Tifo era uma doença endêmica na Europa Medieval, e só começou a ser debelada quando foram descobertos métodos científicos avançados para evitar contágio, leia-se tomar banho. Causada por piolhos principalmente, a Febre Tifóide costuma ser fatal, causando inflamações cerebrais, convulsões e em muitos casos levando o paciente ao suicídio.
Mesmo hoje o Tifo mata 5 milhões de pessoas por ano, e costuma surgir em áreas de desastre naturais, como enchentes, inundações e similares. Combater a doença se tornou mais fácil com a invenção dos antibióticos, mas por muito tempo a única esperança era uma vacina, que surgiu graças a um polonês que estava no lugar errado, na hora errada. Como a Polônia.
Rudolf Weigl nasceu em 1883 na Morávia, no que hoje seria a República Checa, mas bem cedo seu pai morreu num acidente de bicicleta, o qual eu culpo o Marco Gomes, e a mãe casou de novo com um professor polonês e se mudou para Jaslo.
Com o ambiente intelectual de sua casa, Rudolf se interessou em seguir carreira científica, formando-se em biologia se especializando em zoologia e anatomia comparada, mas seus conhecimentos abrangiam outras áreas, e em 1914 ele foi convocado para servir na Primeira Guerra Mundial como parasitologista, quando se interessou e começou a pesquisar o Tifo.
Logo ele conseguiu isolar e confirmar a Rickettsia prowazekii, uma bactéria causadora do Tifo descoberta inicialmente pelo cientista brasileiro Henrique da Rocha Lima. A grande dificuldade é que as bactérias causadoras do Tifo são muito tímidas e vivem quase exclusivamente no sistema digestivo dos piolhos.
Weigl pesquisou métodos de inocular piolhos saudáveis com bactérias, e isso envolvia prender os piolhos sob um microscópio e com uma micropipeta injetar no fiofó deles uma solução com a bactéria.
Com os piolhos os cientistas podiam estudar a bactéria do Tifo de forma bem mais ágil do que com cobaias normais. Antibióticos eram experimentados, e logo Rudolf Weigl percebeu que tinha um produto em potencial: Uma vacina.
O processo consistia em dissecar os piolhos contaminados, recolher seus intestinos e usá-los para produzir uma solução com as bactérias mortas, que serviriam para ativar o sistema imunológico das pessoas vacinadas.
Na década de 30 um projeto-piloto foi instalado na China, com ajuda de uma missão católica belga, mas em 1939 um pequeno inconveniente atrapalhou a vida de Rudolf: Os soviéticos invadiram a Polônia.
Para surpresa de todo mundo, eles não se meteram nas pesquisas, e o Instituto até cresceu de tamanho, mas em 1941, outro atravancamento: Saem os soviéticos, entram os nazistas.
Rudolf foi convencido a criar uma estrutura para produção de vacinas contra Tifo em grande escala, pois as epidemias estavam começando a surgir entre as tropas nazistas. Ele ponderou por longos milissegundos entre produzir vacinas e manter seu pescoço intacto ou dizer não e ir para um campo de concentração.
Em uma excelente demonstração de como transformar limões nazistas em uma limonada ariana, Rudolf montou uma estrutura com mais de 1000 pessoas, a grande maioria dissidentes, intelectuais, gente da Resistência e até judeus, todos “produzindo vacinas”.
Na prática a maioria deles servia como alimento pros piolhos. Inicialmente Rudolf tentou usar porquinhos da Índia raspados mas o piolho de corpo, popularmente conhecido como chato assim como o seu cunhado se adaptou soberbamente para viver como parasita do ser humano, a melhor fonte de alimento era gente mesmo.
Os voluntários eram preferencialmente saudáveis, para diminuir as chances de pegarem Tifo. Caixinhas com grades finas eram presas nas pernas por algumas horas por dia, enquanto os piolhos se alimentavam.
Muita gente via Rudolf como colaboracionista, afinal ele estava produzindo vacinas para o inimigo, mas assim como o fiofó dos piolhos, o buraco era mais embaixo.
O Instituto de Rudolf era um refúgio para um monte de gente, cientistas, poetas, intelectuais podiam se reunir e trabalhar sem serem incomodados. Seus documentos dizendo que trabalhavam com Tifo faziam com que os nazistas mantivessem distância, pois Tifo era uma doença horrorosa causada por judeus (segundo a propaganda oficial).
Por baixo dos panos, a equipe de Rudolf produzia vacinas com qualidade inferior, que eram enviadas para as tropas alemães. Quando havia a suspeita de que o destino era a população civil, eles mandavam a coisa boa.
Os estoques eram todos manipulados, constantemente doses de vacinas “sumiam”. Elas mais tarde apareciam em lugares como o Gueto de Lviv e o de Varsóvia, muitas vezes distribuídas por Rudolf Weigl em pessoa. No total mais de 30 mil doses da preciosa vacina anti-tifo foram aplicadas na população judia dos guetos, e um número incontável de vidas foram salvas.
Enquanto isso Rudolf evitava se envolver com as autoridades inimigas, mas era tão bem-visto por elas que os alemães tentaram sem sucesso promovê-lo para chefiar um instituto de pesquisa em Berlim.
Ele acabou sendo visto como colaboracionista, e os soviéticos quando invadiram a Polônia (de novo) fecharam seu instituto por um tempo.
Com a reestruturação no final da Guerra ele ganhou um cargo como professor universitário, mas nunca foi feliz. Todo mundo tentava promovê-lo e o que Rudolf gostava mesmo era do trabalho experimental, umbigo na bancada. Ele acabou morrendo aos 73 anos, em 11 de Agosto de 1957.
A história de Rudolf Weigl não acabou com sua morte. Quando sua contribuição veio à tona, ele recebeu postumamente a maior honraria que Israel pode dar a um Goy: Ele ingressou na lista dos “Justos entre as Nações”.
Fontes:
- Rudolf Weigl (1883-1957)
- Rudolf Weigl – Wikipedia
- How Scientists Created A Typhus Vaccine In A ‘Fantastic Laboratory’ – NPR