A gordinha MILF que derreteu o coração dos nazistas

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Em uma antiga Isaac Asimov Magazine li um conto sobre uma caverna em Marte com um misterioso portal que havia eletrocutado cientistas que tentaram se comunicar com o mecanismo. As mensagens sonoras começavam simples mas ninguém conseguia acompanhar o aumento de complexidade, até que um astronauta, que era músico profissional, desvendou o segredo.

Com sua guitarra e seu Blues ele conseguiu improvisar os mais complexos acordes e arranjos, desafiando a própria inteligência artificial do portal.

A metáfora da música como linguagem Universal provavelmente não funcionará para entidades alienígenas, mas para nós ela é mais que verdadeira. Independente de raça, religião, cultura, etnia, humanos compartilham emoções básicas e a música independe da letra pra ser entendida.

Não há ninguém que depois de ouvir a Marselhesa não queria pegar em armas pra se render pela França. O Hino Soviético coloca qualquer vivente nos portões de Leningrado dizendo YOU SHALL NOT PASS! pra Wermarcht.

E o que dizer de músicas como o tema de Super-Homem, de John Williams? A simples menção aos primeiros acordes em Liga da Justiça fez o cinema estremecer.

Música nos afeta e nos inspira, nos diverte e nos emociona. Música nos conforta mesmo nos momentos mais cínicos, como no naufrágio do HMS Sheffield, atacado pelos argentinos na Guerra das Falklands. Enquanto esperavam o resgate os marinheiros ingleses ficaram em cima do casco virado do navio, cantando “Olhe sempre o lado bom da vida”, do Monty Python.

Desde tempos imemoriais soldados elevam seu moral com canções, dos mais valorosos hinos de batalha a músicas natalinas cantadas dos dois lados das trincheiras da Segunda Guerra, mas raras vezes uma canção foi tão influente quanto My Yddish Momme, de Sophie Tucker.

Hoje você provavelmente está se perguntando “quem?” mas em 1962 uma pesquisa nos EUA mostrou que 95% das pessoas associava “Tucker” ao nome “Sophie”, mas ela demorou muito pra chegar nesse nível de popularidade.

Sophie nasceu na Ucrânia em 1886, um ano depois sua família emigrou para os Estados Unidos, com medo da punição que o pai dela receberia por ter desertado do exército russo.

Ela se tornou a típica menina de uma família judia morando em Boston, com direito a toda a tradição cultural de seu povo, mas como no fundo ela era uma adolescente como qualquer outra, fez merda, se enrabichou com um motorista de caminhão, fugiu de casa e voltou embuchada. Casou mas logo depois mandou o sujeito passear.

Como sempre gostou de cantar, Sophie se mudou para Nova York, arrumando emprego cantando em bares, muitas vezes em troca de comida e gorjetas, até que em 1907 surgiu sua grande chance: Sophie iria para o Vaudeville, o teatro de variedades.

A voz dela era excelente, o repertório impecável, a presença de palco ótima, só havia um problema: Os produtores disseram que ela era muito feia e só poderia se apresentar de blackface.

Isso mesmo. Ela teve que se apresentar com maquiagem preta, em uma horrível caricatura de uma mulher negra, com lábios brancos de palhaço e trejeitos exagerados, a única forma aceitável de representação de artistas “negros” para platéias brancas no começo do Século XX nos EUA.

Ela não gostou, mas inicialmente topou. O que ninguém esperava é que Sophie fosse sabotar o ato, esquecendo luvas, deixando a peruca cair e depois de dois anos o kit de maquiagem “sumiu” e ela entrou no palco de cara limpa, dizendo:

“Vocês podem ver que eu sou uma garota branca. E mais: E não sou do Sul, eu sou uma garota judia que aprendeu a imitar sotaque sulista e a fazer blackface. De qualquer jeito, este é o meu show”

Desse dia em diante ela passou a se apresentar de cara limpa, transformando sua “deficiência” em humor, ela fazia piadas e cantava músicas sobre ser gordinha, e a platéia adorava, a ponto de criar ciumeira com as outras mulheres do show, e ela acabou demitida. yay sororidade!

Quando começaram a aparecer os primeiros microfones e amplificadores muitos cantores não se adaptaram, mas Sophie entendeu perfeitamente as nuances de cantar e ser gravada, com isso ela lançou um bom número de discos, o que só aumentou sua popularidade. Nos Anos 20 ela já estava excursionando pela Europa.

Ela acompanhou todas as tendências e modas da música, em parte por ser amiga e querida por um monte de músicos negros, que corriam para levar até ela as novidades do Blues e do Jazz. E era amizade mesmo, com provas disso mais de uma vez.

Quando a irmã de Sophie se casou, nos Anos 20, organizou uma grande festa em um salão de recepções bem chique em New York. Sophie levou como convidado um bailarino de seu show de vaudeville, Bill Robinson, que por acaso era negro.

O porteiro do salão foi taxativo:

“OK, todo mundo pode entrar mas o crioulo entra pela cozinha”

Sophie ficou PUTA! queria matar o porteiro, mas pensou melhor, fechou a porta na cara dele e deu a ordem pra multidão: “todo mundo entra pela cozinha!”

Além de comediante, cantora e safadinha, Sophie era uma excelente marketeira de si mesma, e seria uma influencer de peso (com trocadilho) hoje em dia. Ela costumava vender cópias de sua autobiografia nos shows, o que garantia aos compradores um tempinho conversando com ela.

Além disso ela mandava para as mesas fichas para pegar nome e endereço dos fãs, e sempre que voltava para uma cidade, postava uma mala-direta avisando do evento. Ela chegou a acumular 10 mil fichas no final da vida.

Em 1925 Sophie Tucker lançou seu maior sucesso, uma música completamente fora de seu estilo normal, uma canção melancólica e emocional, My Yddish Momme, Minha Mãe Idiche.

Explicando pros Goyim: Ídiche é um idioma de origem germânica que foi adotado pelos judeus da Diáspora. Com o tempo o Ídiche incorporou elementos do hebraico, como o alfabeto, e de várias outras línguas. Termos em Ídiche por sua vez acabaram sendo adotados por outros idiotas, nos EUA é comum não-judeus usarem o termo “schmuck”, que nada mais é que Idiota, em Ídiche.

A música, composta por Jack Yellen e Lew Pollack tocou fundo Sophie, que havia perdido a mãe recentemente. Cantada em Ídiche e em inglês, logo se tornou favorita das platéias, inclusive na Europa, mas o sucesso lá era menos homogêneo, Sophie enfrentou vários casos de anti-semitismo em shows, mas nada comparado com o ano de 1933, quando a música foi proibida na Alemanha Nazista.

Diz Sophie que ficou revoltada e escreveu uma senhora carta para Hitler, mas nunca obteve resposta.

A verdadeira resposta veio de forma bem diferente. A música era mais que conhecida entre os judeus europeus, mesmo que proibida, mas como a maioria dos soldados nazistas não era muito versado em canções em Ídiche, não sabiam qual proibir.

Por isso ninguém reclamou quando um prisioneiro em um campo de concentração começou a cantar My Yddish Momme, logo acompanhado de outros.

Separados por uma distância inimaginável, os guardas, que sequer consideravam seus prisioneiros seres humanos, se emocionaram com a canção, mesmo sem entender a letra eram capazes de identificar os sentimentos expressos.

Diz Chana Mlotek, pesquisadora de músicas Ídiche que mais de um sobrevivente do Holocausto confirmou a história, e que o chefe dos guardas ordenou que aumentassem a ração de comida para os prisioneiros, depois de ouvir a canção.

Outro relato guardado por Sophie chegou a ela em 1952, uma carta de um veterano chamado Robert Knowles. Ele contou de um soldado em seu grupo, um jovem judeu chamado Al, que adorava música e falava sem parar dos cantores e cantoras judeus na América.

Al não sobreviveu ao final da guerra, mas entrando em Berlim o grupo de Robert resolveu homenagear o amigo; um dos soldados era meio McGyver e conseguiu ligar um fonógrafo e um alto-falante ao sistema elétrico do caminhão.

Por três horas eles percorreram a cidade, tocando no volume máximo a música que Hitler havia proibido.

Sophie Tucker só teve um filho, do primeiro casamento. No total foram três ex-maridos. Ela culpa seu fracasso na vida amorosa ao fato de ser rica e independente, mas nunca se arrependeu, mesmo ironicamente se vendendo como “Red Hot Mama” só tendo um filho.

Sophie começou antes de quase todo mundo, em 1910 ela gravou canções em cilindros de cera para a companhia de Thomas Edison, em 1965 ela aparecia em uma das primeiras transmissões coloridas de TV, no programa do Ed Sullivan. Um ano depois, meio a contragosto Sophie Tucker morria aos 80 anos. Sua música, vive até hoje em inúmeros covers e nos descendentes dos prisioneiros que sobreviveram apenas porque My Yddish Momme conseguiu algo quase inédito: Tocar o coração de um nazista.



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