Meus leitores sabem que não sou muito fã de filosofia. Eu entendo sua utilidade, muito do meu preconceito foi eliminado após assistir a magistral série “The Day The Universe Changed”, do James Burke. Está disponível na locadora do Paulo Coelho, recomendo DEMAIS.
Filosofia é uma forma de enxergar o mundo além das nossas capacidades. É achar ordem no caos, tentar entender como as coisas funcionam, sem as ferramentas da Ciência para nos ajudar. Demócrito (460AC/370AC) criou o conceito de átomo milhares de anos antes da Ciência descobrir o mundo subatômico. A filosofia era a muleta (no bom sentido) com o qual os cientistas do passado se amparavam, quando não tinham como fundamentar suas hipóteses com observações e experimentos.
Infelizmente essa função persistiu, mesmo hoje quando temos tecnologia e metodologia para usar o Método Científico, o que resulta em filósofos dando pitaco sobre exploração espacial, vida alienígena, eficácia de vacinas e novela das oito.
Mesmo assim, não tenho problemas com essa filosofia que se tornou uma espécie de vírus, e a única função de um filósofo é produzir novos filósofos. Meu problema é com correntes específicas, que propõe idéias absurdas na maior cara de pau.
Vamos a algumas delas:
1 – Solipsismo:
A definição do Gepeto:
“Solipsismo é uma teoria filosófica que defende que somente a consciência individual é conhecida ou provável, e que não há nenhuma forma de verificação objetiva da existência de outros indivíduos ou do mundo externo. Em outras palavras, o solipsismo afirma que a única coisa que podemos ter certeza é da nossa própria existência e consciência, e que tudo o mais é meramente uma construção da nossa mente.”
Solipsismo surgiu na Grécia Antiga (claro) com um tal de Gorgias, passando até por Kant, e é visto como uma idéia radical da filosofia. Segundo eles, nada existe. Eu não existo, o Papa não existe, a Luciana Vendramini não existe e o Olavo também não existe (mais). Só VOCÊ existe.
Imagine o grau de arrogância que uma criatura precisa para se dizer solipsista. EU sou o Centro do Universo, tudo que existe é criação da minha mente. Todo mundo com quem interajo, todo lugar para onde vou, é tudo na minha mente.
A cura do Solipsismo é uma bela tapona no comedor de lavagem, mas normalmente o sujeito acaba no máximo ganhando uma salinha no final do corredor e ninguém senta perto dele no refeitório da universidade.
2 – O Universo Simulado
Sabe os dias em que você acorda sem vontade, mesma rotina, nada acontece e se sente um verdadeiro NPC, como o Ryan Reynolds no divertido e subestimado Free Guy? Existe uma corrente filosófica que defende que toda nossa vida, na verdade todo o Universo observável é uma simulação.
Cada estrela, cada planeta, cada folha voando ao vento, é uma simulação em um computador de uma espécie alienígena com poderes basicamente divinos. Ninguém sabe quando a simulação começou, quem a está executando ou qual seus objetivos.
Eu, você, Putin, o jornaleiro da esquina? Somos personagens pré-programados, sem nenhum livre-arbítrio real ou consciência, nós apenas achamos que somos sencientes. Ou então, as entidades que rodam a simulação existem em um estágio de consciência tão avançado que nosso nível de pensamento, que para nós é a base de nossa existência, nada mais é que uma sub-rotina básica e um problema computável (sorry, Penrose) facilmente resolvido.
Há cientistas que embarcam nessa groselha e pesquisam meios de “provar” que vivemos em uma simulação, em geral a idéia é estudar fenômenos quânticos tão pequenos que seria impossível simulá-los mesmo no computador mais rápido imaginável.
Outros filósofos defendem que se quando uma falha na simulação permite que ela seja detectada, ela é resetada e a falha corrigida. Sim, as Wachowski mamaram muito nas tetas da teoria do Universo Simulado, pra escrever Matrix.
É impossível provar a Teoria da Simulação, assim como é impossível negar a possibilidade. É uma clássica masturbação filosófica com efeito zero no mundo real.
3 – Relativismo Moral
Essa corrente filosófica foi meio que seqüestrada pela turma do Tumblr e a brigada do Politicamente Correto, mas tem origens mais profundas. O conceito é por demais irritante para pessoas comuns e racionais, e mesmo pra maioria das irracionais.
O conceito é que não existe Moralidade absoluta. Isso pode ser entendido de forma extremamente inteligente. Na Summa Theológica, Tomás de Aquilo dedica vários capítulos para destrinchar os Mandamentos e demonstra que mesmo um dos mais importantes, “Não Matarás”, não é absoluto, e em algumas situações é aceitável, e até imperativo matar em prol do Bem maior.
Na prática, a turma do Relativismo Moral parte do princípio que se a sociedade ocidental (branca de preferência) faz alguma coisa, é errado, mas se uma sociedade “oprimida” fizer a mesma coisa, tá liberado.
Qualquer menção a interromper gravidez de um feto com deficiência física ou mental detectada é considerada abjeta, mesmo pela turma pró-aborto. Acusações de eugenia voam para todos os lados, e qualquer atitude nesse sentido depois da criança nascer é algo impensável.
Aí chegamos nos Yanomamis, que praticam infanticídio ritual. Segundo o Fantástico:
“Criança com deficiência física, gêmeos, filho de mãe solteira ou fruto de adultério podem ser vistos como amaldiçoados dependendo da tribo e acabam sendo envenenados, enterrados ou abandonados na selva.”
A quantidade de gente que passou pano pra essa matéria foi imensa. “É a cultura deles, não podemos julgar”, “nós não entendemos o modo de pensar dos Yanomamis”, “Estamos querendo impor padrões judaico-cristão branco-ocidentais” e outras bobagens.
Quem tinha coragem de dizer que “matar bebês é errado” era tratado como Hitler, que ironicamente não tinha problema em matar bebês.
A turma do relativismo moral quer a cabeça da JK Rowling, mas quando você fala que nove países consideram homossexualidade um crime punido com pena de morte, e esses nove são islâmicos, o passapanito vem com toda a força. A Wikipedia chegou a alterar o mapa, agora mostrando em cor diferente os países onde ser gay é crime capital mas não há execuções recentes, pra tentar tampar o Sol com a peneira.
Eles não acreditam haver uma moralidade absoluta, que altruísmo, proteção dos mais fracos, de crianças e idosos é um imperativo universal. Eles escolhem onde, como e a quem as regras se aplicam, afirmam que você não pode se sentir moralmente superior a astecas que faziam sacrifícios humanos, ou a mulheres que praticam mutilação genital feminina, desgrelando meninas às vezes com cacos de vidro, com base na tradição de que elas foram igualmente desgreladas em sua infância.
4 – Empirismo
Sabe aquela bobagem “quem sabe faz, quem não sabe ensina”? Tem uma filosofia disso, é o empirismo, defendida por gente boa como John Locke e o delicioso Francis Bacon.
O empirismo fazia sentido na época em que todo o conhecimento humano daria pra ser escrito nas costas de um selo, e todo o conhecimento era, assim como Herpes, transmitido oralmente. Na prática os próprios gregos provaram que o empirismo estava errado, com seus livros repletos de observações naturais.
Os empiristas acreditam que conhecimento teórico é inútil, qualquer coisa só pode ser aprendida por via de experimentação prática. Você precisa de contato sensorial para aprender algo, precisa fazer, não ler.
Há um lado correto, no método científico você precisa de experimentação, replicação, do contrário fica restrito a hipóteses não-comprovadas, mas achar que SOMENTE é possível fazer Ciência dessa forma, é uma bobagem. Campos inteiros desapareceriam. Inclusive a filosofia. Hummm…
5 – Determinismo
Pegue o “Está escrito” que alguns religiosos gostam de soltar quando algo dá errado, e eleve à enésima potência. Os deterministas defendem que tudo que acontece no Universo, acontece devido a Leis Científicas, se uma pedra cai, ela cai devido à gravidade. Até aí tudo bem, mas para eles você soltar a pedra também é pré-determinado por Leis e fatores que recuam até o Big Bang.
Conhecendo todas as Leis envolvidas, seria possível determinar a posição de cada partícula do Universo, em qualquer momento, mesmo os sistemas caóticos seriam derivados. Ao mesmo tempo isso demonstra que temos zero livre-arbítrio, cada decisão, cada encruzilhada que viramos à esquerda ou à direita, tudo pré-determinado.
Para eles o Universo é um imenso show de marionetes com cada movimento devidamente roteirizado. Temos apenas a ilusão do livre-arbítrio, e mesmo que consigamos entender completamente o Universo, seremos incapazes de alterar nosso destino um milímetro sequer.
Bem, determinismo ou não, eu vou alterar meu destino, indo pro bar. Bye!