Lilian Bland – a Feminista Voadora que você nunca ouviu falar – nem deveria

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Hoje vivemos os primórdios da popularização da exploração espacial, mas isso não é aparente. Temos um monte de empresas, grandes ou pequenas investindo pesado, mas por mais dinheiro que invistam, é complicado custa caro e leva anos pra construir um foguete. É bem diferente da primeira década do Século XX, quando a indústria pioneira era a aeronáutica.

Os Irmãos Wright voaram em 1903, Santos Dumont em 1906, seus projetos foram fotografados publicados discutidos e esmiuçados por um exército de entusiastas que ao contrário dos nerds de espaço de hoje em dia, sabiam que conseguiriam repetir e aprimorar aqueles aviões em suas garagens.

Um desses entusiastas foi um tal de Louis Blériot, que quase conseguiu não ser o primeiro aviador a atravessar o Canal da Mancha, quando tentou a viagem nisto aqui:

Como o GPS não tinha sido inventado e ele não quis esperar, foi com a cara e a coragem, por pouco não se perdeu e na hora de pousar enfiou o nariz na grama, quebrando a hélice mas saindo vivo, o que é suficiente para virar herói.

Seu feito foi recontado em jornais e revistas, as fotos reproduzidas em artigos e cartões postais. Um desses cartões foi parar nas mãos de uma balzaquiana que ficou pra titia, a nada convencional Lilian Bland.

Com 31 anos, solteira, Lilian era uma moça rica, de boa família que não tinha nenhum interesse em casar, criar filhos, costurar, etc. Só que ela também não era nenhuma princesinha acomodada. Ela adorava caçar, cavalgar, usava muito mais calças do que vestidos, mantinha cabelo curto, fumava em público e usou o dinheiro da família para viajar por toda a Europa.

Lilian era uma excelente fotógrafa e jornalista, com um monte de artigos publicados. Hoje em dia dá pra dizer que ela era uma subcelebridade, famosa em seu nicho, e sim, é meio que óbvio que ela era lésbica, “tomboy” só vai até certo ponto, mas isso não importa pro nosso causo.

Quando ela recebeu o cartão postal com Blériot e seu avião, Lilian ficou fascinada, começou a ler tudo que achava sobre aviação e engenharia aeronáutica, decidindo que iria construir um avião para si mesma.

Em 1909 ela visitou a Feira de Aeronáutica em Blackpool, aonde ficou examinando e copiando detalhadamente os aviões expostos. Sim, Lilian também era uma exímia ilustradora. Quando os outros visitantes viam aquela mulher toda interessada em aviões, e ela explicava que estava planejando construir um, foi recebida com escárnio e incredulidade.

Chorando, Lilian saiu da exposição transtornada, desabafando em seu diário sobre a crueldade do patriarcado e- nah, mentira. “Isso não me preocupava, de forma alguma”, disse ela sobre os comentários negativos.

Tal qual uma maker moderna, Lilian documentava seu progresso em cartas e artigos, pedia dicas e tirava dúvidas com a comunidade. Logo ela projetou sistemas de controle, aprendeu a tratar e impermeabilizar o tecido das asas e seu avião, ainda sem motor foi testado como “pipa” na verdejante Irlanda, aonde Lilian e o pai foram morar depois da morte da mãe.

Lilian Bland. Significa?

Com o primeiro vôo cativo bem-sucedido, Lilian projetou as especificações de um motor de 20Hp para seu avião, que ela batizou de Mayfly. Encomendando o motor a uma empresa inglesa, para entrega em maio de 1910 Lilian acabou perdendo a paciência e foi ela mesma para Londres buscar o motor atrasado, que só foi entregue em julho. Chegando em casa, como toda boa maker Lilian era impaciente, no meio da noite montou o motor na sala de casa, usou a corneta de uma tia surda como funil para funcionar como tubo de combustível e ligou o bicho, que esfumaçou a casa, acordou a vizinhança e ela pensou melhor e cancelou o teste noturno.

O MayFly, um trocadilho como May Fly, but May Not Fly.

Ela esperou a chegada do resto do material, como mangueiras, tanque de combustível, etc, e organizou um teste mesmo sem condições favoráveis, o tempo estava ruim e havia chovido.

Apesar disso Lilian subiu no cockpit, sem ligar muito pra origem do nome, acionou o motor e incrivelmente, o Mayfly decolou. Atingindo uma altitude de 10 metros, ele voou por 400 metros, se tornando a primeira mulher da História a projetar, construir e voar seu próprio avião.

Ela foi alvo de reportagens, foi apelidada de “Feminista Voadora”, chegou a tentar vender versões seu avião para financiar novos projetos, mas aqui a história começa a degringolar.

Vendo que o hobby de Lilian era bastante perigoso, seu pai interferiu, com uma oferta que ela não tinha como recusar: Ele ofereceu, caso ela abandonasse essa coisa perigosa de aviação, ele compraria de presente para Lilian um dos novos e revolucionários Fords Modelo T.

Lilian aprendeu a dirigir sozinha e foi ela mesma para Dublin buscar seu carro, e ela gostou tanto da brincadeira eu logo se tornou a primeira dona de uma concessionária automobilística em Belfast.

Em 1911 ela recebeu outra oferta irrecusável: Uma proposta de casamento de seu primo, com o improvável nome de Charles Loftus Bland. O casal emigrou para Vancouver, aonde Charles se tornou um lenhador, trabalhando o dia todo e dormindo a noite toda, o que explica talvez eles terem tido somente uma filha, que morreu de tétano aos 16 anos.

Suzie Varney, vizinha e amiga de Lilian, com a qual fazia longas expedições para estudar a natureza. Mais acima, o corn-digo, Charles, marino de Lilian.

A baixa reprodutividade do casal também é dica de que eram mais um casal de aparências, mas Lilian não deixava de trabalhar duro tocando a fazenda junto com o marido, mas em 1935 ela se cansou, deu um tchau querida para Charles, conferiu se todas as calcinhas estavam na mala e voltou pro Reino Unido.

Lilian passou o resto da vida vivendo de renda, bebendo, pintando, cuidando do jardim e apostando em corridas de cavalo. Em 1966, aos 88 anos de idade um repórter perguntou o que ela achava de aviões, afinal havia sido pioneira, etc, etc.

“Coisas barulhentas”.

Lilian Bland morreu aos 92 anos, em 1971. Seu nome nunca entrou para os anais da aeronáutica, mesmo textos positivos e entusiasmados não conseguem vender o peixe, pois sejamos realistas, sua contribuição para a aeronáutica foi zero.

“sem tempo, irmão”

Ela não inspirou ninguém, seu avião voou uma única vez, ela abandonou tudo e foi atrás de outra “paixão”.

Lilian Bland é um aviso, um alerta. Não adianta ser muito bom em algo, não adianta mesmo estar entre os pioneiros, se você não se dedicar continuamente. Ela foi a primeira mulher a projetar e construir um avião, “e daí?” perguntarão alguns.

Exatamente. Jobs e Wozniak não foram os primeiros a construir um computador pessoal. O Falcon 9 não foi o primeiro foguete a pousar e definitivamente o Tesla não é o primeiro carro elétrico.

A grande lição de Lilian Bland é que mais importante do que ser pioneiro, é ser teimoso, abraçar seu projeto. Foco, foco, foco, senão você vai viver a vida inteira como um especialista generalizado, tipo o Professor Ludovico.

Fontes:



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