A triste realidade dos Reality Shows

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A gente gosta de culpar a Endemol pela praga de Reality Shows que assolam a TV, mas a realidade (dsclp) é que esse formato é antigo, antecede a própria TV. Em 1947 Alan Funt já tinha o Candid Microphone, programa de rádio que iria se tornar o Candid Camera.

Acompanhar pessoas “normais” sempre foi do interesse dos espectadores, o que temos hoje é uma versão refinada desse formato, e sendo honesto alguns programas são realmente interessantes, como o Dirty Jobs, do Mike Rowe, onde acompanhamos o dia-a-dia de profissões nada glamourosas mas necessárias e -de novo- interessantes.

Outros são apenas ótimos, como o Rough Science, onde cientistas são colocados em locais exóticos e devem usar seus conhecimentos para resolver problemas e cumprir desafios.

Infelizmente eles são exceção, e a maioria dos Reality Shows sofre dos mesmos problemas: Falta de conteúdo real, drama artificial e mais do mesmo. Explico rapidamente:

Existe um reality de um sujeito que faz piscinas (na verdade há uns 2 ou 3). O episódio inteiro pode ser resumido em duas imagens: O terreno antes da obra e a piscina finalizada. Cabe aos produtores preencher 30 ou 40 minutos no meio disso.

Como uma hora cansa ver carrinho de mão cheio de terra, inventam um monte de personagens pitorescos pra compor a equipe, mas como também tem que ser vendidos como uma família feliz, todos só pregam peças infantis e inofensivas uns nos outros. O Reality que precisa funcionar temporada após temporada não pode ter conflito real.

Por isso o Rick reclama o tempo todo do Chumlee mas nunca fez o óbvio, que era demitir o retardado, que de retardado não tem nada, ele investiu em merchandising e autopromoção e é o que mais ganha grana com Trato Feito. Isso mesmo, o Chumlee só é bobão na TV.

Quando o Reality começa a repetir as mesmas histórias, os produtores estão com um problema. Algumas vezes o jeito é acabar com o programa, ninguém aguentava mais ver geladeira da Coca-Cola e bicicleta velha consertada nos Mestres da Restauração, mas quando dá pra diversificar os realities tendem a mudar o foco. Algumas vezes partem pro clássico episódio do “dia de folga” onde todo mundo inexplicavelmente resolve ir acampar ou algo assim.

Só que não é esse o meu problema com reality shows. Eu digo e repito: Eles são calcados no sofrimento e na miséria humanas, são o pior que podemos ser como espécie, e as pessoas não percebem isso. Vejamos alguns exemplos:

1 – Trato Feito

Aparece muita quinquilharia no programa, é verdade, e é boa parte encenado, também é verdade, mas sai caro demais montar uma equipe de filmagem em uma loja e ficar esperando algo acontecer, e os especialistas não ficam à disposição, muito menos as pessoas esperam horas pra um maluco aparecer e dizer em 30 segundos que o objeto não vale nada, mas não é esse o ponto.

Ocorrem vendas reais no programa e a loja é real, esse é o problema. Ninguém em sã consciência venderia um objeto de US$5000 por US$800, exceto se estiver desesperado, e pessoas desesperadas apelam pro eBay. Em Las Vegas existe um único motivo para a existência de lojas de penhores: Jogatina.

Viciados levam as jóias da família, heranças de parentes às vezes ainda vivos e tentam vender tudo para aproveitar a maré de sorte que -dessa vez- vai trazer a Fortuna.

Por isso há tantos corações púrpuras, anéis de Superbowl e objetos claramente pessoais. A loja do Rick Harrison sobrevive explorando a ganância de gente desesperada, a população fixa de 614 mil habitantes de Las Vegas jamais seria suficiente pra manter o negócio.

2 – Caçadores de Relíquias

Confesse, você sempre quis saber até onde iam as tatuagens da Danielle, mas fora ela, o programa não é aquela Coca-Cola toda.

As alegres aventuras de Mike Wolfe e Frank Fritz, percorrendo o interior dos Estados Unidos atrás de objetos históricos, antigos ou curiosos é uma iniciativa muito mais comercial. Pra começo de conversa, amigos amigos negócios à parte. Durante as primeiras temporadas o Frank era funcionário do Mike. Isso mesmo, ele trabalhava para a Antique Archeology.

Com o dinheiro da série Frank decidiu montar seu próprio negócio, e vende o que compra em seu site. Já a Antique Archeology? Bem, o Mike sequer menciona o Frank no site da empresa. Fora da TV eles levam vidas pessoais e profissionais totalmente separados, mas isso não é o pior.

O grosso das compras que eles fazem são de gente se desfazendo de coleções de parentes mortos, ou gente idosa encarando a própria mortalidade, percebendo que passou a vida com projetos e idéias que nunca conseguiu implementar, e agora antes que seja tarde tentam se desfazer de parte do que acumularam. Para muitos são só quinquilharias mas praquelas pessoas são a coleção da vida de um pai ou u’a mãe, sendo pechinchadas como bananas. Ao menos os preços do programa são irreais, eles pagam muito caro, pra valorizar a própria imagem e espantar outros compradores.

3 – Quem Dá Mais

Esse talvez seja o programa mais bagaceira da TV, até os participantes negros são white trash. Basicamente é um grupo de pessoas donas de brechós que abutreiam depósitos que outras pessoas alugam para guardar objetos pessoais.

Quando os donos atrasam o pagamento por mais de alguns meses o conteúdo dos depósitos passa legalmente para os donos do estabelecimento, que por sua vez leiloam a unidade inteira.

Aí vemos estátuas antigas, câmeras, ferramentas, bonecas de porcelana e todo tipo de objeto curioso. Sim, muitas vezes os produtores plantam algo nos depósitos para animar o programa, e o pessoal que participa ganha muito mais com a TV do que com o “trabalho”.

A Mary Padian por exemplo…

Ela fatura uns US$500 mil por temporada, muito mais do que a lojinha de coisa velha dela jamais faturaria. Ela se apresenta como “empresária e atriz”, por mais que seja contra senso o termo “ator de reality show”, mas não é esse -de novo- o problema.

As tais unidades são quase sempre abandonadas quando o dono morre, é muito comum ver unidades repletas de itens de idosos, como cadeiras de rodas, luminárias, almofadas, roupas. Vemos claramente que aquilo ali era a vida de alguém.

Bonecas de louça cuidadosamente embaladas, sapatos infantis, brinquedos antigos, coleções de discos, livros, coisas que alguém guardou por muito tempo e no final mesmo sem espaço em casa preferiu pagar pra manter aqueles objetos seguros, agora estão ali expostos pra todo mundo ver, pra desconhecidos desocupados no conforto de seu sofá jogarem na tela seu julgamento insensível.

Não estou propondo boicote nem fazendo julgamento moral de quem assiste esses programas. Eu assisto, apenas não me sinto bem em alguns momentos, o distanciamento da TV não funciona e eu percebo que estou vendo o que restou da vida de pessoas reais, de carne e osso que mereciam mais do que sobreviver apenas como entretenimento de desocupados.


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