Uma das cenas que mais me impactou em Band of Brothers não foi a do campo de concentração. Era algo esperado, a gente já está ciente das atrocidades, não havia nada de novo ali para quem conhece um pouquinho de História. O que pegou fundo foi outro momento, que eu poderia perfeitamente ter deduzido mas que sumiu no Grande Esquema das Coisas: O efeito da guerra nas crianças.
Durante a Operação Market-Garden, que seria o Dia C, quando os aliados invadiriam os Países Baixos e dariam início ao grande contra-ataque o pessoal da Easy Company está patrulhando algumas fazendas, quando descobrem uma família abrigada no porão. Vendo que são aliados, todos ficam tranquilos. O pai puxa conversa, mas o garoto, de uns 8 ou 7 anos está tímido, intimidado pelos soldados. É compreensível, ele passou a maior parte da vida com medo de nazistas uniformizados.
Tentando ser simpático um dos soldados dá um pacote para o garoto, que pega e olha sem entender muito. O pai abre, devolve ao filho e os olhinhos dele brilham. O pai explica: “Ele nunca comeu chocolate”.
A guerra é especialmente cruel com crianças, para adultos é algo passageiro, para muitas delas é toda a realidade que conhecem, e essa realidade foi bem cruel com as crianças de Wiltz, Luxemburgo, que passou cinco longos anos sob domínio nazista, só tendo sido libertada pelos Aliados em Dezembro de 1944.
Com 6200 habitantes e menos de 20Km quadrados, Wiltz não era exatamente um ponto estratégico, mas os nazistas não ligavam pra isso e barbarizaram a cidade de contos de fadas até serem expulsos, mas nesse meio-tempo a vida foi dura pra todo mundo. Tão dura que os soldados do 112o Regimento de Sinaleiros ficaram chocados com o estado de desânimo, mesmo com o Natal chegando.
Os nazistas estavam fugindo, então era possível relaxar, e num momento desses o cabo Harry Stutz teve uma idéia: Iriam proporcionar às crianças de Wiltz algo que elas nunca tiveram: Um Natal.
Conspirando com vários outros soldados e com as autoridades locais, eles pegaram emprestado as roupas do bispo da cidade, e confeccionaram uma barba com cordas desfiadas. Um cabo chamado Richard Brookins foi voluntariado a se vestir de São Nicolau, a versão européia do Papai-Noel, e no dia 6 de Dezembro, dia do santo, desfilaram pela cidade reunindo as crianças.
A cozinha do Regimento preparou doces e bolos, que eram distribuídos pelo São Nicolau junto com as rações de chocolate doadas pelos soldados, incluindo tudo que conseguiram pegar dos pacotes de presentes que vinham dos EUA.
No final fizeram uma festa de Natal no Castelo Wiltz:
Foi o primeiro Natal daquelas crianças, infelizmente para muitas foi o último. 10 dias depois os alemães iniciaram um contra-ataque desesperado que se tornaria a Batalha de Ardenas, uma das maiores de toda a Segunda Guerra Mundial. Wiltz estava no caminho e foi arrasada.
Com o tempo as feridas cicatrizaram, os mortos foram enterrados e venerados e para os soldados que tiveram alguns momentos de paz levando alegrias às crianças da cidade, o momento era insignificante e ninguém lembraria disso. Só que Wiltz não esqueceu.
Todo ano a cidade faz uma parada onde habitantes locais de vestem de soldados americanos, de São Nicolau e distribuem doces e presentes, honrando os soldados que tanto fizeram pela cidade. Era uma pequena tradição local, celebrando uma nota de rodapé da Guerra, mas em 1977 conseguiram entrar em contato com Richard Brookins, e fizeram o convite: Uma última missão, ir a Wiltz e mais uma vez, fazer o papel de São Nicolau, como havia feito em 1944.
Ele foi, surpreso de alguém lembrar de algo tão pequeno, mas ouviu do bispo local que mesmo que Luxemburgo dure 1000 anos a história dos soldados que trouxeram alegria para as crianças e deram seu sangue pela liberdade não será esquecida.
A tradução continua até hoje.
Richard continuou visitando Wiltz por vários anos, reencontrando várias das crianças de 70 anos atrás. Ninguém em Rochester, NY sabia de suas aventuras, mas as crianças de Wiltz faziam questão de o conhecer, afinal não é todo dia que você pode afirmar com convicção que Papai Noel existe.
E agora, meu presente de Natal pra você: Richard Brookins não vai mais a Wiltz mas ele está vivo e bem, inclusive dia 9 de Dezembro agora ele contou sua história
, em NY.