Mesmo que a Rússia saia vitoriosa amanhã (e escrevo isso com menos de 20 dias de Guerra) o estrago está feito. O Imperialismo russo é um tigre de papel. A imagem de fazendeiros ucranianos roubando tanques e lançadores de mísseis é humilhante demais.
A expectativa geral era de que a Ucrânia cairia em alguns dias. A Força Aérea seria dizimada, as esquadrilhas de drones deixariam de existir, infraestrutura seria destruída. Um oficial do Pentágono confidenciou a um jornalista que todas as simulações nos computadores davam tropas russas ocupando Kiev em algo entre 24 e 96 horas de conflito.
Soldados literalmente do lado de casa, a poucos quilômetros da fronteira tendo que roubar comida de mercadinhos, por não terem suprimentos é patético, mas mesmo com tudo isso, essa não foi a maior pataquada da Rússia. Para isso temos que voltar no tempo, antes da Segunda Guerra, antes mesmo da União Soviética.
Tudo começou na Guerra Russo-Japonesa (fevereiro – 1904 a setembro – 1905).
Essa guerra resultou da briga entre o Japão e Rússia (d’oh!) pela esfera de influência naquela região da Ásia. A Rússia precisava de um porto de águas quentes na região. Vladivostok congelava no inverno. O mais próximo era Porto Arthur, no que é hoje China. A Rússia tinha um acordo com o que na época também era China para manter uma base em Porto Arthur, e o Japão não gostou da idéia.
Junto a isso a Rússia estava fortificando suas posições na Manchúria, o Japão se sentiu ameaçado e passou pras vias de fato. A Guerra durou um ano e sete meses, e foi uma vitória total para o Japão. Os russos tomaram uma piaba federal, mesmo tendo superioridade numérica e de equipamentos.
O auge foi a Batalha de Tsushima, quando uma frota russa de 8 encouraçados, 3 encouraçados costeiros, 9 cruzadores 9 destróieres e vários navios auxiliares enfrentou um Japão com 5 encouraçados, 23 cruzadores, 20 destróieres e 10 barcos torpedeiros.
No papel seria um massacre, os encouraçados deveriam atingir os inimigos bem antes deles chegarem ao alcance de suas armas, mas os japoneses tinham rádio-telégrafos de qualidade (os russos usaram equipamentos alemães que não sabiam operar direito) e estavam debilitados pela viagem.
O resultado foi um massacre. O Império Russo teve 6 encouraçados afundados, outros 15 navios foram para o fundo do mar. 5.045 mortos. O Japão perdeu 3 barcos torpedeiros e 117 homens.
Mesmo assim esse não é o vexame de que vou falar neste artigo. Nossa história começa muito antes.
Essa frota russa saiu do Báltico, 16 de outubro de 1904 e percorreu 33 MIL quilômetros até chegar no Japão, em 27 de maio de 1905. Faz a brincadeira dos inglesas nas Falklands parece uma ida à cozinha.
Foram paradas e mais paradas. Lembre-se, estamos falando de navios de 1904, com caldeiras a vapor queimando carvão, pense em quantas paradas para manutenção, quantos acidentes e problemas tiveram, além de tentar manter contato com Moscou via telégrafo, quando chegavam a algum lugar mais civilizado.
No dia 21 de outubro de 1904 a frota russa chegou no Mar do Norte, perto da Inglaterra, e estavam paranóicos como só os russos sabem ser. E com o mesmo conhecimento de geografia do americano médio.
Vigias, querendo mostrar serviço, começaram a fazer relatos de avistamento de cruzadores inimigos e balões de observação, sendo que era altamente improvável que o Japão tivesse enviado navios de guerra para o Mar do Norte, na área de Dogger Bank.
Mesmo assim o comandante da frota, Almirante Zinovy Rozhestvensky, mandou aumentarem a vigilância. Relatos de submarinos, torpedeiros e outros navios inimigos apareciam de todos os cantos.
A frota desviava de campos minados que só existiam na imaginação deles, e na noite do dia 21, um dos navios, o Kamchatka achou que estava sendo atacado por um cruzador japonês, mas era só um mercante sueco.
Durante a noite um grupo de seis traineiras inglesas foi visualizado pelos russos, que talvez motivados pela vodca decidiram que eram barcos torpedeiros japoneses, e abriram fogo. As traineiras eram alvo fácil, com redes ao mar, não tinham como fugir rápido. O capitão de um dos barcos foi morto, junto com outros dois marinheiros. Quatro traineiras foram danificadas, uma foi afundada, mas a cagada não parou por aí.
No meio da noite e da neblina o resto da frota russa achou que estavam sob ataque japonês, e sem reconhecer os amigos, começaram a atirar na direção dos tiros de canhão. Dois cruzadores russos, Aurora e Dmitrii Donskoi foram confundidos com inimigos, e sete encouraçados abriram fogo, por sorte os artilheiros russos eram uma bela bosta.
Ao contrário dos japoneses, que já usavam um computador mecânico experimental para controle de tiro, os russos faziam tudo manualmente, e no meio da neblina erraram boa parte dos tiros. Há relatos que o encouraçado Oryol fez mais de 500 disparos sem acertar absolutamente NADA.
Enquanto isso nos navios os boatos variavam, havia até gente dizendo que foram abordados e estavam sendo invadidos por fuzileiros japoneses.
No dia seguinte, vendo a besteira que fizeram, os russos tentaram sair de fininho, mas os ingleses estavam putos. Mobilizaram uma frota de 28 encouraçados, enquanto cruzadores acompanhavam a frota russa. Os jornais pediam sangue, e a Rússia aceitou ancorar a frota na Espanha, e iniciar uma investigação.
Ah sim, antes disso o Kamchatka disse que foi atacado por três navios japoneses, e disparou mais de 300 tiros contra eles. Os navios japoneses eram um mercante sueco uma traineira alemã e uma escuna francesa. Nenhum foi atingido.
Uma comissão internacional investigou o caso, e como sempre, não deu em nada. A Inglaterra não queria declarar guerra à Rússia, panos foram passados e a conclusão da comissão foi:
“Os comissários declaram que suas conclusões, que são formuladas, não são, em sua opinião, de natureza a desacreditar as qualidades militares ou a humanidade do almirante Rojdestvensky, ou do pessoal de seu esquadrão”. Concluiu também o seguinte: “os comissários têm o prazer de reconhecer, por unanimidade, que o Almirante Rozhestvensky pessoalmente fez tudo o que pôde, do início ao fim do incidente, para evitar que as traineiras, reconhecidas como tal, fossem alvejados pelo esquadrão”
Foi acordada uma indenização paga pelos russos de US$11 milhões em valores atuais, e cada um seguiu seu caminho. Em 1906 foi erguido um monumento em Yorkshire, honrando o Capitão George Henry Smith e os marinheiros William Richard Leggett e Walter Whelpton, que morreram no incidente. Os russos perderam um capelão e um marinheiro.
Quanto à frota russa, só meses mais tarde conseguiu perceber que sua incompetência e arrogância trariam graves consequências, quando confrontados por um inimigo mais eficiente e determinado.