Batalhar de Samar: Davi vs Golias em alto-mar

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Uma das três torres de canhões de 460mm do Yamato.

Em 25 de Outubro de 1944 os americanos estavam desembarcando nas Filipinas, cumprindo a promessa do General MacArthur, de que ele retornaria ao território ocupado pelas forças japonesas. As informações eram que os navios japoneses estavam se afastando da costa, e o maior trabalho era combater forças em terra e eventuais submarinos inimigos.

Essa era a principal função do Taffy 3, uma pequena força-tarefa composta de 6 mini-porta-aviões de escolta. Esses porta-aviões baby eram pequenos, baratos e, bem… pequenos mesmo. Os seis navios do Taffy 3 eram Classe Casablanca, com 7800 toneladas de deslocamento. O Minas Gerais, aquele porta-aviões velho que o Brasil tinha, deslocava 19900 toneladas, quando em plena carga.

Além dos porta-aviões, o grupo contava com três destróieres Classe Fletcher (2100 toneladas) e seis destróieres de escolta, (1300 toneladas).

Tudo ia bem, até que o Taffy 3 começou a receber alertas de que havia inimigos por perto. Logo fumaça no horizonte marcava a posição japonesa. Indo em direção aos americanos, todo o poder da 1ª Força de Ataque Móvel da Marinha Imperial.

Os japas contavam com:

  • 38 aviões
  • 11 destróieres
  • 2 cruzadores leves
  • 6 cruzadores pesados
  • 4 encouraçados

Desconsiderando tudo, desconsiderando todo mundo, UM dos encouraçados japoneses era o IJN Yamato, apenas o maior e mais poderoso navio de guerra a ser lançado ao mar. Somente ele deslocada 72000 toneladas, mais do que toda a frota inimiga combinada.

Em verdade, só uma das torres de canhões do Yamato pesava mais do que um destróier americano.

Vendo que o bicho ia pegar, o comandante americano mandou os porta-aviões se deslocarem para uma zona de chuva, que tornaria mais complicado o ataque japonês, já que toda a identificação de alvo era visual.

Caças decolaram, mas estavam armados com bombas incendiárias e cargas de profundidade, inadequadas para combater navios com blindagem.

Os destróieres começaram a criar uma cortina de fumaça, para impedir que o inimigo alvejasse os porta-aviões, mas com isso se tornaram eles mesmos alvos.

No final da formação estava o destróier USS Johnston, sob o comando do Tenente-Comandante Ernest E. Evans. Ele era adorado por seus homens, que não piscaram quando ele falou que estavam embarcando em uma missão provavelmente sem volta, mas que todos deveriam cumprir seu dever.

Evans recebendo o comando do USS Johnston, em 1943

Evans viu que não teria como escapar dos japoneses, então fez o que ninguém em sã consciência faria: Ordenou potência total e virou o Johnston em direção à força japonesa.

Sem entender nada, os japoneses viram aquele minúsculo destróier vir em direção a eles, mais precisamente do cruzador Kumano, de 13 mil toneladas. Fazendo zig-zag, o Johnston desviava das explosões coloridas, usadas para determinar distância.

USS Johnston

A 16Km do navio japonês, Evans ordenou que os 5 canhões de 127mm do Johnston abrissem fogo. Estavam longe, mas os americanos contavam com um trunfo: Os sofisticados computadores analógicos de mira eram alimentados com radares de tiro, que identificavam o alvo E os projéteis, os valores retornados permitiam correções em tempo real muito mais eficientes do que cálculos manuais.

Em cinco minutos o Johnston atirou mais de 200 projéteis, 40 deles acertando a superestrutura do Kumano, danificando a ponte, mastros, etc.

Quando estavam a 10Km de distância, Evans cumpriu a promessa que havia feito ao Chefe de bordo, que havia pedido: “Capitão, eu tenho 10 torpedos a bordo. Por favor, não quero afundar com eles”.

Nessa altura o Johnston já estava sofrendo danos, um tiro inimigo derrubou um mastro, que caiu em cima de um dos lançadores de torpedos. Para azar dos japas, o lançador já estava na posição. Dez torpedos foram lançados. Pelo menos um atingiu o Kumano, destruindo sua proa e colocando-o fora de combate, o navio japonês mudou de rumo e fugiu da luta, junto com o cruzador leve Suzuya (8500 toneladas) que havia parado para dar assistência.

Essa pequena vitória teve seu preço. O Johnston chamou a atenção do Suzuya, que só havia se retirado momentaneamente, do Nagato, um encouraçado de 32000 toneladas, e do todo-poderoso Yamato.

A sorte do destróier acabou quando ele foi alvejado por nada menos que três projéteis de 14 polegadas e três de 6 polegadas. Cada projétil de um canhão de 14 polegadas (355mm) pesava 640Kg.

Canhões de 14 polegadas do USS Texas, uma guerra atrás.

Na ponte o comandante Evans recobrou os sentidos em meio a uma carnificina. Dois dedos de sua mão haviam sido arrancados, ele estava coberto de estilhaços, a maioria dos marinheiros mortos. Ele correu para verificar os danos. Encontrado por uma equipe médica, relutou enquanto faziam curativos, mas recusou morfina, disse para guardarem para casos graves.

Sem comunicações ou eletricidade, Evans foi para a proa do navio, abriu a escotilha para a engenharia e ficou gritando ordens de lá.

O Johnston perdeu metade da velocidade, sua bússola, controle de leve e armamentos. Ele estava praticamente acabado, escondido em uma cortina de fumaça. Para todos os fins práticos, era game over.

Não que o Johnston fosse o único na briga. Os aviões americanos atacavam incessantemente, os cruzadores e outros destróieres tentavam defender os porta-aviões, mas as ordens era para permanecerem próximos.

USS Guadalcanal, porta-aviões de escolta Classe Casablanca.

Isso não agradou Robert W. Copeland, comandante do pequeno destróier de escolta USS Samuel B. Roberts. Desobedecendo ordens, ele abandonou sua posição e foi atrás do cruzador pesado Chōkai, de 16 mil toneladas.

Sim, o Roberts foi atrás de um navio inimigo 12 vezes maior.

Usando de sua agilidade, o Roberts conseguiu desviar dos tiros inimigos até chegar a um ponto em que os canhões principais do inimigo não conseguiam abaixar o suficiente para mirar no pequeno destróier.

O Samuel B. Roberts não era exatamente um transatlântico.

Nesse ponto o capitão havia pedido ao engenheiro-chefe que quando ordenado, desse tudo que podia.

O Roberts normalmente navegava a 20 nós. Com muito esforço e saindo do estaleiro, faria 22, 23. O engenheiro desconsiderou todas as regras de segurança do manual, todos os limites das caldeiras, todas as especificações, confiou na habilidade dos projetistas, no cuidado e atenção dos soldadores e operários que suavam pelo esforço de guerra.

O Roberts atingiu 28 nós, assim que lançou seus torpedos. Um deles atingindo a proa do Chōkai.

A proa do Chōkai.

Ao mesmo tempo seus dois canhões de 127mm atiravam incessantemente contra a superestrutura do inimigo. Foram mais de 600 projéteis, foram os de 40mm e 20mm.

Atingido por alguns tiros inimigos, o USS Samuel B Roberts se torna alvo da atenção de outros navios inimigos, mas nesse momento o Comandante Copeland vê algo inesperado: Saindo da fumaça, capengando mas ainda na briga, o USS Johnston.

Reza a lenda que Copeland viu o Comandante Evans na proa do Johnston, e ambos se saudaram pela última vez.

Os engenheiros a porto haviam consertado tudo, em dez minutos o Johnston tinha eletricidade de novo, incluindo o controle de todas as torres de tiro, menos uma, que funcionava manualmente.

Com a distração, o Samuel Roberts mudou de rumo em direção aos porta-aviões, que estavam sendo atacados por vários navios, inclusive o cruzador pesado Chikuma (15000 toneladas).

Perseguindo o inimigo, Roberts incendiou a ponte de comando do Chikuma, seus tiros ainda colocaram fora de ação uma das torres de canhões de 200mm do navio japonês, mas foi sua última ação na guerra.

Nada menos que três tiros dos canhões de 355m do encouraçado Kongo (37000 toneladas) atingiram o casco do Roberts. Só um desses tiros abriu um buraco de 12 metros no casco.

O capitão deu ordem de abandonar o navio. Dos 201 marinheiros e 21 oficiais a bordo, 90 morreram. Os outros levaram até 50 horas esperando por um resgate.

O USS Johnston por sua vez atirou 30 projéteis no Kongo, tentou salvar o Porta-Aviões Gambier Bay de um cruzador inimigo, quando viu o cruzador Yahagi e quatro destróieres indo atrás de outro porta-aviões.

Johnston conseguiu atingir o inimigo 12 vezes, e com ajuda dos aviões, fez com que o Yahagi abandonasse a perseguição. Os destróieres lançaram seus torpedos cedo demais, e todos erraram, mas com isso todos se voltaram contra Johnston.

Dois outros navios se juntaram ao grupo. Eram três cruzadores e quatro destróieres contra o USS Johnston, que lutou bravamente, mas só adiou o inevitável. Evans deu ordem de abandonar o navio. Ele foi visto em um dos botes salva-vidas, mas quando o resgate chegou, não havia mais sinal de Ernest E. Evans.

O resultado final da batalha:

Os americanos perderam dois porta-aviões, dois destróieres e um destróier de escolta. 1161 homens mortos ou desaparecidos.

O japoneses perderem três cruzadores pesados, dois encouraçados saíram danificados, junto com dois cruzadores pesados e um destróier. 2700 homens mortos ou desaparecidos.

O USS Johnston recebeu 6 estrelas de Batalha e uma Presidential Unit Citation, uma condecoração coletiva para atos de extrema coragem e heroísmo. O capitão Ernest E. Evans recebeu postumamente a Medalha de Honra do Congresso, a maior condecoração militar dos Estados Unidos.

O USS Samuel B Roberts ficou conhecido como “o destróier que lutou como um encouraçado”. Ele recebeu também uma Presidential  Unit Citation.

Um marinheiro em especial não foi esquecido: Durante os momentos finais um dos canhões do Roberts continuou atirando, seu cano vermelho pelo calor das detonações, até que uma carga de propelente detonou por causa do superaquecimento.

Paul Carr

Quando foram checar os danos, encontraram o artilheiro de terceira classe Paul H. Carr caído no chão, um ferimento horrendo e mortal em seu abdômen. Ele recusou ajuda, só pedia para que pegassem o projétil que ele estava segurando no colo e o disparassem contra o inimigo.

Paul Carr não sobreviveu, mas recebeu postumamente uma Estrela de Prata, e foi homenageado em 1981 com a fragata classe Perry USS Carr.

USS Carr

Fontes:


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