A inconveniente (para a militância) verdade sobre a Cleópatra Negra

A inconveniente (para a militância) verdade sobre a Cleópatra Negra

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Semana passada as interwebs ressuscitaram mais uma bobagem clássica militante: Foi anunciado um filme de Cleópatra com a deusa Gal Gadot, e imediatamente começou o chilique com gente que nunca abriu um livro de História na vida acusando Hollywood de whitewashing (sim, estamos na semana em que judeus israelenses nascidos em Petah Tikva são brancos.

Essa reivindicação é antiga, faz parte de uma corrente do movimento negro que defende que todas as grandes invenções, todos os grandes personagens históricos eram negros, afinal é mais fácil reescrever a história do que pesquisar e descobrir pioneiros negros esquecidos e injustiçados.

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Ah Internet, nunca mude!

O problema é que o argumento de que Cleópatra seria negra é… infantil. Parte da noção racista de que se alguém é africano naturalmente é negro, o que deixa de fora africanos famosos como Elon Musk e Charlize Theron. Principalmente, a chamada “África Negra” também é conhecida como África Subsaariana por uma razão:

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Isso mesmo, o Deserto do Saara, que já foi bem menos deserto durante a última Idade do Gelo, e propiciou a grande diáspora, mas que depois de devidamente desertificado, se tornou uma barreira que limitou contato e comércio no continente.

Note que isso não limitou o surgimento de grandes civilizações, como o Império Núbio, o Império Bachwezi, o Império de Kanem, ou o Império Songhai, na África Ocidental. Só tornou inconveniente ir passar o fim de semana no Cairo, atravessando semanas de deserto no lombo de camelos.

Com a desertificação do Saara, o Norte da África ficou basicamente isolado do resto do continente. Toda a civilização ali se concentrou em uma estreita faixa litorânea. O Egito mesmo só começou a crescer quando desenvolveram técnicas de irrigação, e comunidades acompanharam o curso do Nilo.

Por volta de 6000AC o Egito ficou isolado, a desertificação da Líbia tornou difícil o contato por terra entre os dois reinos, e o comércio egípcio se voltou para o mediterrâneo.  

Muita, muita coisa aconteceu nesse período. A pré-história do Egito só acaba por volta de 3150AC, com o surgimento das primeiras dinastias, mas pra chegar até Cleópatra temos muita água debaixo da ponte.

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Yeah, dá pra ver as pirâmides de um Pizza Hut no Cairo.

Só pra dar uma idéia, a Grande Pirâmide foi construída em 2560AC. Cleópatra nasceu em 51AC. Ela está mais próxima do pouso na Lua do que da construção da Pirâmide de Gizé.

Cleópatra aliás nem foi a primeira Cleópatra.

Já fazia tempo que o Egito não era mais aquela Coca-Cola toda, o país foi invadido e conquistado por vários outros reinos. Em 332AC ele estava sob controle dos persas, até que Alexandre, o Grande decidiu fazer o Egito grande novamente, chegou descendo a porrada nos discípulos de Xerxes (ok a Batalha das Termópilas foi em 480AC mas quem está contando?) e conquistou o Egito, Oceania e mais territórios à sua escolha.

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Busto de Cleópatra descoberto em Roma, feito entre 40AC e 30AC.

Logo depois Alexandre morreu, mas Ptolomeu, um de seus generais mais fiéis decidiu que o reino havia virado bagunça de novo, e depôs os regentes antigos, fundando a Dinastia dos Ptolomeus, que comandou o Egito até 30AC.

Voltando para o futuro do passado, chegamos à “nossa” Cleópatra, uma rainha, faraó do Egito, cujo nome era Cleópatra VII Philopator. Quando ela morreu em 30AC o Egito caiu de vez nas mãos do Império Romano, que já vinha cercando a região economicamente fazia tempo.

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Retrato de Cleópatra encontrado em Herculano, provavelmente do Ano 1 DC.

Cleópatra foi a última dos Ptolomeus, mas essa linhagem é complicada, eles não eram exatamente populares e foram alvos de muito vandalismo, como era comum na época.

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Denário cunhado por Marco Antônio. Efígie dele em um lado, Cleópatra do outro. Nenhum dos dois parece muito hollywoodiano.

Cleópatra VI e/ou V

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Cleopatra VI OU Cleo V.

Cléo VII era filha de Ptolomeu XII Auletes e de Cleópatra VI, ou de Cleópatra V, a história é confusa. Segundo algumas fontes Cleópatra VI teve uma filha chamada também de Cleópatra VI, mas pode ser que Cleópatra V tenha sido outra pessoa.

Há dados que apontam que Cleópatra V teria morrido entre 57 e 69AC, filha de Ptolomeu IX (ou Ptolomeu X) e de Cleópatra IV. Ou Berenice III.

(história é uma zona)

Cleópatra IV

Cleópatra IV (135AC – 112AC) foi filha de Ptolomeu VIII e Cleópatra III. Ela foi rainha do Egito por um dia, depois recebeu uma proposta melhor e foi ser Rainha da Síria.

Cleópatra III

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Cleópatra III (180AC – 101AC), ou Cleópatra Euergetis foi Rainha do Egito entre 142 e 131AC. Ela reinou em um triunvirato com a mãe, Cleópatra II, e o filho, Ptolomeu IX.

Ela era filha de Ptolomeu VI e Cleópatra II.

Cleópatra II

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Cléo II – A Missão (185AC – 116AC) reinou como rainha do Egito entre 175 e 116AC. Seus pais foram Ptolomeu V e Cleópatra I, e parece que chegamos finalmente no fim da linha e começo da linhagem.

Cleópatra I

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Cleópatra I foi uma princesa do império Seleucida, uma região que ia da Turquia à Ásia Central. Ela se casou com Ptolomeu V e ganhou um upgrade para Rainha do Egito. Cléo I nasceu por volta de 204AC e morreu em 178AC.

Havia algo em comum entre essas Cleópatras todas: Elas, como todos os Ptolomeus, estavam no Egito de passagem. Aquele papo de Alexandre integrar as culturas era marketing. Ele foi transformado em um deus para ganhar respeito e controlar melhor os egípcios, só isso.

Os Ptolomeus eram obcecados em manter sua linhagem isolada. Todos esses Ptolomeus acima eram parentes, próximos. Rolava incesto direto, com sobrinhas casando com tios, pais com filhas, era um surubadejo total.

O que não havia era integração com os locais. Tanto que de todos os Faraós da Dinastia Ptolomaica, a última Cleópatra foi a primeira que aprendeu a falar o idioma local.

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Toda essa genealogia é prontamente ignorada pelos militantes que repetem o slogan “Cleópatra era negra”, e os argumentos são dignos do Alienígenas do Passado.

Apesar da evidência histórica em estátuas e moedas, dizem que Cleópatra sofreu um processo de “whitewashing” pois os gregos não queriam uma rainha associada a negros. Isso é absolutamente ridículo.

O Egito estava LONGE de ser importante, ninguém de São Paulo vai se preocupar em manipular o concurso Miss Acre Debutante 1978. A idéia de uma conspiração internacional de artistas no Século 1AC coordenando uma operação para esculpir desenhar e cunhar imagens de uma Cleópatra branca chega a ser esdrúxula.

Até porque como toda habitante do mediterrâneo ela provavelmente era mais pra queimadinha.

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Ah sim, as moedas egípcias com a efígie de Cleópatra foram aprovadas pela Rainha em pessoa. Será que Cleópatra sofria de racismo internalizado?

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Pois é, não tinha Photoshop naquele tempo.

O argumento de que Egípcios eram negros aliás é igualmente ridículo. A lógica da militância é que os egípcios são africanos ergo negros, e que o tom de pele representado nas pinturas encontradas em tumbas e papiros equivale à pele negra.

Problema: Os egípcios conheciam perfeitamente a diferença entre brancos, negros, mediterrâneos e assemelhados. Era comum em tumbas egípcias incluírem uma cópia do Livro dos Mortos, um papiro com um monte de instruções sobre o mundo e o pós-vida.

Em uma das passagens do livro são descritas as quatro raças que compõe a Humanidade:

  • Os Reth, ou egípcios.
  • Os Aamu, ou asiáticos
  • Os Nehesu, ou núbios,
  • E os Themehu, ou líbios de pele mais branca.
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Os egípcios não negavam a existência de outras raças, e a composição étnica do reino nunca foi uniforme. Quanto mais pra Líbia e Grécia, mais claros eram, e quanto mais pra região do Sudão e da Núbia, mais escuros eram, mas eram todos egípcios, tudo gente safada mexendo a barriguinha…

E pra turma que adora reclamar que Trump e Bolsonaro não acreditam na ciência, mais fatos inconvenientes: Uma pesquisa com DNA de 90 múmias demonstrou que a origem genética do egípcio do tempo dos faraós era muito mais próxima de lugares como Irã, Arábia Saudita, Iraque, Turquia e vizinhos, do que com a África Subsaariana, que contribuía entre 6% e 15% com o genoma das múmias.

Agora, o pior.

Com essa neurose de querer ser o centro do Universo, mas sem se esforçar pra aprender sobre os temas que fingem defender, os militantes cometem grandes injustiças.

No caso do Egito, estão tão obcecados para reivindicar uma lambisgóia grega meio baranga (pronto, falei) que não mandava em nada e se matou pra não passar vergonha em Roma, que não pararam pra aprender que o Egito não teve uma rainha negra, mas em compensação teve uma Dinastia INTEIRA de faraós negros.

Foi a 25ª Dinastia, 88 anos entre 774AC e 656AC.

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O Egito estava sofrendo com disputas internas e invasões constantes do Império Núbio, o que chamou a atenção do Reino de Kush, no que é hoje parte do Sudão. Kush, que era parte do Império, aproveitou e começou a expandir sua influência, subindo pelo Nilo e chegando até a costa do Mediterrâneo.

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Império Kushita em seu auge.

Sob comando do Rei Piye, foi fundada a 25ª Dinastia. Piye assumiu o trono egípcio como Faraó, e iniciou um processo de pacificação, com respeito aos costumes e religião dos egípcios. Mais tarde Piye promoveu um grande programa de construção, e pela primeira vez em séculos, novas pirâmides foram construídas no Egito.

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Túmulus Kush no Sudão.

Isso mesmo, militante, o Egito voltou a construir pirâmides graças a um faraó negro, que você nunca tinha ouvido falar.

Depois de Piye foram vários outros faraós negros: Shabaka, Shebitku, Taharqa e Tantamani.

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Queria faraós negros, motherfucker? Tome faraós negros. Não precisa inventar.

Hoje esses Reis sobrevivem em museus, suas estátuas milenares ensinando que o mundo, a História, não é em preto e branco, e que não é preciso mentir para promover sua causa.

E mais: Repetir uma mentira não a torna verdade, no máximo contamina os ouvidos de todo mundo, e impede que você aprenda e descubra verdades muito mais interessantes.

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King Taharqa is not amused.

De resto, quem precisa de Cleópatra, que literalmente se deitava com os romanos, quando o Império Kush tinha suas próprias pirâmides, uma dinastia inteira de faraós e uma personagem como a Rainha Amanirenas, uma líder guerreira que enfrentou os romanos na fronteira do Egito, com seus soldados trazendo de volta a cabeça do Imperador Augustus.

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Era a cabeça de bronze de uma estátua mas simbolismo é importante, e ela conseguiu impressionar os romanos a ponto de negociar paz em termos excelentes, e o reino foi um dos raros que não pagava tributos a Roma.

O que não é importante é enterrar milhares de anos de história pra bater pezinho por causa da Gal Gadot.

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