Mary Fields, a carteira porreta que encararia o vulcão no braço

Mary Fields, a carteira porreta que encararia o vulcão no braço

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Quem me acompanha no Twitter sabe que meu plano de reforma dos Correios não envolve apenas privatização, esse é o primeiro passo. Em seguida todos os funcionários e seus parentes diretos serão atirados na caldeira de um vulcão.

Essa estratégia não funcionaria com Mary Fields.

Nascida por volta de 1832 Mary Fields foi escrava por 33 anos até que a escravidão foi abolida nos EUA em 1865. A boa notícia é que Mary estava livre a má é que ela estava desempregada mas logo arrumou uma vaga cuidando das crianças de Edmund Dunne um juiz proeminente.

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No que poderia se tornar uma versão precoce e etnicamente progressista da Noviça Rebelde, a esposa do juiz morreu de pneumonia, e ele ficou com o dilema de ter cinco crianças em casa. A solução? Mandou que Mary Fields levasse as crianças para morar com sua irmã, a do Juiz, Irmão Amadeus Dunne, que era Madre Superiora de um convento em Toledo Ohio.

Sabe-se lá como, as duas clicaram, surgiu uma amizade.

Em 1884 chegou a Mary Fields a notícia que da Irmã Amadeus estava com pneumonia, morando agora em uma missão em Montana, no meio do Velho Oeste, embora na época ele ainda fosse novo então chamavam só de Oeste mesmo.

Mary correu para o novo convento e cuidou pessoalmente da amiga, até ela se recuperar.

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Enquanto isso ela trabalhava no convento cuidando das galinhas, da horta, lavando roupas e fazendo serviços gerais. Isso claro, durante o expediente. Batido o ponto, Mary Fields ia para o saloon, ainda bebia, jogava conversa fora, disputava queda de braço e de vez em quando se metia em alguma briga de bar.

Ela era responsável pro trazer suprimentos da cidade, Cascade, para o convento. Uma vez uma alcatéia de lobos cercou sua carroça, espantando os cavalos e virando o veículo. Era noite e inverno, mas Mary Fields ficou guardando as provisões com seu rifle até a manhã seguinte, quando uma outra carroça a achou.

Mary não se sentiu desconfortável, o rifle era uma extensão de seu braço. Relatos contam que ela era excelente atiradora, tanto com a Winchester quanto com o Colt que levava na cintura, quando usava calças, ou debaixo do avental, quando usava saias.

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Nessa altura Mary já era uma figura folclórica na cidade, e as freiras a adoravam, mesmo sem nenhum contrato formal com o convento e nenhum interesse em participar das atividades religiosas. Mesmo assim sempre que dava, faziam um agrado. Uma vez não deu muito certo, Mary foi viajar por uns dias, as freirinhas resolveram limpar o quarto de Mary, quando foram queimar uma pilha de lixo, descobriram que no meio havia vários cartuchos de munição.

Ela costumava se meter em brigas, uma vez ela reforçou seus argumentos com o zelador do convento, a ponto dos dois sacarem os revólveres. O zelador foi se queixar ao bispo, e funcionou. A situação de Mary Fields era irregular demais, e para tristeza geral ela saiu do convento.

A Madre Amadeus fez questão de ajudar Mary a abrir um restaurante, mas ele só funcionou por dez meses. A política de servir todo mundo, mesmo quem não tinha dinheiro não deu muito certo.

Mary, claro, não trabalhava só com uma coisa, e além do restaurante, ela trabalhava de babá e lavadeira. As crianças e os pais adoravam aquela negra enorme de um metro e oitenta e 90Kg, cheia de personalidade, que não levava desaforo pra casa, mas gastava quase todo seu dinheiro pra comprar guloseimas pras crianças que tomava conta.

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Em um tempo aonde a escravidão ainda era uma lembrança MUITO forte na mente de todo mundo, e mulheres ainda não tinham sequer tantos direitos quanto negros, tipo votar, Mary Fields se impunha, mesmo sem ter dinheiro ou poder. Os índios da região a chamavam de “Corvo Branco”, porque ela “Agia como uma mulher branca mas tinha pele negra”.

Ela não levava desaforo pra casa, nem quanto estava na rua. Uma vez Mary estava no bar, bebendo com os rapazes, quando viu passando um caloteiro que não havia pago por seus serviços de lavanderia. Mary pediu licença, se levantou, correu atrás do sujeito, meteu um socão na cara e voltou pra mesa. “a dívida dele está paga”.

Vendo que Mary estava em dificuldades financeiras, a Irmã Amadeus mexeu seus pauzinhos clericais e conseguiu para Mary uma tropa de cavalos, que permitiu a ela se candidatar a uma vaga em uma Star Route, um serviço do Correio dos Estados Unidos, aonde pessoas ou empresas eram contratadas para fazer rotas de entrega em regiões remotas.

Era 1895. Mary tinha 63 anos. Ao invés de ficar em casa vendo Mais Você, ela percorria o interior de Montana, enfrentando bandidos, frio e neve. Quando o tempo ficava ruim demais para os cavalos, ela calçava aqueles sapatos de neve que a gente via nos desenhos, e carregava a correspondência nas costas.

Por oito anos Mary Fields fez sua rota, sendo a primeira mulher negra a controlar uma Star Route nos Estados Unidos, até que decidiu se aposentar, ficando apenas com os trabalhos de babá e lavadeira.

Mary era disputada pelas famílias, e tinha amigos em todo lado. Um deles era R.B. Glover, dono do News Cascade Hotel, provavelmente o único, visto que Cascade, Montana HOJE tem população de 679 habitantes.

Ela era sempre bem-vinda no Hotel, e quando Glover vendeu o estabelecimento, uma das condições no contrato era que Mary Fields poderia se hospedar e comer de graça até o fim da vida.

Em 1912 a casa de Mary pegou fogo. Enquanto ela se abrigava no hotel, a população da cidade construiu uma casa nova para ela.

Quando Mary Fields fazia aniversário a data era notícia de jornal, a escola local decretava feriado, para que as crianças pudessem passar o dia com sua babá preferida, mas a escola não era o único estabelecimento aonde Mary era VIP.

Mary comia e bebia de graça nos bares de Cascade, todo mundo adorava a presença daquela mistura de Tia Anastácia com Django. Uma época baixaram uma Lei proibindo a entrada de mulheres em bares. O prefeito de Cascade prontamente abriu uma exceção para Mary.

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Ela adotou o time de baseball local, que por sua vez a adotou de volta. Todo jogo ela leva buquês e arranjos de flores de seu jardim, para presentear os jogadores. Carinhosamente chamada de “Nigger Mary”, tinha lugar cativo nas arquibancada.

Ela só não podia ouvir alguém falar mal do time, isso era garantia de levar uma tapona no comedor de lavagem.

Em 1914, aos 82 anos Mary viu o fim da vida se aproximar. Como sempre pensando mais nos outros do que em si mesma, ela catou alguns cobertores e foi para um matagal perto de casa, esperar o fim. Um grupo de jovens passando reconheceu a antiga babá, e correram com Mary para a cidade.

Ela foi transferida para o hospital em Great Falls, mas alguns dias depois, Mary Fields morria.

Os cidadãos de Cascade se cotizaram para pagar o funeral, enterrando Mary Fields em um cemitério, à beira da estrada que ela tanto percorria em sua rota postal.

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Sua morte foi notícia nos jornais locais e regionais. Mary deixou um legado que não é feito de prédios, fortunas ou invenções. É muito maor que isso. Ela mostrou como alguém pode sair do fundo do poço, da por condição imposta ao ser humano, e se tornar uma pessoa capaz de amar seu semelhante, se impor e ignorar completamente todas as regras sociais estabelecidas envolvendo gênero e raça.

Mary Fields foi escrava, carteira, lavadeira, faxineira, merendeira, babazeira. Mary Fields foitudo na vida, menos uma vítima.

Fontes:

NAOTAFACIL2 Mary Fields, a carteira porreta que encararia o vulcão no braço