Arquitetura hostil, aporofobia e dicas de como não agir como um Sith Lord

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Hoje no tuinto apareceu uma thread inicialmente interessante. Uma moça se propôs a discorrer sobre Arquitetura hostil, que incrivelmente não tem a ver com a obra de Niemeyer.

Em resumo, Arquitetura hostil é uma idéia de jerico criada por um bando de carcamanos desalmados que acordam pensando “como posso foder mais ainda a vida dos mendigos?”

O pessoal desafortunado que tem que dormir ao relento tradicionalmente se protege debaixo de pontes, em bancos de praça, debaixo de marquises e sacadas, embora eu ache que marquise é a parte debaixo da sacada, mas não sou arquiteto, nem sei a diferença entre cornita e cornija.

Imagine tropeçar nessa desgraça

Os FDPs que não gostam disso são políticos e arquitetos, que bolam coisas como estas:

O objetivo é tornar impossível que um ser humano descanse naquele local, e como o  negócio é desconfortável mesmo para quem só deu uma paradinha, melhor ainda. E sim, há um Círculo no Inferno só para quem promove Arquitetura hostil.

A tal thread da moça veio com o título “ARQUITETURA HOSTIL; uma necessidade ou aporofobia assumida?” e nosso ponto não tem nada a ver com a tal arquitetura, embora seja um problema estrutural.

Só um arrombado de pai e mãe para pensar nisso.

Existe em jornalismo um conceito furado de que sempre precisamos mostrar os dois lados da história. Eu demonstrei como isso é falso neste artigo aqui, de 2011. Nem tudo tem dois lados, mas se você explicitamente chama a dualidade do argumento no título, você TEM que mostrar opiniões contrárias.

Se eu escrever um artigo com o título “Devemos banir desenhos animados ofensivos? Preservar o passado ou respeitar as minorias?” e só falar de como os desenhos ofendem as minorias frágeis e delicadas, com declarações de floquinhos ofendidos com o Pernalonga crossdresser, o texto ficará incompleto e totalmente parcial.

Por um lado, foi isso que a moça fez. Ela (corretamente) denunciou a barbaridade e desumanidade da Arquitetura hostil, mas deixou a dúvida no ar. Não explicou o racional por trás da tal arquitetura, apenas disse que é pura maldade. Até é, mas também há argumentos válidos, mais de uma vez viadutos no Rio foram danificados depois que barracos debaixo deles pegaram fogo.

É motivo para arquitetura hostil? Não, dá para manter a cidade minimamente confortável pra população de rua, sem precisar minar debaixo dos viadutos, mas nem essa justificativa insatisfatória foi dada. O leitor ficou no ar, com sua imaginação pensando quais seriam os motivos para a tal arquitetura.

A moça fez ainda pior. Ela LEVANTOU A DÚVIDA de que a tal arquitetura seria necessária. Usando uma hipérbole, imagine uma matéria contra o Apartheid com o título “Apartheid: Estigma histórico ou necessidade de sua época?”  ou então “Salem 1692 – E se elas fossem mesmo bruxas?”

Em 1982 a CNN fez uma entrevista com o Grande Mago Imperial da Ku Klux Klan, dando palco e legitimando um dos mais abjetos grupos racistas de todos os tempos. Isso não é imparcialidade, não é possível que a CNN fique em cima do muro assim.

Há temas que não há meio-termo, qualquer jornalista que escreva uma matéria “Vacinas – Elas realmente funcionam?” mesmo com a melhor das intenções está fazendo um imenso mal, criando dúvida sobre um tema mais que estabelecido.

Principalmente questões morais absolutas, não devem ser questionadas, ainda mais por propósitos estilísticos. Ninguém em sã consciência é a favor da arquitetura hostil. Não faz sentido tratá-la como uma possibilidade. Isso só legitima a prática.

Lembre-se, Padawan: O indefensável não precisa de defesa, então quando for escrever sobre um tema que é consenso entre pessoas minimamente razoáveis, trate-o dessa forma. Não finja imparcialidade e isenção quando você sabe exatamente de que lado está, e quando só há um lado razoável.

Vários jornais e canais de TV adoram dar espaço pra Igreja Batista de Westboro e sua mensagem abjeta de ódio e homofobia. Como cacetas alguém acha que essa gente tem algo de válido a dizer?

Claro, isso não vale para temas legitimamente controversos, por mais que você tenha certeza de que está do lado certo. Aborto é tema espinhoso, mas os vários lados acreditam em seus argumentos. Tratar os lados como matadores de bebês vs odiadores de mulheres não é produtivo.

Ninguém em sã consciência defende hoje em dia eugenia, escravidão e calças boca de sino. É possível discorrer sobre esses temas de uma posição bem definida, sem ter sua integridade questionada. “ARQUITETURA HOSTIL: O que é essa prática nefasta” não deixa margem para dúvida onde não deveria existir nenhuma para princípio de conversa.

Conclusão:

  • Não crie títulos induzindo a um dilema quando não há dois lados igualmente válidos.
  • Se usar um dilema no título, você está moralmente obrigado a apresentar a argumentação dos dois lados, de forma imparcial.
  • NUNCA transforme uma verdade estabelecida em um dilema, Não enfraqueça uma posição social/moral conquistada às duras penas criando dúvida sobre ela.

Agora, com licença, preciso tentar descobrir que diabos é “aporofobia”.



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