Oh, thinking about those young years…

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Que tal um momento de lirismo, estilo Túnel do Tempo? O Poeta Sérgio Antunes escreveu, lá nos anos 80, um belo texto sobre o que era ter 18 anos nos 60, e foi tão legal que me dei ao trabalho de digitá-lo, e em um momento de arqueologia, encontrei o texto. Divirtam-se, é danado de interessante.

ATUALIZAÇÃO:
A Internet é uma coisa maravilhosa. Recebi um email do próprio Sérgio, achou este humilde post e o comentou. São momentos assim que fazem o dia valer a pena. Obrigadão, Sério!

Texto de Sérgio Antunes

“Eu sou do tempo em que todas as cuecas eram brancas, assim como os colarinhos e as geladeiras.” Quer dizer, eu sou nascido na década de 40, logo depois que a guerra acabou. Assim, minha geração entrou nos anos 60 com seus 18 anos. Mas, afinal, como era ter 18 anos naquele tempo ?

“Eu sou do tempo em que todos os criados eram negros, assim como os telefones e as gravatas-borboleta.” No começo dos anos 60, Jânio Quadros era o presidente; Brizola, governador do Rio grande do Sul; e Adhemar de Barros governava São Paulo. Depois de proibir briga de galo e biquini em concursos de miss, Jânio mandou um bilhetinho renunciando, e João Goulart assumiu o Palácio da Alvorada, em Brasília, Recém-inaugurado por Juscelino.

“Eu sou do tempo em que os mocinhos eram bons, assim como os padres e os americanos.” A tevê transmitia em preto e branco, e o grande sucesso era O Direito de Nascer, novela escrita por um cubano, Felix Cagnet, na extinta TV Tupi. Quem tinha 18 anos ouvia bossa nova, na voz de João Gilberto, e já falava “voxê”, não por causa da Xuxa, mas devido a um sucesso de Jorge Ben, embora o quente fosse música americana, The Great Pretender, com The Platters (um disco pequeno, com 2 faixas de cada lado), que a gente ouvia em hi-fi, nos discos stand-play. Silvio Santos já vendia Baú da Felicidade, embora o quente fosse comprar cesta de natal Amaral; Chico Anysio já tinha um programa semanal , mas sucesso era o Ronald Golias, na TV Record. Não havia videoteipe, transmissão a distância e nem câmera lenta.

“Eu sou do tempo em que os comunistas eram maus, assim como os japoneses e os bandidos do cinema.” E, no cinema, quem fazia sucesso eram Rock Hudson (esse mesmo) e Doris Day, uma loira sem sal. Havia um canastrão chamado Pat Boone e uma adolescente chamada Sandra Dee, mas o James que a gente curtia ainda não era o Bond, mas o Stewart.

“Naquele tempo, Brim Coringa não encolhia, Melhoral não fazia mal, existia limbo, e eu tinha um cachorro ensinado.” Os homens usavam calça boca-de-sino, que parecia uma clarineta, tinham camisa de ban-Lon e Sete Vidas nos pés. Calça jeans se chamava Rancheira e era vendida em armazém. As barras eram dobradas, várias vezes, assim como as mangas das camisas, e o cabelo tinha que ser penteado para trás, o que fazia com que os moços de 18 anos dormissem com a meia da mãe na cabeça empastada de Biocream. As meninas vestiam chemisiers, com as saias retas ou evasees, de preferência de tergal, e logo depois vestiam tubinhos. Ainda obedeciam aos pais, tinham hora para chegar e faziam enxoval para casar. Havia bailes com orquestras – Luis Arruda Paes ou Silvio Mazzuca – que imitavam Ray Connif, além das brincadeiras dançantes. Todo mundo dançava samba (liso ou crespo), rock (junto ou solto) chachachá e hully-gully. Nas brincadeiras ou matinês dançantes, alguém ficava com um chapéu para pôr na cabeça do outro, de quem tomava o par, e as mulheres ainda davam tábua quando não queriam dançar com um cafajeste. Bebida era cuba-livre (rum com coca-cola), samba (pinga com coca-cola) ou hi-fi (crush com gim), o que, certamente, nos obrigava a tomar, depois, Alka Seltzer, para a ressaca. Droga, nem pensar ! No máximo Perfitim, remédio para não dormir, consumido nas provas escolares, ou Melhoral com cigarro Continental sem filtro, cuja mistura acabava fazendo com que os garotões tivessem atitudes estranhas, como quebrar antena de Simca-Chambord – o carro da época – ou lâmpadas dos postes de iluminação.

Quem se interessava por política ouvia música de protesto do Vandré, lia padre Lebret, Michel Quoist e Carlos Heitor Cony, citava Sarte e Simone de Beauvoir, sem ter lido, e adorava participar de algum movimento de juventude, tipo JUC, LEC ou outra sigla qualquer. Ah, odiava os imperialistas americanos ! Esses eram os engajados. Ao contrário dos alienados, que praticavam esporte, ouviam a jovem guarda e jogavam boliche, sem citar ninguém. Porém todos usavam pomada Minâncora contra espinhas.

“A vida era simples, como eu, naquele tempo.” Mas no colégio ainda ensinavam latim, espanhol e filosofia. Ros, rosae. Nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo. Silogismo, premissa maior e palavras heterossemânticas. Enfim, era uma barra entrar na faculdade, cujas opções eram medicina, engenharia e direito. Economia e odontologia, só para quem levasse pau nas outras. Mas se passasse, perigava ganhar de presente uma lambreta.

Ter 18 anos no começo dos anos 60 era querer ter um calhambeque, usar topete e mascar chiclete. Mas era sonhar ter à disposição o apartamento de um amigo (não existia motel), sonhar em ter duas namoradas (uma avançadinha, para tirar o sarro, e outra séria, para casar) e, ainda, sonhar com o Corinthians campeão, que o Santos do Pelé não deixava.

Enfim, “A vida era simples, como eu, naquele tempo. E a morte era apenas uma velha encapuzada que aparecia no reclame do Capivarol”.


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