O dia em que a Juzão me fez descobrir uma verdade que eu jurava que era mentira

O dia em que a Juzão me fez descobrir uma verdade que eu jurava que era mentira

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Muitas das coisas que todo mundo sabe são pura mentira. Todo mundo repete aquela bobagem de que os americanos gastaram milhões pra desenvolver uma caneta espacial enquanto os russos usaram um lápis, a caça às bruxas em Salem é vendida como um período negro da História dos EUA mas durou um ano e só executaram 19 pessoas, 5 delas homens. 

Napoleão não era baixinho, isso foi propagado por pura propaganda, os ingleses usaram medidas inglesas sem se preocupar em converter, o pé inglês era menor que o francês e de 1m70cm Napoleão passou a 1m60cm ou muito menos nas eternas caricaturas.

Ah sim, Colombo não estava tentando provar que a Terra era redonda, no Século XV as pessoas não eram retardadas e terraplanismo era uma idéia totalmente ultrapassada. E Vikings? Nunca usaram capacetes com chifres, isso surgiu em 1876 quando um sujeito criativoso chamado Carl Emil Doepler desenhou os figurinos pra primeira montagem d’O Anel dos Ninbelungos, de Richard Wagner.

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Ninguém está imune a esse tipo de percepção errada, algumas vezes a gente tem plena certeza do fato e descobre que não era bem assim, como no caso dos filmes de cinema mudo com vilões amarrando mocinhas no trilho do trem, que para minha surpresa, nunca existiram de verdade.

Hoje a surpresa foi oposta. 

Quando vi este twit da Juzão, pensei na hora “olha que coisa legal pra pesquisar e desmentir.”

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A tal bengala é conhecida em inglês como “Vaudeville Hook”, seria um gancho usado para retirar do palco artistas muito ruins que estivessem desagradando a platéia. É algo que se tornou uma expressão da língua inglesa, quando alguém “get the hook” significa que foi sumariamente dispensado de um emprego ou atribuição. 

O Gancho de Vaudeville é conhecido de todo mudo graças ao cinema e desenhos animados, sempre usado em situações de exagero, e aparece até no clássico Cantando na Chuva, de 1952.

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Racionalmente não faz sentido, é uma afronta à dignidade humana arrastar alguém do palco com um gancho, que artista se submeteria a isso? É muito mais simples fechar as cortinas ou entrar um assistente e remover a pessoa vaiada, certo?

Bem, o Vaudeville era meio peculiar.

Surgido na França no final do Século XVIII, o Vaudeville era um teatro de entretenimento sem considerações artísticas mais complexas; comédia feita para fazer rir, sem discurso moralista ou grandes mensagens sócio-políticas. 

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Em tempos onde boa parte da população era analfabeta, livros eram caros e não havia cinema nem rádio nem televisão, o teatro era a única opção de diversão para o afegão médio, e o sujeito passar o dia inteiro na mina de carvão botando as crianças pra trabalhar, e depois ir ao teatro pra levar lição de moral era forçar a amizade.

O Vaudeville fez bastante sucesso por causa disso, e quando foi importado para os EUA foi aperfeiçoado, criando o chamado Show de Variedades. Imagine o Programa Sílvio Santos: Um show onde artistas de 2o escalão batem ponto, com apresentações de música, mágica, animais, ventriloquismo, malabaristas, comediantes, todo mundo que não se sustenta em um programa próprio mas juntos fazem uma ou duas horas de diversão… variada.

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Acrescente a isso calouros, e você percebe que Chacrinha estava certo, na TV nada se perde nada se cria tudo se copia. Os programas de variedades são essencialmente os shows de Vaudeville nos EUA, entre 1880 e 1930.

Quando o cinema começou a se popularizar muitos artistas famosos no Vaudeville migraram para a tela grande, e os teatros começaram a dividir o palco com exibições de filmes. Logo ficou evidente que o público adorava a novidade do cinema, e era muito mais barato pagar a taxa do distribuidor do que os custos dos salários dos artistas. Os teatros foram aos poucos comprados pelas distribuidoras e transformados em cinemas e sem muito alarde, o estilo basicamente morreu.

Bem antes disso o tal Gancho de Vaudeville já era usado em apresentações, para deleite da platéia, uma paródia de si mesmo, como o pessoal da esquerda se autointitulando “Membro da URSAL”  depois que essa bobagem foi “denunciada”. Era basicamente o cinema fazendo graça com a trope dos vilões amarrando mocinhas nos trilhos, mas dessa vez a origem era real.

Em 1903 um dos teatros/cervejarias mais populares em New York era o Miner’s Bowery, fundado em 1879 e destruído em um incêndio em 1929. Seu fundador e proprietário, H.C. Miner tinha um problema. 

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Era uma noite de amadores, e um dos calouros era um tenor cuja performance foi classificada como “dolorosa”. Indiferente às vaias da platéia, ele continuava destruindo a música ocidental, e Miner ficou com medo do público se tornar (mais) violento.

Miner então teve uma idéia: Mandou que um assistente amarrasse uma bengala de uma apresentação anterior a uma vara, gancharam o tenor pelo pescoço e o arrastaram do palco, para delírio da platéia. 

O caso é contado por Tom Miner, filho de H.C. Miner e descrito no livro Show biz: from Vaude to Video, de Joe Laurie Jr e Abel Green. 

Dizem que na mesma noite outro amador foi muito mal, e alguém na platéia gritou “Pega o gancho!”  ao que foi prontamente atendido. Daí em diante o gancho passou a fazer parte das apresentações do Miner’s Bowery, e foi prontamente copiado por todo mundo.

Adaptado para um gancho de pastor, algo bem maior e visualmente mais eficiente em um teatro, o gancho se tornou o terror dos artistas novatos e até de alguns profissionais. 

O Vaudeville acabou mas o Gancho permanece em nossa memória cultural, foi referenciado até em Moana, quando Tamatoa, o caranguejo-gigante zoa a inabilidade de Maui em se transformar no animal correto, dizendo:

What a terrible performance, get the hook!“, fazendo o duplo sentido com o gancho do Vaudeville e a arma de Maui, que é um anzol, mas em inglês é tudo hook.

E ainda reforça a referência com um “get it?” 

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Já o gancho em si como removedor de calouros ruins foi devidamente adotado e adaptado por outro ramo do entretenimento, a televisão. Lá ele evoluiu para uma série de dispositivos, como o Gong Show ou no Brasil, a célebre e temida Buzina do Chacrinha.

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