A complicada e perigosa diversidade d’A Bela e a Fera

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Primeiro de tudo, tirando do caminho: Falhei miseravelmente na minha previsão, a Disney não foi ousada como eu imaginei.

Segundo, rápida resenha: É maravilhoso, é lindo, é pura Magia Disney. A Mione está maravilhosa, o Gaston está odioso, a Fera está incrível. A história foi ampliada, várias coisas que funcionam no desenho mas ficariam estranhas no filme foram explicadas e os efeitos visuais são candidato certo ao Oscar 2018. Fizeram tudo certo, até ao não tentar replicar uma cena magistral do desenho, e que seria motivo de comparações. 

Sim, a Disney errou ao tentar capitalizar com a história de que o LeFou era gay. No filme é algo tão sutil e inofensivo que nem valeu artigo aqui. O erro e o perigo neste filme está em um buraco muito, muito mais embaixo: Diversidade.

Não no bom sentido. Não há alma viva no planeta que não ache o Idris Elba fodástico como Heimdall.

Sim, é ridículo um deus nórdico negro, mas não há nada demais em um alienígena de uma cultura multiétnica e que não saía de seu posto para peruar na Terra, os vikings que deduziram que ele seria branco. Racebending não é algo ruim, se não afetar a essência do personagem. Luke Cage branco não funciona, já o Michael Clarke Duncan como Rei foi a única coisa que prestou do filme do Demolidor.

Ele foi a melhor encarnação do personagem até o maldito Vincent d’Onofrio encarnar o Rei de tal forma que se tornou mais popular que o Demolidor.

Seja a Skie em Agentes da Shield, ou a Agente May, ou o Pantera Negra, bons personagens diversos são bem-vindos. O que a Bela e a Fera fez não foi isso.

A história é um samba do crioulo doido cronológico, se passa em algum ponto entre 1591 e 1889, pois tanto Shakespeare quanto a Torre Eiffel aparecem. É uma vila no interior da França, no Vale do Loire. Franceses não são o povo mais receptivo do mundo, a Bela é estigmatizada por gostar de ler, mas estranhamente não há qualquer tensão racial no local.

Antes que o Tumblr reclame, não há negras só entre as lavadeiras. Boa parte da corte do palácio do Príncipe Bieber é composta de nobres negros.

A Madame Garderobe é dublada pela magnifica Audra McDonald, uma cantora lírica negra com 6 Tonys no armário. E eu percebi que isso me incomodava. Parecia que alguém abriu uma planilha no Excel e ficou contando quanta gente de cada cor havia, marcando pontos de Diversidade. A água entornou quando mostraram que a Madame Garderobe era casada com o Maestro do Palácio.

Esse festival de integração, com direito a casamentos inter-raciais DEFINITIVAMENTE não aconteceria no interior da França no final da Renascença.

“Ah Cardoso mas é um conto de fadas com relógios falantes e um candelabro tarado você quer mesmo traçar a linha nos personagens negros?”

Não, por isso estranhei meu desconforto. Até que pensei melhor e percebi que havia realmente motivo para me preocupar.

Ao forçar a barra e incluir diversidade em uma história passada em um período “real”, e as crianças VÃO associar com… um período real, você está enfiando na cabeça delas uma imagem falsa. Está vendendo a idéia de que a situação das minorias naquela época era bem melhor do que realmente foi. Dizem que a História é escrita pelos vencedores, mas temos aqui um grupo de militantes com a melhor das intenções literalmente apagando um período negr-ruim da História, em prol… da diversidade.

Uma criança negra não vai ver A Bela e a Fera e perguntar pra mãe por quê não há gente da cor dela na história. A mãe não vai ter a oportunidade de explicar que o mundo era bem mais injusto, e que é dever dela continuar lutando por mais e mais justiça e igualdade. A criança vai ver um monte de cortesãs iguais a ela e achar que tudo está bem.

Apagar a História, jogar um tapete mágico ou não em cima dos erros do passado não é o caminho. E sim, Hollywood tem esse poder todo. Quer um exemplo?

O caubói que dá cem tiros de uma vez é um mito. Foi completamente criado por Hollywood, mesmo no tempo do show itinerante de Búfalo Bill as histórias sobre o velho oeste já eram basicamente lorotas. O que chamamos de caubói é o bom e velho peão, e não eram sujeitos brancos pistoleiros durões. 1/3 deles eram mexicanos, 1/4 eram negros libertos. Todos trabalhavam de sol a sol cuidando do gado, e nem os chapéus eram os mesmos dos filmes. Armas? Custavam caro e eram restritas em muitas cidades.

Butch Cassidy e Sundance Kid ficaram famosos justamente por serem exceção. Em um período de 40 anos contabilizando 15 Estados do Velho Oeste, foram registrado OITO roubos a banco. Segundo Hollywood deveria ser um por dia. Por banco.

Quer outro mito?

Não, a bíblia não fala nada de hebreus construindo pirâmides. Isso quem inventou foi Hollywood, e hoje é IMPOSSÍVEL desassociar a imagem, por mais que toneladas de evidências arqueológicas mostrem que as pirâmides foram construídas por trabalhadores livres bem pagos e bem alimentados. Acharam até relatórios dos capatazes, em um deles um dos trabalhadores pediu e ganhou o dia de folga pra ficar em casa… fazendo cerveja.

Há inúmeros mitos perpetuados pela cultura popular, que são impossíveis de apagar. Outro exemplo?

Napoleão tinha 5 pés e 2 polegadas de altura. Em unidades francesas. Isso equivalia a 5 pés e duas polegadas imperiais, ou 1,70m em unidades modernas. A média de altura para homens na França na época era 1,65m. Napoleão era um pouco acima da média, mas a mídia lacradora do tempo não se preocupou com esse detalhe. Hoje QUALQUER representação de Napoleão o coloca como baixinho enfezado.

Eu escrevo isso aqui, você lê e esquece. Liga a TV, TODO Napoleão é baixinho, vai acreditam em quem?

A Militância Lacradora que está adorando diversidade n’A Bela e a Fera está dando um tiro enorme no pé, a longo prazo. Estão fazendo aquilo que acusam os homens brancos cis pirocos opressores patriarcais: Estão apagando a presença REAL de minorias na História, em prol de uma presença romanceada. Fingir que racismo não existe ou não existiu é errado. Ponto.

A Warner Brothers sabe disso. Eles tem um passado bem complicado, muitos desenhos eram inegavelmente racistas, mas eles não os apagam de suas coletâneas.

Ao invés disso eles precedem os desenhos com um alerta que é em essência tudo que estou tentando dizer aqui:

“Os desenhos que você vai assistir são produtos de seu tempo. Eles podem mostrar alguns dos preconceitos étnicos e raciais que eram comuns na sociedade a americana. Essas representações eram erradas na época e são erradas hoje. Embora não representem a visão da sociedade atual da Warner Brothers, esses desenhos estão sendo exibidos como foram originalmente criados, de outra forma seria o mesmo que alegar que esses preconceitos nunca existiram”

A Disney fez o oposto. Em prol da Diversidade reescreveu a história e criou um passado cor-de-rosa, vendendo uma imagem de harmonia e integração que nunca existiu. Pior, a militância está aplaudindo, pois só pensam no imediato.

Curiosamente isso tudo foi previsto em um episódio de Drawn Together, quando a Disney sequestra e destrói os personagens de desenhos antigos, considerados racistas.

Esquecer o passado é perigoso, apagá-lo voluntariamente é criminoso, fingir que algo que te incomoda não existe já é complicado, mas quando quem faz isso é justamente o lado incomodado, aí já se torna idiota. Espero sinceramente que isso não se torne uma tendência. pois a única coisa pior que um militante do Tumblr que vê racismo em todo lugar é um militante da Disney que não vê em lugar nenhum.


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