Antes de mais nada, que fique claro que sou da turma do Robert Langdon, não levo a sério arte pós-renascentista, e acredito que arte moderna (tudo que vem depois de Michelangelo) é picaretagem, principalmente dadaísmos, modernismos e gente que vende latinha de merda como arte, e o Duchamp, estou olhando para você, Duchamp.
Um desses modernistas eram Amedeo Modigliani, nascido em 1884 e morrido 35 anos depois, consequência de uma mistura de tuberculose, meningite, álcool e haxixe. Entre os modernistas ele não era dos piores, tinha um estilo próprio interessante e adorava pintar mulheres pescoçudas, ou tinha um problema com aspect ratio, sei lá.
Modigliani também se aventurava na escultura, era a modalidade que ele mais gostava, mesmo só tendo criado 26 peças, culpa da Grande Guerra, que tornou difícil conseguir material.
Sua pintura Nu couché, de 1919 foi vendida em 2015 por US$170 milhões.
Um valor considerável, mas se você comparar que esta merda do Basquiat foi vendida por US$110 milhões…
OK, voltando. Em 1984 o Museo Progressivo di Arte Moderna di Livorno decidiu celebrar o centenário do artista com uma exposição de suas esculturas.
O problema é que era uma mostra meio mequetrefe, eles só tinham quatro peças, mas a curadora da exposição, Vera Durbé, teve uma idéia:
Reza a lenda que quando Modigliani era jovem e impressionável mostrou algumas esculturas para um grupo de amigos, que foram honestos: “tá uma merda”. Puto, Modigliani mandou todo mundo se foder, e jogou as cabeças esculpidas no Fosso Mediceo, em um canal em Livorno.
Vera acreditava piamente nessa história, e com o Centenário, conseguiu verba para finalmente dragar o canal, com direito a preocupações como cobrir com borracha as garras da draga, para não danificar as esculturas. A operação atraiu a atenção da imprensa e da população, que acompanhou atenta por vários dias, começando em 17 de Julho de 1984.
Foram descobertas peças de banheiro, bicicletas e várias armas, até que em 24 de Julho, sucesso! Acharam uma cabeça de Modigliani.
Algumas horas depois, acharam uma segunda, e o trio se completou 9 de agosto, com a descoberta de uma terceira cabeça. Vera Durbé chorou de emoção quando viu as peças juntas e limpas.
Especialistas apareceram para avaliar as peças, entre eles Cesare Brandi, diretor do Istituto Centrale per il Restauro, de Roma, um dos maiores conhecedores do mundo na área de conservação e restauro de peças históricas. Ele classificou a descoberta como importantíssima, e não tinha dúvida que eram autênticos Modiglianis.
Jean Leymarie, Diretor da Academia Francesa de Roma chamou o achado de uma “ressureição”, e foi mesmo. A cidade inteira ficou em festa, o museu imprimiu um catálogo especial para as cabeças, e ninguém prestava atenção a Carlo Pepi, um colecionador e especialista em Modigliani que alertou que as peças eram obviamente falsas. As peças foram seguradas em US$1,5 milhão, e a exposição um sucesso.
Seis semanas depois uma revista chamada Panorama entregou a história: Uma das cabeças era falsa mesmo, havia sido criada por três estudantes desocupados, Pietro Luridiana, Pierfrancesco Ferrucci eMichele Guarducci, que resolveram que seria divertido dar ao pessoal do Museu algo para encontrar.
Os três esculpiram a tal cabeça em duas tardes, usando um formão, uma chave de fenda e uma furadeira Black & Decker. A “inspiração” foi um catálogo do próprio museu, eles copiaram o estilo das peças exibidas.
Eles em nenhum momento acharam que alguém levaria a sério, mas se espantaram quando a coisa saiu de proporção.
Vera por sua vez ficou muito, muito puta, disse que era tudo mentira, que os três eram fantoches, que a máfia estava por trás, que alguém queria destruir a credibilidade do museu, bla bla bla.
Diante do questionamento, os três foram convidados para um programa de televisão, aonde recriaram a escultura ao vivo, durante três horas.
Para piorar a situação, até a Black & Decker entrou na zoeira, publicando um anúncio com o título “É fácil ser bom com Black & Decker”
Restava o problema das outras duas cabeças, mas o autor também logo apareceu: Angelo Froglia, um ex-estudante de arte e estivador, que resolveu fazer merda sem ser apanhado, e quando um artista quer fazer isso, chama de performance.
Angelo filmou o processo de criação das cabeças, guardou lascas de pedra pra mostrar que se encaixavam, documentou tudo e mandou até a receita de envelhecimento da pedra, com banhos de ácido.
O material foi transformado por ele em um filme, “Peitho e apate…della persuasione e dell’inganno (cherchez Modi)”, inscrito no Festival de Cinema de Turin em 1984 e… foi premiado.
O caso virou assunto internacional, Vera chorou de novo, bateu pé que as obras eram verdadeiras a ponto de ser processada, a crítica e os especialistas internacionais fizeram a egípcia e ficaram mais calados do que sociólogo quando morador de favela é baleado por traficantes e não pela polícia, mas o Museu teve uma idéia:
Manteve a exposição, agora chamando as pessoas para ver de perto as polêmicas cabeças falsas de Modigliani.
No final foram 10 semanas de exibição, 40 mil visitantes e mesmo depois de cobrir o custo operacional da exibição e a obra de dragagem do canal, o Museu saiu com um lucro de quase US$87.000,00 em valores atuais.
Fontes:
- La beffa del 1984
- Three Students and a Dockworker Put Their Heads Together and Confound the Art World
Agradecimentos:
A história chegou até a mim graças à Alessandra, que entende e consegue tudo do Itália, de receita de lasanha a nudes do Papa. Quando não está dando aulas ela ajuda a tocar o Projeto Salvacão, que ajuda um monte de cães e gatos. Se você puder dar uma força, os dados estão aí abaixo.
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