A Grande Pergunta: Como eu cheguei até aqui?

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Uma das perguntas que costumam me fazer é como eu decidi viver de escrever. Eu costumo brincar, mas não muito, dizendo que a alternativa era arrumar um emprego de verdade, mas minha paixão pelo texto vem bem antes de ter que me preocupar em como iria alimentar meus garçons.

Eu já contei em algumas entrevistas como me interessei por literatura graça à minha mãe, que odiava ler para mim, então fazia de tudo pra que eu aprendesse logo a me virar, por isso não tinha limites pedagógicos. Lia de Tio Patinhas a Júlio Verne, me fazendo acompanhar o texto no livro, e quando cheguei na Alfabetização eu já sabia ler, e foi um inferno aguentar aquele monte de crianças lerdas por um ou dois anos, até que me pularam algumas classes.

Nessa época eu já era apaixonado por Júlio Verne, Monteiro Lobato e odiava com todas as forças o romantismo, nacionalismo ou seja lá a praga do movimento que gerou Machado de Assis, José de Alencar e outros que eram estuprados goela abaixo das pobres crianças.

Mesmo assim, eu sobrevivi. Meu colégio fora do currículo normal usava a série Para Gostar de Ler, com Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e outros. Aprendemos com a Borboleta Atília, e minha professora não tinha problemas quando me pegava na aula lendo livros a série A Inspetora, Os Seis ou a Espaçonave Monitor, da saudosa Edições de Ouro.

Nesse tempo todo eu era ávido consumidor mas nunca me aventurei a escrever. Eu fazia compilações de séries de TV, mas criar algo, meu? Não senhor. Isso é coisa de escritores de verdade.

Um dia o colégio nos fez ler Fernão Capelo Gaivota, uma história curta mas muito legal, que mexeu com meu ainda dormente lado nerd. Havia algo quase tecnológico naquela gaivota. Tempos depois eu descobri em um dos meus passeios em livrarias outro livro do autor, Biplano. Richard Bach narrava sua aventura atravessando o país transportando um avião. click

Eu comecei a me interessar pelo autor, não só pela obra, e nesse meio-tempo surgiu minha primeira namorada, que era meio natureba, meio alternativa e também adorava Richard Bach. Passamos muito tempo entre idas e vindas, e nas palavras de A Ponte Para o Sempre eu descobri conselhos, verdades e conforto. Foi quase um manual para tentar entender o maior mistério do Universo, Mulheres. Não deu certo.

Mesmo assim eu me apaixonei pelo livro e catava tudo que encontrava do autor, o que era muito pouco e esparso.

Um dia eu achei em uma feira do livro um exemplar de Estranho À Terra, e nele havia algo precisoso: Um endereço. Escrevi para a editora, pedindo informações. Lembre-se, era muito antes da Internet, acho que nem a eletricidade havia sindo inventada.

Na minha carta eu dizia que era um leitor do Brasil, que adorava os livros dele, e que queria informações; queria saber se ele estava vivo e bem, mais nada.

Leslie Parrish, segunda esposa de Richard Bach.

Seis meses se passaram sem nenhuma resposta. Um dia recebo um envelope. Nele a Editora de Richard Bach me escreveu dizendo que o endereço que eu havia usado não era mais válido tinha uns 30 anos, mas alguém encaminhou a carta até eles. Ela estava feliz em me informar que Richard Bach estava vivo e bem, e que havia encaminhado minha mensagem para ele. Junto, ela anexou cartões postais e fotos de meu escritor favorito.

Em seus livros Richard conta como demorou a publicar, como um escritor está acostumado com rejeição e como é importante perseverar. Eu segui a cartilha, mesmo dando muita sorte. Meu primeiro texto longo, uma crônica, foi publicada na revista Superinteressante. Quando eu finalmente decidi escrever um livro sobre Internet, comentei em um fórum, um editor leu, me chamou e depois de uma curta conversa eu tinha um contrato assinado. Isso me fez desprezar um pouco a arte da escrita, eu admito.

Com o advento da Internet, as informações começaram a chegar de todos os lados e percebi que meu ídolo, como todos, tinha pés de barro. Richard Bach em seus livros nunca mencionou filhos. Em A Ponte Para o Sempre ele menciona a ex-esposa uma ver. O resto da história é conhecendo sua alma-gêmea, Leslie Parrish, e que garoto nerd não se apaixonaria por uma deusa loura de Star Trek?

A mensagem de Richard de almas gêmeas juntas para sempre enfrentando todas as adversidades foi muito importante para mim, mesmo eu não tendo permanecido com aquela primeira namorada, mas só fui me livrar da “culpa” pelo fracasso anos depois, quando descobri que Richard e Leslie ficaram casados por 20 anos. A Ponte Para o Sempre ligou 1977 a 1997.

Meu ídolo não era perfeito, isso foi difícil de engolir mas ao mesmo tempo eu percebi que isso significava que eu não precisava ser perfeito também. Era possível amar a arte da escrita sem ser obrigado a atingir algum nirvana.

Richard Bach sumiu de minha vida por um bom tempo, mas mantive minha paixão por aviões e textos (não músicas, sorry Lito). Trabalhei com muita coisa, mas o Destino sempre me direcionava para a Literatura.

Graças a meus textos eu viajei, conheci pessoas, lugares, fui recebido por gente que jamais imaginaria conhecer. Caramba, eu conheci o Woz na base da carteirada do MeioBit, motherfucker.

Eu gostaria de dizer que graças a meus textos consegui Fortuna e Glória, mas como Richard Bach já disse, eu não escrevi 10 bestsellers ou um livro de como se livrar de chulé, Eu também entendo perfeitamente que a enrascada em que me encontro foi criada inteiramente por mim, mas isso é papo pra outro texto.

Eu poderia estar em uma situação bem mais confortável se seguisse o conselho de todo mundo e tivesse feito concurso pro Banco do Brasil, mas não é o que eu quero, não é o que eu amo.

Uns 10 anos atrás em tomei uma decisão radical e larguei tudo para viver de minha própria criação, atitude bem mais sensata se criasse galinhas, mas qual a graça? Hoje se colocar na ponta do lápis, não valeu a pena, mas se você me perguntar se fora as dívidas, os problemas, as incertezas, eu estou feliz, a resposta é um sonoro sim.

Eu amo contar histórias, eu amo compartilhar nos textos as emoções das pesquisas que levaram a eles. Amo de vez em quando surpreender com histórias de próprio punho.

É uma vida difícil e incerta? Com certeza. O Mastercard mês que vem vai me encostar na parede? Totalmente, mas quando leio um comentário de alguém que se emocionou com uma história, quando um leitor diz que mudou de idéia, que seu horizonte se abriu por causa de um texto, tudo vale a pena.

Ainda vou lançar o Grande Romance Brasileiro do Século XXI, ou um livro bestseller de dicas sobre chulé, e conseguir minha estabilidade financeira? Com certeza, mas até lá eu vivo da caridade de quem não me detesta, e toda doação de leitores em última análise é revertida em textos, afinal álcool serve pra isso.

Em 2012 Richard Bach sofreu um acidente com seu hidroavião, e ficou impedido de pilotar. Ele também se afastou da Internet, mesmo tendo sido um dos pioneiros, estando online desde o tempo dos BBS. Ele se dedica a escrever, sem distrações e em 2014 lançou uma continuação de Ilusões. Nada mau pra um sujeito de 81 anos, e um belo tapa na cara de gente que prometeu livro novo pra Novembro de 2016, se é que vocês me entendem.

Richard Bach me ensinou muito, principalmente me ensinou que você pode ter ideais maiores do que você mesmo. Não há demérito em almejar algo maior e melhor do que você consegue ser. Dizem que o Homem é a medida de todas as coisas, mas quem disse que precisa ser o mais medíocre dos homens?



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