Ofensivos amadores ofendem ofendidos profissionais com Batman Gay

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Em 1954 a indústria de quadrinhos quase morreu. Até hoje ela ainda não é tão bem-vista entre os pais, e na segunda metade dos Anos 70 gibis eram comprados a contragosto. Não eram “boa influência”. Mais de uma vez vizinhas criticaram minha mãe por me deixar ler Tio Patinhas, Mônica e o eventual super-herói que aparecia.

A origem disso tudo foi o livro A Sedução do Inocente, de um psiquiatra e filho da puta americano chamado  Fredric Wertham. Ele criou toda uma ficção apontando os quadrinhos como causa de todos os problemas da juventude. Super-Homem promoveria valores antiamericanos, Mulher-Maravilha promoveria sadomasoquismo (ok, essa eu admito) e lesbianismo (por ser uma mulher forte e independente) e Batman e Robin seriam arautos do homossexualismo.

Como resultado as editoras se reuniram e criaram o famigerado Comic Code Authority, um comitê de censura que criou regras rígidas proibindo qualquer tipo de referência a drogas, sexo, violência e sobrenatural. Nem mesmo zumbis poderiam ser usados. Em um caso célebre implicaram com o nome do autor Marv Wolfman, por acharem que estavam se referindo a um lobisomem.

Sim, grupos de adultos organizavam eventos onde queimavam os gibis que recolhiam de seus filhos. Imagine o efeito dessa histeria nas editoras.

Com o tempo as editoras foram abandonando o Comic Code e não temiam mais publicar revista sem sem o selinho de aprovação, coisa que nos Anos 50 garantia que NINGUÉM iria vender o seu gibi. Mesmo assim a DC Comics só abandonou formalmente o CCA em 2011.

O livro de Wertham se vende como uma pesquisa científica, mas é repleto de falhas, praticamente no nível da pesquisa que “provou” que vacinas causam autismo. Todos os exemplos de adolescentes problemáticos que ele entrevistou foram encontrados em… áreas de adolescentes problemáticos e instituições tipo FUNABEM. Isso mesmo. Para provar que gibis traumatizam crianças ele foi entrevistar um grupo onde 100% das crianças já eram problemáticas.

Ele também inventou relatos, mentiu com relatos terciários dizendo que os havia ouvido em primeira-mão, e quando quis provar que Batman e Robin estavam transformando as crianças em gays, esqueceu de mencionar que dois dos garotos que entrevistou já apresentavam comportamento homossexual antes de começarem a ler gibi. Pior ainda; um dos garotos que segundo ele tinha problemas de ordem sexual por causa dos gibis havia sido estuprado recentemente, mas isso não ajudava na Narrativa então foi omitido. A culpa é do gibi.

Incontáveis carreiras foram arruinadas, infâncias ficaram mais tristes e inúmeras histórias se perderam para sempre, deixando de ser contadas. Do legado de Wertham, temos entre outras coisas, a Tia Harriet:

Criada para a série de TV de 1966, a personagem tinha uma única função: evitar que as pessoas começassem a desconfiar de um sujeito solteirão que pegou um garoto pra criar, e mora só com ele e o mordomo numa mansão.

Óbvio que isso não impediu o povo de falar, e com o empurrãozinho de Wertham, Batman e Robin foram alvos de piadas e gracinhas desde sempre. Algumas na inocência, a grande maioria intencional, e nem falo de Feira da Fruta e semelhantes. Digo nos próprios quadrinhos.

Vender o Batman como gay não é algo que afete os fãs, a gente brinca com isso desde quando isso era falado a sério. Os fãs, ao menos os corretamente medicados sabem que seus personagens favoritos não existem, são apenas desenhos no papel, idéias na cabeça de roteiristas. Eles podem ser qualquer coisa, podem existir em qualquer tempo, em qualquer lugar.

Por isso mesmo é extremamente BESTA uma obra como a ilustração que abre este texto. Batman e Super-Homem se beijando, nossa que chocante que ousado que zzzzz….. Usar personagens conhecidos para dar tapa na cara da sociedade não é chocante ou ousado hoje, não era nem em 1967 quando a revista The Realist publicou o famoso poster The Disneyland Memorial Orgy.

Por isso saber que em 2017 ainda tem gente usando esse artifício para chocar em prol de uma causa me causa um tédio imenso. Quase tanto quanto a inevitável reação:

Isso mesmo. Segundo esta matéria do G1, uma exposição no Instituto Federal do Sul de Minas, em Poços de Caldas virou algo de chororô, depois que alguém postou no Facebook a foto de um dos trabalhos criados por um aluno. Os comentários dos leitores refletem o espírito do que foi dito no Facebook:

  • Nada contra pessoas, e sim contra atitudes. E o homossexualismo é maldito!!! Desculpem- me as “pessoas”, mas sua “atitude” é maldita e abominável…
  • Vou mandar essa foto aos criadores dos heróis. Quero que eles entre com ação contra a prefeitura e esses g.a y s.
  • A dona rede g.l.o.b.o ama isso.
  • Isso aí não é arte. É só um desenho mal feito, com clara intenção de causar polêmica. Obviamente sem a autorização do uso de imagens da DC comics.
  • AINDA BEM QUE ESSA SUB RAÇA NÃO SE REPRODUZ
  • Tenho um filho de 7 anos se ele ver uma imagem dessas e me questionar sobre a mesma vou falar pra ele que é uma falta de vergonha que homem tem que beijar mulher,aí vão falar que sou preconceituoso…mas será que um pai que gosta do seu filho vai falar que isso é normal?prefiro que me intitulem de preconceituoso…
  • Ag0ra col0quem um desenho da Mulher Maravilha no fogão com um filho no colo e o Super Homem chegando do trabalho pra ver se a censura não corre s0lta, isso aí é pura hip0crisia e afr0nta a sociedade !!!

E por aí vai. Como sempre a teoria da ferradura está certa. De um extremo a turma da lacração que acha que gênero é construção social, do outro extremo quase se encontrando, a turma histérica que acha que vai virar viado se assistir mais de 3 minutos do programa da RuPaul.

O pior, pior MESMO e que ninguém está comentando, o crime real nisso tudo é que o tal desenho premiado do aluno é… plágio.

Uma simples busca no Google retorna esta imagem:

É basicamente a mesma, mas o kibador não teve tempo/talento de terminar o braço do morcegoso, e saiu essa cópia mal-feita e inferior.

Não fui mais além, mas cheguei a achar o desenho original em post de blog de Outubro de 2014. Estou surpreso com o fato de ninguém ter feito essa pesquisa que me custou uns 2 minutos de Google? Nem um pouco, uma das vantagens da lacração é que ela nunca é questionada, como ninguém questionou a lógica do Batman estar fazendo um sinal com a mão que é o equivalente britânico a mostrar o dedo do meio, e que no Brasil não tem NENHUM SIGNIFICADO.

Portanto, crianças, em conclusão:

Usar Batman pra lacração é velho e sem efeito;

Chilicar por causa de personagens gays fictícios é retardado e

Plagiar trabalho dos outros e vender como seu é coisa de gente sem caráter, independente da orientação sexual.


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