Sub-repticiamente (eu sempre quis começar um texto com sub-repticiamente) minha mão achou o espaço entre a calça jeans e a camiseta. Lentamente subindo pelas costas, entre beijos ardorosos, eu esperava o momento em que minha namorada iria reclamar, mas ela estava igualmente entretida e entregue ao momento.
Sem resistência, minha mão chegou ao nirvana: eu estava tocando as costas do sutiã, ingenuamente imaginando que um dos mais complicados mecanismos criados pelo Homem, o fecho do sutiã, seria facilmente vencido pelo meu entusiasmo juvenil.
Mal sabia eu que seria preciso um Alan Turing, se ele gostasse da fruta, para vencer aquela barreira tecnológica, mas divago.
O importante é que enquanto eu tentava me ajeitar dentro do carro, sempre evitando a piada do fusquinha e da alavanca de mudanças, eu me estiquei para lentamente mover minha mão para regiões ainda desconhecidas, quando TOCTOCTOC
Alguém batia no vidro. Seria polícia? Impossível, eu escolhi aquele local especialmente pela segurança e legalidade.
Era o garçom.
Naquele momento, meu jovem e inocente eu descobria que em cinema drive-in havia garçons, e uma forma de chamá-los era… pisar no freio acendendo as luzes traseiras do carro. Desfeito o mal-entendido, minha namorada voltou ao seu modo mais racional, e estava encerrada a aventura do dia, mas o que era um drive-in?
Super comuns em filmes de adolescentes americanos, os cinemas drive-in são um subproduto da cultura automobilística americana, facilitados por um país grande, com espaço para essas extravagâncias.
O conceito é incrivelmente simples: Um grande estacionamento, com uma tela de cinema também de tamanho extravagante. As vagas são posicionadas para que todos os carros tenham uma visão desimpedida da tela. Ao lado de cada carro, um poste com uma caixa de som.
Mais adiante isso foi substituído por transmissores de FM, você sintonizava o rádio do carro em uma frequência vaga, e ouvia o som do filme. Não que muita gente estivesse interessada no filme.
Drive-ins eram especialmente atraentes para jovens, que tinham uma oportunidade de trocar uns amassos, sem o constrangimento ou risco de um lugar público. Para as meninas era mais simples dizer que iam ao cinema com o namorado e as amigas (sem especificar). Também era mais fácil convencer a guria a ir ver Grease no Drive-in do que ir para uma praia deserta ver corrida de submarino (sim, a gente usava essa desculpa).
O Brasil não teve tantos Drive-ins quanto os EUA, mas alguns foram memoráveis, como o da Lagoa (1966-1993), que era programa familiar, ou o da Ilha do Governador, o último Drive-in de verdade do Brasil. (Havia outro na Barra, mas não tinha nem telas, as vagas eram garagens fechadas, no papel era Drive-In, na prática, era motel de (muito) baixa renda.)
Ir com amigos no Drive-in era um evento, minha turma sempre dava jeito de embarcar uns 2 ou 3 no porta-malas, até o povo do Drive-in começar a desconfiar e revistar o carro na entrada.
O Drive-in para o Jovem era uma evolução da arte de namorar em cinema, um passo importante quando a gente ainda não tinha idade (nem dinheiro) para ir em motel, e de qualquer jeito nenhuma namorada toparia. Não que cinema comum não tivesse seus méritos.
Ir ao cinema hoje em dia não é mais um evento, é quase um estorvo. A gente tem que pegar trânsito, achar vaga, pagar estacionamento no Shopping, se irritar com um monte de gente em volta, fila pra entrar fila pra pipoca fila pra pizza…
O velho cinema de rua era completamente diferente. Eu sei, soa estranho, mas a vibe é completamente diferente quando todo mundo à sua volta está ali pelo cinema, e não pela liquidação da Dimpus, comprando salsicha no Carrefour, levando o Cléverson Carlos pra fazer bota ortopédica…
No cinema de rua havia toda a tensão de chegar cedo, pois não havia lugar marcado. Sempre tinha um do grupo que chegava em cima da hora, o povo que saía pra comprar McDonald’s e perdia o começo do filme…
Namorar no cinema convencional era bem mais complicado do que no Drive-in, as meninas tinham reputações a manter, e a geografia do local impedia movimentos mais ousados.
Uma das estratégias mais (in)falíveis era bocejar e esticar os braços, abraçando as costas da cadeira da menina, no movimento menos inconspícuo do Universo (eu também sempre quis usar inconspícuo).
Na prática, meu lado nerd me sabotava, eu sempre escolhia filmes que queria ver, então acabava prestando atenção na tela, e não na companhia. Não que as companhias reclamassem. Meh.
O cinema de rua sempre foi um evento, chegar e ver a fachada iluminada com o nome do filme era parte da magia. Os salões com tapetes vermelhos, decorações em bronze por todo lado, laboriosamente polidas pelos muitos funcionários, e mesmo no subúrbio era assim, o Imperator, no Méier, foi um dos cinemas mais elegantes do Brasil.
A Cinelândia, hoje, vive apenas do nome, mas já foi a Meca do cinema do Rio de Janeiro. Nenhum cinema de shopping se compara a um Metro Boavista, Palácio ou a um Odeon. Em termos de acústica, clima, grandiosidade, e inigualável. Eu dei a sorte de assistir Avengers: Endgame no Odeon, e o cinema contribuiu muito para a experiência.
Dizem que o Covid matou o cinema. Essa morte anunciada já teve outros autores, o cinema teria sido morto pela TV, pelo streaming, pelo VHS, BluRay e pelo DVD, mas a verdade é que o cinema já estava morto.
O cinema raiz, o cinema de rua, esse não existe mais faz tempo. Assim como o Drive-in, é uma lembrança do passado. Ir ao cinema não é mais um evento, não é mais um encontro de amigos, uma celebração de interesses em comum. Hoje, para o Jovem, ir ao cinema é uma forma mais incômoda e desagradável de assistir a algo que ele veria no celular de qualquer jeito em uns 15 ou 20 dias.
Eu sinto falta do cinema como evento, sinto falta das companhias de cinema, de ficar horas conversando entusiasmadamente sobre o filme. Hoje ninguém tem tempo pra nada, e de qualquer jeito o tiktoker preferido já disse tudo que as pessoas devem achar sobre o filme.
Os tempos modernos mataram o cinema, mesmo na parte da sacanagem. Ninguém vai mais ao cinema na esperança de tirar uma casquinha da paquera. Inventaram um tal de Netflix & Chill, que é jovem-code pra sacanagem, inventado por uma geração tão puritana que é incapaz de dizer explicitamente que querem fazer sacanagem.