Dica em tempos de Coronga: De onde roubo minhas idéias

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Muito, muito tempo atrás eu já gostava de escrever, mas meu público era minha gaveta, no máximo as redações no colégio. Então em um raro acerto a Escola, que fez de tudo para me fazer ter asco de literatura, parou de me empurrar José de Alencar, Machato de Assis e José Lins do Rego, e colocou no currículo Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach.

Eu imediatamente fui fisgado, era um estranho livro filosófico com um monte de metáforas aeronáuticas disfarçadas em aves marinhas. Logo descobri que havia outros livros do mesmo autor, e meu eu pré-adolescente se deliciou lendo Biplano, Estranho à Terra, Ilusões e o fatídico Ponte para o Sempre.

Richard Bach foi quem primeiro me despertou a fagulha de que eu poderia escrever para outras pessoas, e quem sabe ganhar um trocado. Ele me preparou para a rejeição, perseverança e para a autoilusão que todo autor precisa ter. Logo eu estava mandando textos para vários lugares, inclusive um conto para a Playboy (Não, não era sacanagem) que felizmente nunca foi publicado. Sim, ainda tenho. Não, vocês nunca vão ler.

Leslie Parrish, futura ex-senhora Richard Bach, afinal o que é um escritor sem sua musa?

Ironicamente meu primeiro texto publicado foi uma crônica na revista MicroSistemas, que em minha defesa eu não sabia que revistas de informática não publicavam crônicas, mas eles também não tinham essa noção.

E sim eu sei que o Richard Bach não é aquele cara legal que transparece nos textos dele, mas eu também não sou o poço de doçura empatia e sabedoria que você imagina. Mas ele como professor foi certeiro, exceto que ele não me ensinou como escrever, só como ser um escritor.

Não quer dizer que eu não soubesse escrever, é só colocar uma palavra na frente da outra, e depois, cortar as vírgulas. Eu escrevia bastante, ótimos textos técnicos, mas me faltava algo, um je ne sais quoi, um chutzpah ou seja lá qual o termo pretensioso que você preferir; me faltava mojo.

Eu só fui descobrir depois que conheci outro coroa fundamental: James Burke.

James Burke é um historiador especializado em história da ciência, apresentador, produtor, etc, etc, etc. Ele tem uma extensa videografia mas sua obra-prima, seu Cosmos (não é uma mera comparação, eu coloco os dois no mesmo nível) é Connections3, uma série que mudou completamente minha visão da História.

Não estou falando mal dos meus professores. Aprendi a amar História por causa deles, mas eu sempre vi a disciplina como uma sequência linear de acontecimentos. História era algo que acontecia em palácios e campos de batalha, uma sequência inexorável de acontecimentos, mas Coonections3 mostrou algo completamente diferente.

Está… tudo conectado. No primeiro episódio, Feedback, James Burke começa falando de como um fisiologista inglês do começo do Século XIX, Claude Bernard descobriu que alterações na dieta causavam mudanças de pH no sangue de cobaias. O uso de animais na pesquisa fez com que a esposa de Bernard o deixasse, e ingressasse nas Sociedades Humanitárias, que mais tarde se tornariam a sociedade protetora dos animais. Um dia um naufrágio costeiro deixou de ser uma tragédia por causa de um pescador próximo, e as sociedades humanitárias começaram um serviço de patrulha que virou a guarda costeira.

Esse serviço gerou a obrigatoriedade de botes salva-vidas em navios de passageiros, que usavam código Morse, e para encurtar, isso levou à invenção dos sucrilhos. Faz sentido? Não, dito assim não faz mas acredite, é uma revelação ver as peças se encaixando. História deixou de ser uma série de eventos isolados e se tornou uma imensa e infinita teia interconectada.

Connections3 é a terceira (d’oh) edição da série. As duas primeiras temporadas, de 1978 e 1994 são boas mas a terceira, de 1997 é recomendadíssima. Aliás, pausa pra momento épic: Connections é responsável por um dos momentos mais fantásticos da história da TV, um exemplo de planejamento e timing. Lembrem-se, crianças, isso foi feito sem tela azul, sem computação gráfica. Ao vivo e a cores:

Além de Connections James Burke tem uma outra obra-prima: O Dia Em Que O Universo Mudou. É outra série que causa um revertério mental, mostrando como o que chamamos de “verdade” e “realidade” é muito mais uma consequência da nossa visão de mundo.

Na Idade Média não havia nenhuma grande lacuna, o Universo era perfeitamente explicado dentro dos parâmetros da época. Pare para pensar: Antes da invenção do Rádio não havia radiotelescópios. Ninguém havia deduzido a existência de ondas de rádio, nem dado falta delas. Eram algo que não fazia parte da realidade daquela época.

A Ciência e a Tecnologia criam novas formas de ver o mundo, mas elas não são mais “verdadeiras” ou definitivas. Um bom exemplo: Newton descobriu a gravidade e calculou como os planetas se movem, excelente, não temos mais que sair flutuando por aí, mas observações detalhadas de Mercúrio mostraram que o planeta não se comportava exatamente como Newton havia previsto.

Foi preciso Einstein para introduzir a distorção do espaço-tempo causada pela massa do Sol para Mercúrio se encaixar nas previsões, mas eis que…

Observações de galáxias não batiam com os modelos matemáticos. Elas simplesmente não poderiam existir em suas formas atuais, não há matéria suficiente. Para que uma galáxia exista como estrutura estável ela precisa de muitomais matéria, e onde está essa matéria?

Os cientistas inventaram um conceito-tampão chamado Matéria Escura, que não interage com luz ou outras formas de energia eletromagnética, somente com a gravidade. E mais, para que o Universo funciona 85% dele precisa ser matéria escura.

Agora piora: Observações do Hubble mostraram que a expansão do Universo era bem menor no passado, e ao invés de desacelerar ela está acelerando. De onde vem a energia pra isso? Eis que surge o conceito de… Energia Escura. E pra tudo funcionar 68% do Universo tem que ser feito de Energia Escura.

Ou seja: Sabemos muito pouco do Universo e muito provavelmente em alguns séculos, ou mesmo décadas se dermos sorte todo nosso modelo atual estará comicamente desatualizado e riremos de quem perdeu tempo acreditando naquelas bobagens.

Claro, ninguém está dizendo que a Ciência não evolui. Nm toda visão de mundo é válida e quanto mais avançamos mais preciso nosso conhecimento se torna. Newton e Einstein abriram as portas do Sistema Solar, mesmo com suas imperfeições, são bem melhores explicando o Universo do que “é assim porque Deus quis assim” e uma tabela periódica é muito mais complexa do que um modelo que se resume a quatro elementos e aquele indiozinho idiota.

James Burke mudou meu modo de escrever e pensar, e sim, já contei muitas histórias em meus textos aprendidas em suas séries, como este ótimo e obscuro artigo que escrevi pro Techtudo, contando como Matthew Maury criou uma verdadeira wikipedia no século XIX.

Mais que o conteúdo, mais que o estilo eu roubei a paixão de James Burke por pesquisar, correlacionar fatos e me maravilhar com as engrenagens do mundo em funcionamento. É algo que mais gente deveria aprender a fazer, é ótimo para não se deixar levar por gente histriônica falando obviedades e teorias das conspirações em geral.

Infelizmente não se acham mais Connections e O Dia Em Que o Universo Mudou em lugar nenhum, mas se você quiser, os links neste parágrafo vão pros torrents. Não contem pra ninguém.



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