Tradução é mais ou menos como prostituição (com diferença que a última é mais respeitada e compreendida enquanto profissão): Recebe-se pelo que se paga, e quem cobra mais barato vai acabar com sua reputação e te deixar com um gosto ruim na boca. Também há muito mais profissionais baratos do que caros, e quem não conhece insiste que são a mesma coisa.
E lá como cá os clientes não aprendem. O mercado de TV por assinatura, que deveria ser maravilhoso para os tradutores, se mostrou um eldorado para os cucarachos de Miami que um dia transaram com uma vizinha que por acaso andou no mesmo elevador que uma vizinha que pegou, olhou e devolveu uma garrafa de “Chacaça From Brazil” no mercado.
Com o currículo acima o sujeito já se encontra qualificado (segundo os canais de TV) para traduzir inglês/espanhol para português.
Isso resulta em absurdos como “Cruisers”, “Cruzadores” no original em inglês ter sido traduzido corretamente para o espanhol “Crucero”, e dali para o português… Cruzeiro. Pois é, segundo o History Channel os ingleses e alemães se enfrentaram no Rio da Prata em uma Batalha de Cruzeiros. Será parte da reforma econômica do Getúlio?
Já viu “Jerked Beef”, que pode (mal) ser traduzido por “carne seca” (já que não temos aqui o tal jerked beef) ser chamado de… Bife Estúpido. Pois é. O tradutor viu “jerked”, associou com “jerk”, “idiota, no sentido de babaca” e tascou “estúpido”.
Nas batalhas aéreas ninguém tem aviões, só “naves”. E a Segunda Guerra Mundial foi uma Batalha dos Emos, é cheia de “Decepções”. Pena que “Deception” é “artimanha, engodo”.
Pior, essa horda de tradutores sem cultura-geral OU conhecimento de nenhum dos dois idiomas envolvidos está fazendo cama nos livros também.
Há um livro EXCELENTE, de William Weir, 50 Batalhas que Mudaram o Mundo (link para o Buscapé, na página da Cultura dá pra ler o 1o Capítulo) que foi estragado pela tradução. MESMO. A tradutora, Andréia Nastri, muito provavelmente usou um programa automático e deu uma revisada. Há erros… constrangedores, que aluno do CCAA de 1o Semestre não comete.
Por exemplo: “Repeating Rifles”, “Rifles de Repetição” virou…
Rifles de Imitação.
Em outra parte ela fala sobre Placídia, mãe do Imperador Valentiano:
“Bonita, inteligente, e com um testamento de ferro (…)”
Será que alguém que se diz TRADUTORA não sabe que “Will” é testamento mas também é “vontade, desejo”? Será que esse robô não percebe que “testamento de ferro” não faz sentido?
Calma que piora. “Eles serviram abaixo as ordens de Teodorico, o Rei dos Visigodos”. Não, querida. Serviam “SOB” as ordens de Teodorico. Como alguém se torna tradutor sem NENHUM vocabulário?
Até então nesse universo de traduções ruins, principalmente na mídia eletrônica havia uma ilha de excelência. Era a Disney. Com cobrança rígida da qualidade das traduções, aprovação final de vozes, controle total sobre a qualidade de seu produto. Quem viu WALL-E reparou que quase todos os textos e placas estão traduzidos, renderizaram as cenas para encaixar textos em português, trabalho de primeira.
Aí vejo o trailer para o novo desenho da Sininho (Tinker Bell é o cacete, respeitem minha infância) no UOL. Logo no começo (segundo vídeo) e temos a… ABERRAÇÃO, o CÂNCER, o analfabetismo galopante:
É sério?
Um produto da Walt Disney Corporation, que em 1950 montou uma escadaria no estúdio e colocou um casal vestindo figurinos de época para se movimentar e servir de referência para os animadores, a empresa que montou coisas LINDAS como o Epcot Center, que conseguia criar letras com SIGNIFICADO para suas músicas, em cada versão nacional (“Under the Sea” virou “Onde eu Nasci” e ficou perfeito, manteve todo o sentido da letra) me faz uma dessas?
Eu quero CABEÇAS, eu quero que -na melhor tradição muçulmana- a mão de quem escreveu “dês que a gente acredite” seja cortada. O nariz também, caso tente digitar com a testa.
Se não por mim, pensem nas crianças.
Agradecimentos ao Jefferson por ter encontrado essa pérola…