Você precisa de uma Manic Pixie Dream Girl e eu também

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Tive uma vizinha que estudava comigo. Se chamava Pâmela, era uma das raras pré-Dallas, embora eu ache que os pais viram a novela em viagem aos EUA. Era uma moça muito bonita, olhos profundamente azuis e um cabelo cor de palha queimada, e não, não me enrabichei por ela. Essa tarefa coube a outro sujeito, duas séries mais adiante que a gente, o sujeito arrastava um avião por ela. Gentil leal carinhoso, ele atendia pelo apelido de Estepe.

Todo mundo falava que a Pâmela mantinha o Estepe na coleira, mas ele vivia solto, era mais fácil pra carregar a mochila dela, ir comprar refrigerante na cantina, e levar recados para o namorado. Sim, o Estepe era um exemplo vivo da chamada Friendzone.

Sei que hoje é errado dizer que isso existe, que a mulher não tem nenhuma obrigação de ficar com o sujeito só porque ele a trata bem, etc etc bla bla bla mas não afeta a realidade de que, bem a Zona da Amizade é real. Clichês e estereótipos existem por um motivo, afinal de contas.

Muito do que vemos em filmes e reclamamos no fundo é baseado na realidade, e talvez por isso mesmo incomode, mas de todos os clichês, tropes e “coisas de cinema” a mais realista seja a Manic Pixie Dream Girl.

Você conhece o tipo. Temos o herói, sério e secretamente atormentado, ou então preso a uma rotina onde é relativamente feliz, mas vê seus sonhos cada vez mais distantes. Um dia ele encontra uma mulher que gira seu mundo de cabeça para baixo. Em geral ela é bem mais nova, e muito bonita, fora da liga do homem em questão, como os gringos costumam falar. Mas ela não é um monstro sexual rainha sedutora. A sexualidade da Manic Pixie Dream Girl é uma coisa bem mais íntima, que quase nunca é mostrado, exceto para meio que intimidar o protagonista.

Ela é independente, vive uma vida de aventuras, é não-conformista sem ser militante, é otimista ao extremo, acredita que por trás da cara séria do protagonista há uma alma pura a ser libertada. A Manic Pixie Dream Girl não acha graça em ir à praia desfilar de bikini, mas adora te surpreender com um luau no quintal e de farra pula pelada na piscina do vizinho no meio da noite.

A MPDG não implica em um relacionamento doentio. Ela não é uma Glen Close. Ela não vai ferver seu coelho. No máximo ela vai te convencer a vender tudo e ir criar coelhos no Arkansas, ou seja lá onde se crie coelhos. Ela também não tem uma relação de dependência. Ela está passando pela vida do protagonista, mas não é um destino. Ela não gruda, não quer casar, não quer constituir família, mas nada impede que eles passem a noite inteira planejando como será sua casa em Marte.

Curiosamente uma das melhores representações dessa trope foi Jack Dawson, em Titanic. Parece coisa da lacração mas a Manic Pixie Dream Girl didática é um homem… Ele bagunça completamente a vida da Rose, mostra a ela todo um novo mundo, aparece do nada com suas respostas simples, sua alegria de viver e quando ela percebe está dançando com a turma da Geral, pela primeira vez se sentindo realmente viva.

Zoe Deschanel basicamente só faz MPDGs, Ramona Flowers também é um excelente exemplo desse tipo de personagem, em Scott Pilgrim vs The World, mas a trope é bem antiga. Nos velhos tempos Goldie Hawn adorava esses papéis, assim como Liza Minnelli, e quem poderia esquecer da maior de todas, Julie Andrews?

Apesar de todo o positivismo das Manic Pixie Dream Girls, esse tipo de personagem é desprezado pela crítica militante, dizem que só existem para dar sentido à vida do protagonista, que não apresentam drama ou conflito, não são personagens completas.

Eu acho isso uma bobagem, me lembra a moda dos Anos 80/90 onde todo herói de quadrinhos tinha que ser atormentado. Sei que soa difícil de acreditar, em tempos de Facebook, mas existem pessoas realmente felizes, existe gente que curte suas esquisitices, curte a companhia de outras pessoas sem as usar para despejar problemas.

A parte mais legal das Manic Pixie Dream Girls é que elas não são exclusivamente sonho de Hollywood. Elas existem de verdade, são um raro caso onde a trope é 100% real. Até eu que sou blogueiro tive minha cota, e crianças, acredite: Faz muito bem.

Seguindo exatamente o clichê, fiz coisas que nunca havia feito antes, de despedidas com sobretudo no aeroporto estilo Bogart a correr atrás do portão de embarque ouvindo meu nome ser chamado nos alto-falantes. Sim, para quem está de fora a vida da MPDG é perfeita, mas claro que não é, ninguém é perfeito. Só que nos primeiros dias, semanas ou meses, ao contrário da maioria das pessoas a MPDG não tenta te contaminar com os problemas dela, e te faz esquecer dos seus.

Talvez esse seja o segredo delas. Não são a anulação de personalidade, figuras unidimensionais que as críticas tanto criticam. A MPDG tem um propósito, virar a vida de um homem de cabeça pra baixo, ser importante para ele sem cobranças ou condições. Ao mostrar a ele um mundo de possibilidades, ela reforça para si mesma essa possibilidades, com mais gente conhecendo seu mundo diferente e esquisito ela ganha confiança de que é possível ser… diferente.

Sim, a Jeannie era uma MPDG.

Dificilmente a Manic Pixie Dream Girl vai ser sua melhor namorada. Ela não será aquela que escapou, nem a que você fisgou, mas ela será a mais importante. Ela passou em sua vida no momento certo, te salvou de si mesmo, mostrou que você não vai fazer a chuva parar reclamando, e que banho de chuva é algo divertido mesmo pra adultos sérios e vacinados.

A parte trágica é que no cinema e na vida as Manic Pixie Dream Girls não duram. Na tela grande elas costumam morrer ou se casar com o protagonista, na vida real elas morrem com menos frequência, mas tendem a perder seu encanto. Minha MPDG mais recente virou namoradinha-padrão. Fico feliz por ela ter encontrado um cara legal, mas o encanto foi quebrado. Aquela moça maluquete que queria viajar pelo mundo hoje tuita feliz fazendo as compras do mês.

Acho que o que mais gosto das MPDGs é que elas não deixam saudades, deixam boas lembranças. São histórias com final feliz, pois soubemos o momento em que deveriam terminar. A todas que passaram por minha vida, deixo meu agradecimento. Vocês foram muito importantes, foram essenciais e nunca as esquecerei. Espero tê-las ajudado tanto quanto me ajudaram. Lembrarei de cada uma quando for ao cinema e escutar gente reclamando que aquele tipo de garota esquisita divertida bonita animada e pra cima não existe.

Essa crença é tão difundida que até Nathan Rabin, o criador do termo passou a tratar a Manic Pixie Dream Girl como uma invenção cinematográfica.

Uma pena, Nathan, que do alto de sua bem-sucedida carreira de crítico cinematográfico você nunca tenha tido a sorte de encontrar uma Manic Pixie Dream Girl na vida real. Elas existem, eu garanto e recomendo a todo mundo que se tiver a chance de ter uma MPDG em sua vida, aproveite. Não acredite nos cínicos profissionais. Eles detestam finais felizes, mesmo que temporários.

 



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