Uma das constatações da vida é que nossos ídolos têm pés de barro, esqueletos no armário. Ninguém está livre. O primeiro estadista a promover uma campanha nacional antifumo, o primeiro a patrocinar pesquisa científica séria que associou fumo a câncer e outras doenças tinha atividades paralelas que acabaram diminuindo sua imagem como Campeão da Saúde.
Não há nada errado em ter modelos, mas ao atribuir status de perfeição eles se distanciam da humanidade, o que dá margem a posições no mínimo ridículas, como a Igreja Católica na Idade Média defendendo que “Jesus não ria”.
Vamos a um exemplo: Os cristãos dizem “Jesus se fez Homem”, “O verbo virou carne” e outras alegorias. OK. Pergunte em um fórum cristão: “Jesus peidava?”
Imediatamente teremos uma mini-inquisição, um monte de gente se sentirá ofendida, achará um absurdo, bla bla bla.
Gente, ou era Gente ou não era Gente. Se era gente, peidava. Até mulheres bonitas peidam, os Mythbusters já comprovaram.
Se você precisa de ídolos, exemplos, líderes perfeitos, você tem problemas. Se você precisa da perfeição de seus ídolos para acreditar em seus exemplos, você tem mais problemas ainda.
Na maioria dos casos a inspiração causada pelos ídolos é muito maior do que eles mesmos. Neste post do Chapéu, Chicote e Carbono-14 o autor comenta:
Eu sei, estou careca de saber, que o bom e velho Henry “Indiana”
Jones Jr. não é exatamente o sujeito adequado para refletir como é a
arqueologia na vida real. PelamordeDeus, o cara é praticamente um
ladrão de tumbas. Contexto arqueológico? Não trabalhamos. (Também nem
dava. Toda vez que o principal artefato era tocado, o sítio inteiro
desabava…)E, no entanto, pataquadas à parte, Indy e companhia bela conseguiram
inculcar em jovens mentes impressionáveis (tipo a minha aos nove anos
de idade) o essencial: o passado pode ser uma aventura. E o passado importa. Portanto, é uma honra colocar a surrada fedora na cabeça, nem que seja metaforicamente. Vamos em frente.
Não é só ele. Scotty era um péssimo engenheiro, sempre inventando gambiarras e maceteando os sistemas de segurança da Enterprise. Pombas, ele cometia fraude de forma institucionalizada, multiplicando por 4 os prazos, para ganhar fama de milagreiro.
Dr McCoy então vivia perdendo pacientes, fazia tratamentos não-homologados, chegou a atender pacientes estando bêbado.
Lara Croft – Outra arqueóloga que inspirou muitos jovens
Mesmo assim toda uma geração de médicos e engenheiros foi formada por inspiração desses dois. DeForrest Kelly conta que já nem lembra mais quantos médicos o encontraram e disseram que resolveram seguir carreira por sua causa. James Doohan era recebido por engenheiros e cientistas de verdade como um de seus pares.
Quando Nichelle Nichols pensou em sair de Star Trek, por não fazer mais do que serviço de telefonista da Enterprise, o Dr Martin Luther King Jr a convenceu a ficar, pois era um exemplo para milhares de meninas negras.
Em 1992 a Dra Mae Jemison se tornou a primeira mulher negra astronauta. Sua inspiração? A Tenente Uhura, de Star Trek.
Nichelle Nichols foi amante de Gene Roddenberry, e muito provavelmente por isso conseguiu o papel.
E DAÍ?
Eu vejo um movimento muito ruim de “destruição de ídolos”, há todo um grupo que tem prazer em dizer “fulano não presta”, referenciando-se a todo e qualquer ser humano que ouse sair do lago de merda que é a mediocridade corrente.
Uma vez um sujeito em uma lista reclamou da série ROMA, da HBO, dizendo que mostrava Julio Cesar de forma muito mundana, que não era bom que figuras históricas agissem como gente de verdade, que isso era um “desrespeito”.
Discordo totalmente.
O Reinaldo, do Carbono-14 não é o primeiro nem será o último a se interessar por arqueologia graças a Indiana Jones. Não será o primeiro nem o último a perceber que Indy não é perfeito. Espero que ele perceba, isso sim, que não é necessário ser perfeito para INSPIRAR outros.
Criar ideais inatingíveis é uma forma de controle, garante que no máximo as pessoas almejarão ficar abaixo de você, seu posto está garantido. Destruir ídolos também é uma forma de garantir a mediocridade. Se ninguém vale nada, para quê se esforçar?