A Dança dos Vampiros é uma comédia incrível, o Bebê de Rosemary é uma obra-prima. Sou absolutamente contra jogar lama na criação, por causa do criador. O que não quer dizer que Roman Polanski não seja um ser abjeto. Em 1977 ele abusou de uma menina de 13 anos, Samantha Geimer, filha de uma amiga. Com a desculpa de fazer fotos para a Vogue, ele a levou para a casa do Jack Nicholson, encheu a guria de sedativos e álcool e, bem… não vou repetir a descrição mal-traduzida da wikipedia.
Polanski foi preso, fugiu dos EUA e hoje se botar os pés no país é cadeia na hora. O que é curioso é ver todos os liberais de Hollywood, tão revoltados com Harvey Weinstein aplaudindo efusivamente Polanski em 2003, mas é feio apontar a hipocrisia alheia…
Eu não teria problema de incluir os filmes antigos dele em qualquer antologia, mas referenciar o sujeito, continuar a trabalhar com ele, premiar? Isso não faz sentido. Isso é uma cumplicidade idiota. Quem em são consciência se associaria com um estuprador?
Bem, talvez um blog de lacração.
O caso é bonito e edificante, o sujeito, mesmo condenado quer melhorar, quer se recuperar. Reconheceu seus erros, pagou por eles e agora se esforçou e vai estudar cinema, a mais bela das artes, snif… o sistema funciona, não aquela coisa grotesca de bandido bom é bandido morto.
Eu entendo o blog ter transformado o sujeito em seu campeão, só há um problema. Na matéria dizem que a Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe) não informou o crime cometido, pois o caso “corre em segredo de justiça”. Bzzzzt tem algo errado. O sujeito é detento condenado, não tem mais caso, preso sem que alguém informe o motivo é algo que acontece em ditaduras, será que era golpe mesmo?
Como era favorável à Narrativa, o Quebrando o Tabu não foi atrás, mas o Globo foi e a verdade inconveniente apareceu:
“Ao longo do fim de semana, a informação de que ele tinha sido condenado por pedofilia também passou a circular intensamente. O preso abusou de dois meninos, de dez e oito anos, e de uma menina, de nove anos, quando era chefe de um grupo de escoteiros. (…) o criminoso confessou que usava a sua função no grupo de escoteiros para produzir seu próprio filme pornográfico com crianças.”
Isso mesmo. As mulas do Quebrando o Tabu exaltaram a “ressocialização” de um sujeito que fazia filmes pornográficos com crianças e agora quer ser profissionalizar como cineasta! Eu estou quase engasgando de tanto rir da ironia, mas o caso deles é um exemplo didático de como o pragmatismo deve anteceder a militância, sob risco de virar lacração e ser zoado até por blogs de 5a categoria.
O que nos leva a esta moça aqui:
Essa é Rosa Parks, ela ficou famosa ao ser presa em 1/12/1955. Ela cometeu o terrível crime de se recusar a ir para o fundo do ônibus para dar lugar a uma passageira branca. Detalhe, Rosa já estava na área reservada para negros, mas os assentos para brancos estavam todos ocupados.
A segregação racial nos EUA soa alienígena para a gente, mas aconteceu muito pouco tempo atrás, era algo que fazia parte da vida. Mesmo em lojas não-segregadas negros não podiam usar as cabines para experimentar roupas. Era comum você fazer uma silhueta do pé em um pedaço de papel e levar para medir o sapato. Negros eram cidadãos de segunda classe, em um sistema de castas pior que o indiano.
Rosa Parks enfrentou o motorista, enfrentou a polícia e buscou seus direitos ainda inexistentes, ela foi a fagulha que deu início ao movimento pelos Direitos Civis nos EUA, contando com a ajuda de um pastor da cidade, um tal de Martin Luther King, Jr.
A imagem da moça com cara de professorinha tocando piano na delegacia correu o país.
O que muita gente não sabe é que Rosa Parks não estava ali por acaso.
Ela não foi a primeira pessoa a arrumar problema por se recusar a ceder lugar a um branco no ônibus. Há casos até de 1942, mas o mais proeminente é o de Claudette Colvin. Ela foi presa pelo mesmo motivo, entrou na Justiça e ganhou, ao contrário de Rosa Parks. Ela conseguiu que um Juiz decretasse o fim da segregação racial nos ônibus em Montgomery, Alabama.
Claudette foi presa 6 meses antes de Rosa Parks, mas as organizações militantes como a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) não deram bola. Quer dizer, eles avaliaram o caso em detalhes, pois estavam procurando um exemplo para promover. O caso de Claudette não se mostrou interessante para a causa, e ela levou bola preta (pode falar bola preta?). Na comissão que a rejeitou estava, entre outros, Martin Luther King Jr.
O motivo?
Colocando em termos sutis, Claudette Colvin não é fotogênica. Ela também era menor de idade e segundo as más línguas tinha um caso com um homem casado, tanto que aos 16 anos, um ano depois do incidente, teve um filho. O bebê ser mulato-claro não ajudou em nada, e não seria bom para o Movimento que sua garota-propaganda fosse uma mãe solteira de 15 anos que teve caso com um branco. Isso é tão idiota quanto escolher um pedófilo como exemplo de reabilitação do sistema penal.
No final Rosa Parks se mostrou o exemplo ideal, inspirou milhões de pessoas e é uma das responsáveis por uma mudança social que em 50 anos colocou um negro como Presidente dos Estados Unidos. Muita gente concorda com o comitê que barrou Claudette e basicamente ocultou seu caso do grande público, ela não geraria a mesma simpatia e o resultado seria diferente.
É justo? É correto? É maquiavélico? Sinceramente, eu prefiro resultados, agir de forma passional é divertido pra indivíduos, mas se você está pensando em grande escala, não pode se dar ao luxo de agir por pura emoção, buscando validação irracional para sua causa.
Do contrário você vai acabar elogiando um canibal que resolveu fazer curso de chef, ou algo assim.