Outro dia dei uma legítima gargalhada com um dos fãs do Israel, aquele guri canadense que insiste ser meu nêmesis. Achando que eu realmente usaria meu blog para atacar seu ídolo, o fã descobriu em toda sua inteligência e perspicácia um dos slogans que uso, ali abaixo da logomarca. e denunciou o “ataque”:
“Fortune and Glory, Kid. Fortune and Glory.”
Imagine a reação fanática (com trocadilho) se tivesse visto a outra citação de Indiana Jones que costumo usar:
“You lost today, kid. But that doesn’t mean you have to like it.”
O erro do garoto (e estou assumindo que não deva ter mais de 12 anos) foi achar que meu global era influenciado pelo local, em uma espécie de paranóia esquizofrênica, procurando padrões, fazendo piadinhas e referências o tempo todo a um assunto específico e localizado.
Basicamente ele deu muito mais importância a algo menor, achou que eu fazia o mesmo, e teve uma interpretação errada sobre o slogan do blog.
Agora vejo isso se repetindo. Na China.
Avatar, em chinês 阿凡达, “ā fán dá”, está deixando o público de cabelo em pé (acharam que eu iria dizer “olhos arregalados?” Não escrevo pro Zorra) não só por causa dos efeitos visuais mas… preparem-se…
Pela profunda compreensão da parte de James Cameron sobre o problema dos chineses expulsos de suas casas pelos governos locais, por estarem no caminho de obras.
O caso é bem sério, há tantos eventos de despejo e demolição que em 13 de Novembro do ano passado uma pobre mulher em Chengdu se desesperou a ponto de botar fogo em si mesma, protestando contra uma ordem de despejo recebida. Sim, eu lembrei da clássica foto do monge em chamas protestando contra a Guerra do Vietnã.
Nos comentários do ChinaSmack sobre avatar temos:
“Condeno veementemente o diretor ocidental por usar Avatar para faze alusão à situação corrente da China!!”
“Companhias de demolição chineses deveriam processar James Cameron por pirataria/violação de copyright”
“Avatar mostra o profundo conhecimento e preocupação do diretor com os casos de despejo e demolição na China”
Os dois primeiros indicam que existe sarcasmo na China, o que é um bom sinal.
Há relação entre o fanboy que abriu o artigo e essas pessoas? Humm… não. O primeiro é uma cavalgadura que acha que o mundo gira em torno de seu pequeno herói, e não reconhece citações de um dos filmes mais populares de todos os tempos.
Já os chineses estão assistindo um filme que está ressoando em suas experiências pessoais. Todo geek se identificou profundamente com Matrix, bons filmes têm esse efeito.
É CLARO que James Cameron está cagando e andando pros despejos na China, mas se a mensagem ressoa, se o filme inspira e traz à tona a situação dessas pessoas, qual o problema?
O único erro seria achar que Avatar foi criado especificamente como alegoria para tal situação. Isso demonstra extrema arrogância, é uma auto-importância que foge dos limites da sanidade. Aliás um dos sintomas da esquizofrenia é a paranóia. Vide os malucos com chapéus de papel-alumínio para evitar que o Governo leia seus pensamentos.
De resto, a grande lição é para quem escreve. Depois que você solta o texto, está sujeito a todo tipo de interpretação. O fato de ser uma interpretação errada pode ter consequências benignas, como no caso de Avatar na China, ou pode ser algo extremamente prejudicial, em particular com textos com alto conteúdo de sarcasmo, onde a maior parte dos leitores irã interpretar de forma errada.
A culpa não é sua. Em outras mídias escolhemos nossos leitores, em blogs quem escolhe é o Google. Somente uma Minoria Iluminada chega por outros meios.
Portanto, por mais contraditória que seja a dica, fica: Não limite seu texto pelo entendimento da maioria dos leitores pára-quedistas. Em blogs temos que identificar quem é o leitor fiel, quem é o pára-quedista, quem é o troll e quem é o leitor de 1a viagem com uma dúvida legítima ou mesmo uma visão equivocada mas corrigível.
Escrever só vale a pena se for para ser lido por quem não tem alma pequena.