Um estereótipo brilhantemente subvertido no filme do South Park é que negros no exército eram buchas de canhão, mandados na frente pra morrer no lugar dos brancos. Na realidade as forças armadas dos EUA na Segunda Guerra eram segregadas, então na maior parte do conflito você não via unidades brancas e negras lutando juntas.
Mais ainda: O pensamento racista oficial definia o negro como inferior, não como diferente. Se o problema fosse a diferença, beleza, é só acionar a operação Fiquem Atrás dos Escurinhos, mas havia uma crença honesta de que negros não eram inteligentes o bastante para lutar, e por isso ficavam relegados a funções administrativas, como oficiais de almoxarifado, logística e cozinheiros. Em algumas forças como a Marinha isso se manteve até o fim da guerra. Já no exército a necessidade fez com que negros fossem colocados em posições de combate. Isso foi até matéria da revista Life em sua edição de 15/6/1942:
As unidades negras, mesmo segregadas foram forte influência para as lutas pelos Direitos Civis nos anos 50 e 60, e criaram além dos militantes, que não aceitavam mais serem vistos como inferiores, como criaram aliados, como disse o coronel, branco, comandante do Campo Claiborne em Los Angeles, onde havia várias unidades de negros em treinamento (treinamento para serem soldados, não treinamento para serem negros) :
“Eu mesmo sou um sulista plantador de algodão, e eu não chamo esses garotos de crioulos. Eu os chamo de soldados americanos, e soldados danados de bons!”
A chance de se descobrir se eram bons mesmos aconteceu em 9 de Novembro de 1944, quando a Companha B do 761o Batalhão de Tanques se aproximou de Morville-lès-Vic, na França. Era parte da campanha da Ardenas, o resgate da Easy Company e do resto da 101a Aerotransportada que estavam segurando os alemães na base do desespero, sem comida, remédios ou munição.
Os jovens negros do 761o estavam bem armados, bem motivados mas eram inexperientes. Esperando por eles, duas divisões Panzer da SS repletas de veteranos, e pra piorar eles ainda eram (diziam) da raça superior.
Aparentemente eram mesmo, assim que os tanques despontaram foram recebidos com uma chuva de tiros de bazuca e metralhadora. Com seu tanque atingido e em chamas, o Sargento Roy King tentou sair do veículo, mas foi atingido mortalmente. Seus dois tripulantes também foram alvejados mas mesmo feridos conseguiram escapar.
Em outro tanque danificado o soldado John McNeil se escondeu debaixo do veículo e afastou com tiros de Thompson os alemães que tentavam se aproximar. Isso deu tempo para que o técnico James T. Whitby pulasse de volta para dentro do tanque, ainda em chamas, municiasse a metralhadora .30 e começasse a atirar nos alemães. Os dois mantiveram a posição por mais de três horas. Outras unidades avançaram, e ao final do dia a vila estava tomada. A um custo altíssimo, um oficial e nove soldados mortos, as primeiras baixas dos Panteras Negras, o nome do 761o batalhão.
Um dos prisioneiros alemães foi categórico ao descrever seu contato com o inimigo:
“Tanta bravura. Eu só vi isso uma vez, e foi na Frente Russa.”
A unidade, que era usada como substitutos quando não havia mais tropas regulares pra enviar, estava exultante. O Capitão John D Long, o segundo negro a se tornar Tenente no Exército dos EUA foi direito ao ponto:
“Nós ganhamos alguns roxos mas tomamos a porra da cidade. Depois de Morville-Lès-Vic não havia uma unidade branca que não ficasse danada de alegre de ver a gente. Nós éramos uns filhos da mãe combatentes, e nossa reputação nos precedia.”
O Capitão Long era carinhosamente chamado, pelos 6 oficiais brancos da unidade “Black Patton”, por sua capacidade de liderança e inspiração, mas o verdadeiro Patton tinha o principal mérito. Ele teria requisitado, 3 dias após o Dia D o envio de uma unidade de tanques “a melhor disponível”. O Departamento de Guerra disse que só tinham negros disponíveis. Patton teria respondido “Eu perguntei a cor deles? Eu quero tanqueiros!”
Eles acabaram se tornando a unidade mais eficiente do exército de Patton, que apesar de suas dúvidas pessoais, confiou nos rapazes, e seu discurso quando os recebeu, alguns dias antes de entrarem em combate foi profético:
“Homens, vocês são os primeiros tanqueiros negros a combater no Exército Americano. Eu nunca teria pedido por vocês se vocês não fossem bons, e eu não tenho nada além do melhor no meu Exército. Eu não me importo com que cor vocês tenham desde que estejam lá matando aqueles chucrutes filhos da puta. Todo mundo tem os olhos em vocês e esperam grandes feitos de vocês. A maioria da sua raça espera o seu sucesso. Não os decepcionem e diabos, não me decepcionem! Dizem que é patriótico morrer pelo seu país. OK, vamos ver quando patriotas nós conseguimos criar, daqueles alemães filhos da puta!”
Algumas vezes havia uma vantagem estratégia nos soldados do 761. Os alemães estavam usando uma tática onde tomavam postos de controle nas estradas, disfarçavam seus homens com uniformes americanos e emboscavam os inimigos que se aproximavam. A estratégia de Patton foi trocar as sentinelas por soldados negros do 761, com a ordem de atirarem em qualquer soldado americano branco que estivesse agindo de forma suspeita. Deu certo.
O 761 teve muitos heróis, o maior deles talvez seja o Sargento Ruben Rivers, esse sujeito aqui que parece o Morpheus antes da fase emo.
Uma barreira antitanque havia sido colocada no meio da estrada. O tanque do Sargento Rivers era o primeiro, então ele não pensou duas vezes: Sob fogo inimigo saltou do tanque, amarrou um cabo na barreira e liberou o caminho para os outros. Um gesto de bravura que chamou a atenção dos oficiais, mas não houve tempo para celebrá-lo. Alguns dias depois durante um ataque o tanque do Sargento Rivers atingiu uma mina, a explosão lançou estilhaços que rasgaram sua coxa do joelho ao quadril, até o osso.
Sendo atendido pelo médico, foi classificado como um ferimento de um milhão de dólares, sério o bastante pra garantir o retorno pra casa mas algo que ele poderia sobreviver.
O Sargento Rivers se recusou a aceitar a morfina e a ser evacuado. Quando o Capitão ordenou que ele obedecesse ao médico, a resposta foi “Esta é a única ordem que irei desobedecer, senhor”.
Sem opção os médicos enfaixaram a ferida e deixaram o sargento, que arrumou outro tanque e continuou lutando.
Dois dias depois a ferida estava bastante infeccionada, os médicos avisavam que ele havia desenvolvido gangrena e que poderia perder a perna. O Sargento Rivers não ligou, e mesmo claramente sofrendo muitas dores continuou em seu tanque, até que durante um ataque foram surpreendidos por uma imensa quantidade de inimigos. Os dez tanques da unidade receberam ordem de recuar. Rivers se recusou, ficou para trás detendo sozinho o inimigo, disparando sem parar o canhão M3 de 75mm de seu tanque Sherman, enquanto ignorava o barulho ensurdecedor e a dor na perna.
A sorte não durou para sempre, um tiro certeiro de um 88mm nazista abriu o tanque “como um ovo” e outro tiro de munição perfurante pôs fim ao Sargento Rivers.
Mais tarde ele foi condecorado com a Medalha de Honra do Congresso. Muito mais tarde, na verdade só em 1997, quando não era mais constrangedor dar medalhas a heróis negros que não fossem o Jesse Owens.
Ao final da guerra o 761 havia pisado em 6 países diferentes, libertado um campo de concentração e causado 130 mil baixas entre o inimigo. Na Áustria, perto do Rio Enns eles se encontraram com tropas russas, e fizeram parte da guarda de honra que aceitou a rendição das tropas alemães.
No total foram uma Medalha de Honra, uma Presidential Unit Citation, 11 Estrelas de Prata e 300 Corações Púrpuras, mas todo o reconhecimento do heróis do 761o Batalhão de Tanques só começou a acontecer bem tarde. A Citação Presidencial foi obra de Jimmy Carter, a Medalha de Honra, de Clinton. Mesmo assim o maior e mais importante efeito dos esforços desses soldados apareceu bem mais cedo.
Durante o treinamento, em 1941 o quartel era segregado. Negros tinham que andar quase 2Km até o portão da base, e só podiam viajar de pé no fundo dos ônibus, os motoristas armados prendiam quem não seguisse as regras. Em 1945 já nos EUA o Sargento Johnnie Stevens estava pegando um ônibus em Fort Benning, Georgia, para Nova Jersey onde morava. O motorista se recusou a deixar o sargento negro subir no ônibus e ainda o chamou de “garoto”.
Para azar do racista caipira, junto do sargento estava todo um grupo de soldados brancos da 26a Divisão de Infantaria, que conheciam o Sargento e principalmente a reputação dos Panteras Negras. O motorista tomou um esporro fenomenal e o sargento não só viajou no ônibus como ainda ganhou um lugar na frente.