Quando ser da paz era coisa de fascista. E estavam errados.

Quando ser da paz era coisa de fascista. E estavam errados.

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vlcsnap-2021-09-19-14h47m48s756 Quando ser da paz era coisa de fascista. E estavam errados.

Em A Cidade à Beira da Eternidade, um dos melhores episódios de Jornada nas Estrelas, o Dr McCoy vai parar nos Estados Unidos dos anos 30/40, e sem-querer altera a linha do tempo, fazendo os nazistas vencerem a Guerra.

Tudo que ele fez foi salvar a vida de Edith Keeler, uma ativista do movimento pacifista que era radicalmente contra o envolvimento dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial. Sobrevivendo, ela adiou o suficiente a entrada dos EUA no conflito, a ponto da Alemanha se tornar invencível, e o resto é O Homem do Castelo Alto.

 Edith Keeler era uma alma genuinamente boa, sonhava com um futuro sem pobreza, fome ou ganância, com a Humanidade unida em prol do bem comum, ela descreveu o futuro do qual Kirk e Spock vieram, mesmo em uma das eras mais sombrias da Humanidade, ela via um futuro brilhante.

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William Shatner e Joan Collins (Edith Keeler) nos bastidores de Star Trek. Is good to be the king, digo, Captain.

O problema não era a mensagem pacifista, nunca foi. O problema é que Edith Keeler era extremamente emocional em sua racionalidade, ela acreditava que seria possível chegar a um acordo com Hitler. E ela não estava sozinha.

A população americana (e do mundo em geral) estava cansada de guerras. A Primeira Guerra Mundial foi terrível para a Europa, e mesmo pros Estados Unidos, foi punk. Com população de 98 milhões à época, o país teve 117 mil mortos. Como resultado, isolacionismo e pacifismo eram as políticas preferidas.

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Greve de estudantes pela Paz em Berkeley, California, 19 de Abril de 1940 (fonte: U.S. National Archives and Records Administration)

Havia um forte componente de anti-semitismo, muitos explicitamente, como um tal Padre Charles Coughlin, que era uma espécie de celebridade do rádio, com milhões de seguidores. Ele fazia constantes discursos anti-semitas, e em um deles soltou:

“Deve o mundo inteiro entrar em guerra por causa de 600 mil judeus na Alemanha?”

O sentimento anti-guerra incluía até os movimentos fascistas. Em 1939 nos EUA foi formado o Movimento das Mães, que apesar do nome era uma consolidação de mulheres ligadas aos Confederados, unindo grupos de extrema-direita isolacionistas em todo o país, num total de 6 milhões de membros.

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Elas pregavam que uma Europa dominada pelo nazismo era bem melhor do que sob o comunismo, e que se os judeus fossem exterminados no processo, bem, dois resultados pelo preço de um.

Os comunistas por sua vez denunciavam a Guerra como uma atividade burguesa que só servia para gerar lucros para os barões da indústria, enquanto matavam os filhos do proletariado. Eles eram totalmente contra a Guerra, ainda mais depois que Alemanha e União Soviética assinaram o Pacto de não-agressão Molotov–Ribbentrop, em 1939.

Em vários países os comunistas promoviam o discurso anti-guerra, nos Estados Unidos o apoio aos Aliados era bem criticado, inclusive o programa Lend-Lease, que fornecia suprimentos e armamentos na base do “pegue agora, pague depois”.

Eles não falaram nada quando Stalin invadiu a Polônia junto com Hitler, literalmente dividindo o país em dois. Também era de boas a União Soviética invadir Látvia, Finlândia, Romênia, entre outros. Claro, quando a Alemanha invadiu a União Soviética em 1941, os socialistas nos Estados Unidos subitamente se tornaram pró-guerra e fizeram manifestações para que a União Soviética fosse incluída no programa Lend-Lease.

Um dos maiores grupos anti-guerra era o America First, uma organização com 800 mil membros pagantes, fundada na Universidade de Yale e que pregava o isolacionismo, guerra na Europa era problema dos Europeus.

OK, tecnicamente eles não eram anti-guerra, eles eram anti-ir-pra-guerra, preferindo que se fosse pra acontecer, a guerra que viesse até eles, e que os EUA deveriam se preparar para repelir qualquer ataque a territórios americanos.

Eles também eram contra o Lend-Lease, qualquer tipo de apoio a aliados, e queriam o fim dos comboios no Atlântico, o que faria com que a Inglaterra se rendesse em poucos meses. O America First foi dissolvido três dias depois do ataque a Pearl Harbor.

O ataque japonês foi uma bênção disfarçada, fez com que o grande público finalmente acordasse. Até então, o isolacionismo era geral.

gettyimages-81615618-1024x825 Quando ser da paz era coisa de fascista. E estavam errados.
Mulheres comunistas nos EUA em 1938, protestando contra os fascistas na Guerra Civil Espanhola.

Uma pesquisa do Gallup em Setembro de 1939 descobriu que:

  • 84% do povo americano era contra enviar tropas para lutar contra a Alemanha
  • 42% eram contra enviar aviões e materiais de guerra para França e Inglaterra
  • 76% achavam que França e Inglaterra deveriam aceitar a Paz se Hitler a oferecesse, em troca de toda a Polônia.

A grande maioria dos movimentos pacifistas desapareceu depois que ficou evidente que flores e palavras bonitas não eram eficientes contra Panzers, e raramente soldados da SS aceitavam dar as mãos e cantar Kumbaya.

Na Alemanha Hitler resolveu o problema dos pacifistas deixando que fossem pacifistas em campos de concentração. Desertores e pacifistas que se recusavam a servir ao exército eram sumaria e pacificamente executados.

Pacifistas notórios aos poucos perceberam que o bicho estava pegando. Bertrand Russell, famoso por frases como “Guerra não determina quem está certo, mas quem sobrou” (em inglês faz mais sentido) escreveu que derrotar Hitler e os nazistas era uma “circunstância especial” e que naquele caso a Guerra Não era o Pior dos Males.

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Isolacionismo burro em sua forma mais pura.

No outro extremo temos o pacifista-mor, tão deslocado da Realidade que achou que resolveria o problema escrevendo para… Hitler. Falo de Gandhi, ele mesmo.

O sujeito escreveu várias cartas chamando Hitler de “meu amigo”, revelando admiração e dizendo que duvidava que ele fosse o monstro que os inimigos diziam ser (spoiler: era).

Gandhi também escreveu para líderes judeus, dizendo:

“Se alguma vez pudesse haver uma guerra justificável, em nome da e pela humanidade, a guerra contra a Alemanha para evitar a perseguição desenfreada de uma raça inteira seria completamente justificada. Mas eu não acredito em nenhuma guerra …”

Pouco antes de ser assassinado, Gandhi explicou sua estratégia de não-violência:

“… os judeus deveriam ter se oferecido à faca do açougueiro. Eles deveriam ter se jogado no mar dos penhascos … Isso teria despertado o mundo e o povo da Alemanha … Como é, eles sucumbiram aos milhões. ”

Gandhi já não era muito popular na Inglaterra, e isso piorou em 1940, com os ingleses suando sangue, suor e lágrimas para evitar que a Luftwaffe destruísse o país, bombas arrasa-quarteirão dizimando Londres, Dunquerque fresca na memória, aí Gandhi me sai com a solução:

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Gandhi em 1919: “Eu tenho até amigos judeus”

“Eu gostaria que vocês depusessem as armas que vocês têm como sendo inúteis para salvar vocês ou a humanidade. Vocês vão convidar Herr Hitler e Signor Mussolini para tomar o que quiserem dos países que vocês chamam de suas posses … Se esses senhores escolherem ocupar suas casas, vocês as desocuparão. Se não lhes derem passagem gratuita, vocês se permitirão, homem, mulher e criança, serem massacrados, mas se recusarão a dever lealdade a eles. “

Mais tarde Gandhi admitiu que o nível de iluminação espiritual necessária para agir dessa forma não era algo ao alcance do cidadão médio. Eu acho de alienação, de viver em uma bolha de sicofantas que dizem que você está certo o tempo todo. Aí o sujeito viaja no pacifismo.

Uma das maiores mentiras, tanto para geopolítica internacional quanto para o horário do recreio, é “quando um não quer, dois não brigam”.  Quando um não quer, esse um em geral acaba apanhando, humilhado e vira alvo constante do outro.

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Não só soldados, a Índia também tinha pilotos de caça, marinheiros… eles foram fundamentais para a proteção dos Aliados no Oriente.

A Índia, para tristeza de Gandhi, enviou 2.5 milhões de tropas para combater os nazistas. Essas tropas serviram com coragem e honra. Parte do acordo envolvia a Independência da Índia, no pós-guerra.

O Partido de Gandhi denunciou Hitler no parlamento, mas se recusou a ajudar no esforço de guerra, diziam que só se mobilizariam se os Ingleses aceitassem a independência imediata, o que seria inviável no meio de uma guerra.

Mais de 60 mil líderes e membros foram presos, e o movimento foi debandado.

Nos bastidores a Carta do Atlântico, entre os EUA e o Reino Unido já havia colocado como cláusula que os americanos ajudariam os ingleses em troca de descolonização, e no final da Guerra os ingleses estavam tão sem dinheiro que não tinham como manter as colônias, de qualquer jeito.

Gandhi, no final, foi só uma Edith Keeler, só bem mais feio que a Joan Collins.

Fontes:

NAOTAFACIL2 Quando ser da paz era coisa de fascista. E estavam errados.