O triste dia em que a Rosana Hermann descobriu que não somos Elois

O triste dia em que a Rosana Hermann descobriu que não somos Elois

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Idiocracia é um delicioso filme distópico onde a Humanidade vai ficando mais e mais burra, e o sujeito mais inteligente do mundo é um cara totalmente mediano que depois de hibernar 500 anos aparece para salvar a Humanidade.

A abertura do filme é um primor, e coloca um monte de nerds acenando a cabeça em concordância:

Infelizmente a premissa está toda errada, mas eles acertam na mosca sem-querer: Inteligência não é vantagem evolucionária. Qualquer um que tem gatos sabe que o marketing deles é excelente mas são todos meio retardados. Uma orca não precisa resolver equações diferenciais, basta ser grande e implacável e se torna igual aquela sua colega militante de cabelo colorido no suvaco: incomível.

Por isso me espantei quando a Rosana se espantou com isto aqui:

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A idéia de 7% dos brasileiros sendo terraplanilsons (tm Lito) soa assustadora, mas parte de um princípio errado, assume que o povão deveria saber mais, que teriam estudado essas e outras coisas na escola.

Bem, estudo não quer dizer muita coisa. O orçamento federal pra Educação nos EUA em 2016 foi de US$68 bilhões, e 1 em 4 americanos acha que o Sol gira em torno da Terra. E não, isso não é um daqueles textos “huehue americano é burro”, é um daqueles textos “huehue humanos em geral não olham muito além do umbigo”.

Por séculos o cidadão médio viu impérios nascerem e ruírem, do mesmo jeito que o sujeito no interior do Amazonas não faz idéia de quem é o Presidente da República, o morador da Mesopotâmia tinha uma noção muito leve de quem era o Imperador da vez.

Até a Idade Média a maioria das pessoas não viajava a mais de 10Km da casa onde havia nascido. Enquanto Galileu, DaVinci, Newton descobriam o Universo, enquanto Colombo e Marco Polo exploravam as fronteiras do planeta, a vida do cidadão médio continuava a mesma. Não importa pro sujeito que passa 18h por dia plantando lama se Júpiter tem luas ou a Lua tem crateras.

E quer saber? O cidadão médio 5:30AM no Caxias-Central se equilibrando pra marmita não vazar tem maiores preocupações do que saber se o aquecimento global é real ou não (spoiler: é). Ele não conhece as teorias de Maxwell, os experimentos de Marconi e Internet pra ele é aquele cabo que vem do poste.

O cidadão de elite na primeira classe da Emirates muito provavelmente tem uma noção muito superficial de como o motor (turbina é só uma parte) do A380 funciona. Algo próximo de 0% dos usuários de GPS sabem qual a altitude da órbita dos satélites (+- 20 mil Km) e um número mais próximo de zero ainda (eu incluso) é capaz de descrever as equações de mecânica orbital que regulam seu movimento.

Não é que o povo HOJE esteja burro, sequer é culpa do Bolsonaro ou do Trump. Todos somos burros pra boa parte do conhecimento acumulado da Humanidade, mas na média quem faz parte do 1% do 1% que é alfabetizado e tem o hábito de ler blogs está acostumado com muito mais informação, e tem a noção errada de que essa é a regra.

Não é. Informação é coisa de CDF. Informação é “cultura inútil”, conhecimento científico não serve pra nada, somente seus resultados práticos são atraentes, e aí ocorre um fenômeno interessante: O cidadão médio não respeita nem aspira uma carreira em ciência, mas ele respeita a Ciência.

O movimento antivaxxer, de retardados que fazem campanhas contra vacinas é essencialmente formado por gente rica e branca, nas classes mais pobres vacinas ainda são vistas (corretamente) como salvadoras de vidas.

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Nós vivemos em uma sociedade cheia de maravilhas tecnológicas, mas para usá-las não precisamos compreendê-las. Uma vez eu conheci uma Analista de Suporte da Petrobrás que viu um PC aberto, apontou para os chips e perguntou “o que são esses quadradinhos pretinhos?”. Vivemos uma geração acostumadas com caixas-pretas, as coisas simplesmente funcionam e isso mata o encanto.

O jovem médio não se interessa sobre o porquê das coisas, o mantra do Auto da Compadecida descreve perfeitamente. “Não sei, só sei que é assim”. E nada demonstra mais isso do que uma pesquisa que mostrou o total desinteresse dos jovens anglo-americanos.

Tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido uma pesquisa envolvendo 3000 crianças listou a ocupação preferida que queriam exercer quando crescessem como sendo… YouTubber.

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Nos dois países astronauta veio em quinto lugar, ao contrário da China, onde aparece em primeiro, mas isso não quer dizer que os chineses são mais inteligentes ou ambiciosos. Astronautas ainda são novidade por lá, a China vem progredindo muito rápido, em uma geração deixou de ser uma sociedade essencialmente agrária semi-feudal e passou a ter progresso pra todos os lados.

Ciência e Tecnologia são motivo de orgulho nacional, e uma saída para a pobreza, o jovem nascido numa fazenda nos cafundós de PingPongPung pode sonhar com uma vida melhor.

Nos EUA o jovem já tem uma vida confortável mais ou menos preparada pra ele, em uma sociedade que tem recursos para viabilizar carreiras como atletas profissionais e artistas, que contam com muito mais popularidade.

Quer mais estatísticas?

Nos Estados Unidos 6% da população acreditam em unicórnios. 36% acreditam em UFOs. 24% acreditam que dinossauros e humanos foram contemporâneos. 30% acreditam que Cloud Computing envolve nuvens de verdade, e 18% acreditam que Barack Obama é muçulmano(fonte).

Para evitar uma overdose de arrogância agimos como se as coisas que a gente sabe e “todo mundo sabe” fossem corriqueiras para a maioria da população, mas não são. A visão de mundo da maioria das pessoas é bem limitada, Entre os 93% que “sabem” que a Terra é redonda, a imensa maioria só sabe porque alguém com autoridade disse isso a eles.

Quando a Rosana fica indignada com os 7% que têm a resposta errada ela esquece que a maioria com a resposta certa não são muito diferentes. Quase nenhum deles conhece Eratóstenes, assistiu Cosmos, ou observou navios no horizonte, se alguma figura de autoridade disser que a Terra é uma rosquinha, eles acreditam.

A triste realidade é que o mundo é tocado por uma minúscula elite pensante e um monte de NPCs, mas antes que você corra pra denunciar minha arrogância no Tribunal da Internet, pense bem se eu ou você estamos tocando alguma coisa também. Pois é, somos NPCs com diálogo um pouco mais elaborado.

Educação Científica, Divulgação Científica é muito mais do que mostrar o que você acha que é correto, se você quer um monte de gente repetindo seus mantras de ecologia, diversidade e lacração em geral, sem que as pessoas entendam o que estão falando, você não é diferente do outro lado.

No seu clássico A Máquina do Tempo H.G. Wells mostra um futuro distante onde a Humanidade se dividiu em duas raças, os belos e evoluídos Elois e os monstruosos Morlocks, e os Morlocks estavam ganhando a guerra. Gostamos de achar que somos Elois, mas a triste realidade é que o mundo é dos Morlocks, sempre foi, e é OK ser um Morlock. Você não precisa saber como o mundo funciona para fazer parte dele.

A única diferença é que é muito mais divertido quando a gente olha dentro do capô.

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