Quando o Super-Homem e um Jornalista venceram a Ku Klux Klan

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Hoje as interwebs ferveram com a história de João Paulo Saconi, jornalista da Época que se fingiu de cliente de Heloísa Bolsonaro, nora do Ornitomito e coach. Depois de um mês o cara não conseguiu desencavar uma declaração polêmica, mesmo se passando por gay ele não registrou uma fala homofóbica sequer de Heloísa, foi um fracasso que resultou em uma matéria fraquíssima que nem deveria ter sido publicada.

Claro, os ornitominions ficaram indignados pois o jornalista “mentiu” ao não se identificar, e está divertido ver a instituição do Jornalismo ser demolida em suas bases por gente que não tem a menor idéia de como ela funciona, como este senhor aqui, que se apresenta como… jornalista.

Isso mesmo. O suposto jornalista jogou por terra mais de 100 anos de jornalismo investigativo, ele acha mesmo que quando um jornalista vai cobrar camelô que vende coxinha questionável ele se apresenta “oi eu sou jornalista, estou investigando a qualidade das suas coxinhas, me vê uma”.

NON ECZISTE ISSO. É absolutamente dentro dos parâmetros do jornalismo sério o jornalista ocultar sua profissão e identidade, assim como é totalmente válido mentir -isso mesmo, mentir- para apurar a matéria. Ou você acha que os jornalistas que investigam corrupção em fiscalização da prefeitura chegam de crachá? Você acha que o editor na redação pergunta:

“gente tem algum jornalista aqui que esteja precisando tirar um alvará?”

Claro que não, porra, eles simulam a necessidade do documento, para -o horror- dar ao corrupto a oportunidade de pedir o suborno, mas se o corrupto for do partido que o Gado defende, vira tudo uma armadilha, claro.

A História do Jornalismo está cheia de exemplos de grandes profissionais, como Hunter Thompson, que passou um ano como membro dos Hell´s Angels, ou Günter Wallraff, autor de Cabeça de Turco, livro onde narra sua experiência de dois anos disfarçado de imigrante turco na Alemanha, quando sofreu todo tipo de racismo e discriminação.

Um dos nomes mais célebres é John Howard Griffin:

No final dos Anos 50 ele fez um tratamento para escurecer a pele, e viveu como um negro nos Estados Unidos. Suas experiências foram contadas no livro Black Like Me, e foram fundamentais para que boa parte da população branca levasse a sério as queixas da parte negra.

Normalmente elas eram vistas como exagero, mimimi, mas quando um jornalista branco repetiu tudo que a turma do nascente movimento pelos Direitos Civis estava dizendo, a coisa mudou de figura.

De todos o mais corajoso provavelmente foi Stetson Kennedy, este sujeito aqui:

Ele nasceu em 1916 na Flórida, de família rica. Um de seus tios era membro da Ku Klux Klan, mas Stetson tinha uma influência muito mais forte, Flo, uma criada negra que era como uma segunda mãe, e logo ele percebeu que o mundo não era preto e branco como sua família ensinava.

Logo Stetson se tornou ativista de direitos humanos, escritor, folclorista e jornalista. Em 1942 ele tentou se alistar para servir durante a Segunda Guerra, mas uma coluna ruim e a falta de soro de supersoldado o impediram, mas mesmo assim ele achou um jeito de ser útil: criou uma identidade falsa e se infiltrou na Ku Klux Klan.

Que Diabos é a KKK?

Hoje a Ku Klux Klan é uma piada, tem entre 5000 e 8000 membros, são tão ridículos que não têm o respeito nem dos literais neonazistas que desfilam orgulhosamente com bandeiras com suásticas em Charleston, mas eles já foram bem mais perigosos.

A Klan original durou dez anos, entre 1860 e 1870 mais ou menos. Eles se organizavam em células terroristas no Sul dos EUA, cada uma com regras, uniformes e rituais próprios, seu objetivo era eliminar negros politicamente ativos e tomar o poder federal. Não deu muito certo, mas a imagem de “patriotas” se manteve entre a população branca, até que em 1915 tudo mudou.

D.W. Griffith lançou seu filme O Nascimento de Uma Nação.

O filme apresenta uma versão falsa e romanceada da primeira Ku Klux Klan, como patriotas salvadores da pátria, e gerou tanto interesse que uma nova Klan acabou sendo criada, expandindo seu discurso de ódio para além de negros, agora os alvos também eram católicos, judeus e bêbados (ok, agora é pessoal!)

A estética de cruzes em chamas e batas brancas também vieram do filme, e agora a Klan era muito mais organizada, com roupas e estatutos padronizados, e um subtexto meio místico, repetindo a nomenclatura da antiga Klan, com o líder sendo chamado de Grande Mago. Pfff.

A Klan chegou a ter 6 milhões de membros por volta de 1925, organizados para negar politicamente qualquer tipo de direitos civis à população negra, além de praticar todo tipo de violência, como estupros corretivos, espancamentos e linchamentos. Como os membros da polícia e do judiciário principalmente no Sul também eram membros da Klan, nada acontecia, feijoada. Não, feijoada não, prato étnico errado.

Stetson se apresentou como John Perkins, e logo se enturmou com outros racistas, subindo no ranking da KKK, participando de rituais, botando fogo em cruzes, pacote completo.

O tempo todo ele anotava tudo, todos os procedimentos, apertos de mão secretos, nomes internos, todo o melodrama que acompanhava aquele bando de perdedores que morria de medo de uma população analfabeta, pobre e destituída, mas que de alguma forma ainda eram a maior ameaça à pureza da América.

Logo Stetson contatou o Bureau de Investigação da Georgia, uma espécie de FBI estadual, e passou a agir infiltrado com autorização oficial, ajudando a coletar provas que mais tarde condenariam vários membros da Klan e de organizações nazistas.

Depois de mais de um ano infiltrado ele acumulou toneladas de informações, que repassou para autoridades, jornalistas e políticos, mas a história não estava vindo à tona. Era preciso algo que chamasse mais atenção. Eis que Stetson cruza destinos com ninguém menos que… o Super-Homem!

Era 1946, e As Aventuras de Superman não era mais o sucesso que costumava ser. Com o fim da Guerra os inimigos escassearam, e o Super-Homem não tinha mais nazistas, espiões e cientistas do Reich para bater.

Robert Maxwell, que seria hoje chamado de showrunner do programa percebeu que o Super-Homem poderia achar novos inimigos promovendo causas sociais, e ele era inteligente o bastante para equilibrar a “lacração” com o entretenimento, e com esse novo foco, a audiência começou a aumentar.

Stetson como todo mundo era fã do programa, e procurou Maxwell com uma proposta que ele não poderia recusar: Todo seu material sobre a Ku Klux Klan, inclusive codinomes, rituais, apertos de mão secretos, palavras combinadas, tudo.

Por mais que o americano médio fosse adepto do eu aqui eles lá, e idéias como casamento inter-racial ainda fossem completamente rejeitadas, queimar cruzes e enforcar pessoas por terem a cor errada era um pouco demais, e a Klan não era bem-vista fora do Sul, seriam o inimigo perfeito.

Uma série foi escrita, durante 16 episódios o Super-Homem combateu a Ku Klux Klan, durante os quais foram usados os rituais, descrições das roupas, os cumprimentos… a Klan foi exposta, ridicularizada e trivializada.

Os líderes da Klan tentaram organizar um boicote contra a Kellog´s, patrocinadora do programa, mas você sabe como boicote de internet, mesmo sem internet dá certo. O programa acabou com índices altíssimos de audiência, a Klan caiu na boca do povo, mas não do jeito que gostariam.

O número de novos membros foi afetado, a imagem do grupo nunca se recuperou, e se a Klan já estava em declínio, foi o prego na tampa do caixão da Segunda Klan.

Uma terceira se formou, mas com área de atuação muito mais limitada, e apenas uma sombra do que era como organização política. Sim, muitos crimes ainda foram cometidos, mas a Klan sô pôde sentar e chorar quando o Movimento dos Direitos Civis nos Anos 60 atropelou os idiotas vestidos de fantasminhas e tornou oficial e legalmente aceita a idéia revolucionária de que gente é gente independente da cor da pele.

Quanto ao Super-Homem, ele continuou influenciando positivamente milhões de crianças, e continuará por muito tempo.



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