Imagine que você acordou com tosse, sintomas de uma gripezinha. Sem muita opção, segue com seu dia, a dor de cabeça aumenta, você se sente cansado, muito cansado. Senta e entra em total letargia. Para qualquer um de fora, você está dormindo.
Internamente você tem noção do mundo a seu redor, mas não consegue reagir. Ao mesmo tempo perde a noção do tempo. Tem alucinações, sonhos, pesadelos. Não consegue acordar pois não está exatamente dormindo.
Se der sorte, você será colocado em uma cama, com enfermeiras te alimentando com sondas e cuidando de suas necessidades, enquanto você dorme. Por anos. Se der azar suas funções respiratórias serão afetadas e você morrerá em pouco tempo.
Outros ficarão anos em estado catatônico. Chamar seus nomes os tira do transe por alguns momentos mas eles rapidamente voltam a olhar para o infinito, como zumbis.
Isso não é uma história de terror. Ou melhor, é, mas é verdadeira.
As primeiras indicações dessa doença começaram a aparecer em 1915, e logo chamaram a atenção de um neurologista romeno com o improvável nome de Constantin von Economo. Na frança um patologista chamado Jean-René Cruchet também notou os casos. Os dois escreveram papers descrevendo os pacientes, quase ao mesmo tempo.
Aos poucos casos iam aparecendo em vários países. Na Inglaterra, em uma escola para meninas chamada “Derby and Derbyshire Rescue and Training Home” 12 das 21 meninas do local pegaram a chamada Encefalite Letárgica.
Estava claro que a doença era contagiosa, mas às vezes membros da mesma família conviviam anos com doentes, e não se contaminavam.
Alguns pacientes se recuperavam, alguns morriam, outros permaneciam catatônicos até morrerem de outras causas.
Annie Poynton, mão de 3 pegou a doença em 1924.Ela só morreu em 1947. Annie não viu os filhos crescerem, não viu quando se tornou avó e não envelheceu junto de seu marido.
Aos poucos a doença foi se espalhando pelo mundo, tornando-se uma pandemia. Os médicos não tinham idéia de como ela se espalhava, o que a causava e muito menos como tratá-la.
Foram publicadas mais de 9000 pesquisas sobre a Encefalite Letárgica. Em dado momento havia pelo menos 90 tratamentos sendo experimentados. Nada funcionava.
Aos que sobreviviam, o destino não era muito simpático. A maioria desenvolvia sintomas compatíveis com Parkinson, psicose, problemas psiquiátricos, etc. Essas sequelas podiam aparecer imediatamente ou anos depois do paciente ter se “curado” da encefalite letárgica.
Também acontecia dos sintomas evoluírem, estabilizarem e do nada desaparecerem para sempre.
Milhões de pessoas em todo o mundo foram contagiados, só na Europa, pelo menos um milhão. No mundo todo as mortes somaram algo em torno de 500 mil pessoas.
Sem controle, tratamento ou entendimento, a Encefalite Letárgica assolou o mundo entre 1915 e 1926, então, sem nenhum motivo aparente, desapareceu. Abruptamente.
Hoje muito, muito raramente aparece um caso ou outro com sintomas parecidos com a Encefalite Letárgica, mas nunca se encaixam perfeitamente.
Depois de mais de 100 anos os cientistas não fazem idéia do que causou a Encefalite Letárgica. Oliver Sacks acha que era um vírus, outros acham que foi uma resposta autoimune causada pela Gripe Espanhola, o History Channel acha que foram Aliens e Neil Gaiman acha que foi Lorde Morpheus.
Pode ser que em algum lugar a causa, ambiental ou biológica esteja esperando as condições propícias para voltar, e com os meios de transporte e a densidade populacional de hoje, a Encefalite Letárgica seria devastadora. Se o Covid-19 já está dizimando com sua mortalidade de 1%, imagine uma doença que mata 40% dos afetados, ninguém sabe como é transmitida e deixa sequelas terríveis. Ah sim, e sem vacina.
É ou não é material de pesadelos?
Fontes:
- Taken by the “Sleepy Sickness”
- Encephalitis lethargica: 100 years after the epidemic
- Encephalitis lethargica still unexplained sleeping sickness
- What a Long-Ago Epidemic Teaches Us about Sleep