Como feministas maloqueiras colocaram os homens em uma grande furada

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Crrédito: IgorVetushko

Uma das coisas que me irrita no YouTube são os canais de Faça-Você-Mesmo com projetos simples mas você vai ver e o sujeito tem uma garagem / oficina com US$750 mil em ferramentas. Mas nem sempre foi assim.

Por 99,9% da História da Humanidade ferramentas eram manuais, caras, masculinas e exclusivas de profissionais. Só depois da Revolução Industrial que começou a produção em massa, que barateou incrivelmente o custo de algo como um martelo ou uma furadeira manual.

A segunda revolução foi a eletrificação, a primeira furadeira elétrica portátil foi criada na Alemanha em 1895, e pesava 7,7Kg. Pelas descrições era uma porcaria, você precisava apoiar com o peito e forçar o peso do corpo. E uma decisão de projeto a tornava genuinamente perigosa: O botão de liga/desliga não ficava na furadeira, você tinha que soltar uma das mãos para desligá-la.

Sim, é uma furadeira. (Crédito: Torana / Wikimedia Commons)

Isso irritou bastante os dois sócios de uma ferramentaria americana, Duncan Black e Alonzo Decker. Eles acharam o design idiota, e tentaram melhorar, mas não conseguiam pensar numa solução.

Para sorte deles, havia outro projeto paralelo: Eles foram contratados para otimizar o projeto da Colt 1911, então eles tinham vários modelos da pistola para brincar. Um dia, veio o estalo: Usando um cabo e um gatilho, seria possível segurar e controlar o acionamento da furadeira, ao mesmo tempo. Em 1917 eles patentearam sua primeira furadeira, a um custo de US$5000 atuais.

O mercado eram indústrias e empresas de construção civil, com sorte algum profissional mais abastado.

O gatilho era literalmente um gatilho: TW: Gatilho

Várias empresas desenvolveram ferramentas elétricas, inclusive a Milwaukee Electric Tools. A grande virada para eles foi quando Henry Ford encomendou uma furadeira muito menor e mais leve. Com o ridículo (mas usado até hoje) nome “Hole Shooter”, a furadeira custava o equivalente a US$600 em 2021, pesando metade da furadeira da Black and Decker.

Ford adorou o brinquedo, encomendou uma tonelada, e a Hole Shooter foi colocada no mercado, mas ainda havia uma grande resistência dos profissionais autônomos e empresas pequenas, eles não confiavam que uma ferramenta elétrica barata daria conta do serviço.

A Hole Shooter

O Departamento de Vendas da Milwaukee teve uma idéia deliciosamente machista, preconceituosa, esterotipadora e genial: Eles montaram stands em lojas de ferragem, onde por trás de um vidro uma MULHER usava a furadeira, fazendo furos e furos em uma parede de madeira, sem uma gota de suor.

O argumento era que a furadeira era tão simples que até uma mulher poderia usar.

A graça é que elas eventualmente usaram, e muito. Na Segunda Guerra a maioria dos homens foram convocados para servir nas forças armadas, o que provocou uma imensa mudança social: Mulheres passaram a trabalhar nas fábricas, tiveram pela primeira vez autonomia, eram donas do próprio nariz e do próprio salário.

Isso valia mesmo para as que eram casadas com marido em casa, que aproveitaram a oportunidade para aumentar a renda familiar.

A ferramenta que era simples o bastante para ser usada por uma mulher, era usada direto por elas, e todos estavam satisfeitos, mas nessa satisfação a Black & Decker achou ter encontrado um problema: As fábricas mandavam muitos pedidos de novas furadeiras. A empresa entrou em contato perguntando se as ferramentas estavam quebrando, se havia algum defeito de fabricação.

Nenhum defeito. As furadeiras estavam apenas desaparecendo das linhas de montagem.

Calma, não era sabotagem de espiões de Hitler. A culpa era… das mulheres.

As Rosies Rebitadoras adoravam suas furadeiras, e perceberam que elas podiam ser úteis em casa também. Elas começaram a roubar as furadeiras e dar de presente pros maridos, para que eles fizessem os pequenos trabalhos domésticos que todo mundo que tem uma furadeira vive inventando, pra poder usar as bichinhas.

Quando a Black and Decker soube disso, Decker teve um estalo: Uma linha de furadeiras mais simples, bem barata, voltada para o mercado doméstico iria vender horrores. Até então todas as ferramentas elétricas eram focadas em profissionais, não no amador usuário eventual.

Em 1946 eles lançaram sua primeira furadeira doméstica, que sumiu das prateleiras em segundos. O primeiro lote de 80 mil unidades, a US$237 (valores de 2021) vendeu feito água.

Todo o mercado de ferramentas domésticas, que em 2020 faturou US$36 bilhões, existe graças a mulheres maloqueiras que subtraíram umas furadeiras nos anos 40.

Sendo justo em 1956 a Black and Decker já botava mulheres nas propagandas.

Ironicamente a ferramenta que foi vista com desconfiança por homens, foi promovida por mulheres e teve nelas suas usuárias pioneiras caiu na mão dos homens, e até hoje ferramentas elétricas são vistas como algo masculino, mesmo com as exceções dos canais de marceneiras no YouTube, e um monte de mulheres habilidosas que consertam suas próprias tomadas e montam seus próprios móveis.


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