Soltavam as bombas, faziam a volta e pousavam de novo.

Só que pilotos sendo pilotos, eles queriam combates aéreos, mas Tóquio não colaborava. Com o tempo o tédio se instalou entre o Esquadrão VMF-112. Para piorar eles estavam em uma miserável ilha tropical, sofrendo com calor e mosquitos. Eis que o major J. Hunter Reinburg, comandante do Esquadrão percebeu que seu vício secreto poderia ser a solução para o tédio.

Ah sim, o VMF-112 não era um esquadrão muito normal, esse era o emblema deles:

Óbvio que o vício secreto do Major Hunter não era bebida. Isso seria irresponsável. Bebida era consumida socialmente e suprida, por meios legais e questionáveis. O vício mesmo era… sorvete. Infelizmente não havia um food truck por perto, e máquina de sorvete era luxo inexistente em uma ilha perdida de 13 km² no Pacífico em 1944.

Isso não impediu o Major Hunter de Macgyverizar uma solução. Com ajuda de alguns mecânicos ele limpou um tanque de combustível externo, e encheram com leite e chocolate em pó. A teoria é que voando em grande altitude a temperatura, que poderia chegar a -50 graus Celsius resfriaria a mistura produzindo o desejado sorvete.

Marcando o vôo como “Teste do sistema de Oxigênio”, ele decolou, atingiu 33 mil pés e circulou por 35 minutos, para dar tempo da mistura congelar. Ah sim, junto eles arrumaram um compartimento para resfriar várias garrafas de cerveja. Essa parte deu certo, mas o sorvete não estava congelado. O tanque central era próximo demais da saída do escapamento do motor, e isso afetou a temperatura.

O Major J. Hunter Reinburg, ainda Capitão, em 1943.

Sem desistir do projeto, o grupo de mecânicos adaptou duas caixas de munição a painéis de acesso debaixo das asas, cada uma comportando quase 20 litros de mistura. O vôo para “testar o supercompressor do motor” ocorreu normalmente mas o sorvete, apesar de não muito bom, foi consumido por todos, mas o Major não estava satisfeito.

As caixas de munição foram modificadas. Uma pequena hélice na frente girava um eixo que por sua vez movia pás dentro das caixas, misturando e aerando o leite e o chocolate gelados. O resultado era delicioso sorvete de chocolate caseiro, o suficiente para fazer a alegria de 100 homens, e todo dia religiosamente subia um avião, às 14 horas, para algum tipo de “teste”.

Em defesa dos pilotos, havia o objetivo legítimo de treinar os pilotos para operações em grandes altitudes, e eles costumavam circular em cima das linhas japonesas, que atiravam inutilmente gastando sua munição anti-aérea que só atingia até 28000 pés, enquanto os Corsairs F4U voavam entre 30000 e 33000 mil pés.

Nem tudo foi sucesso, claro. Uma vez um piloto voltou rápido demais, excedeu a velocidade recomendada de 200 nós, e a força do ar arrancou as duas caixas. O Major Hunter achou que os outros homens fossem linchar o coitado.

O segredo não era exatamente segredo, talvez fosse o mais mal-guardado da Guerra, e logo a notícia se espalhou, e a brincadeira quase acabou quando o Coronel Caleb Bailey, Comandante da Porra Toda telefonou e avisou: “Vocês não estão me enganando. Eu tenho espiões. Avisem ao Hunter que vou aparecer aí amanhã para pegar a minha parte!”

Combinada a parte do Coronel, a operação prosseguiu sem interrupções até o final da Guerra, com total desconhecimento dos japoneses que não sabiam estar atirando em algo bem mais precioso do que pilotos ou aviões.


Fonte: Corsair: The F4U in World War II and Korea –  Barrett Tillman



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