Tentei sem sucesso definir o Lengendários, programa humorístico comandado por Marcos Mion que estreou dia dez na Rede Record. Por fim a resposta veio da Ana Martinez, que comparou a troupe com o Incrível Exército de Brancaleone, grupo de patetas que se dá mal o filme inteiro e NÃO vence no final.
Eles são os anti-anti-heróis, representam a filosofia de que de onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Foi essa a impressão que tive, antes de ver o programa. Reconheço que alguns livros podem ser julgados pela capa, e algumas primeiras impressões são sim verdadeiras.
Entenda o porquê:
Em algo que parecia o 3o Jornal Esportivo mais popular do Acre cobrindo a venda de jogadores da 5a divisão do Futebol de Rondônia para um time da 3a divisão do campeonato grego, a mídia anunciou a bombástica contratação: A Rede Record levou um porrilhão de humoristas da MTV e lançou programa próprio.
Até faz sentido, humorista da MTV são como lactobacilos, só vencem pela superioridade numérica. O One Man Show deles tem uns 15 integrantes.
O tal programa se chama Legendários, e fez um bom fuzuê no Twitter, conseguindo uma rara unanimidade. Todos odiaram.
Sentindo cheiro de carniça, fui atrás, afinal um programa comandado por Marcos Mion prometia. Primeiro, no site do programa a descrição é algo inacreditável:
Criado e ancorado por Marcos Mion, desde sua estreia, em 10 de abril de 2010, o programa tem como características a busca pela qualidade, pelo humor criativo e pelo bem, passando longe da humilhação, porém com muita atitude e questionamentos, além, obviamente, da irreverência.
Preocupado em inovar, o programa reuniu gente de nome – e de peso – com muita experiência e motivação para fazer com que Legendários preencha uma lacuna na TV brasileira. O objetivo é criar reais admiradores, que queiram vivenciar o programa, que ajudem a fazê-lo cada vez melhor!
Legendários chega pra falar de coisa séria com humor e fazer humor com seriedade.
O nome disso é receita de desastre. “humor criativo e pelo bem, passando longe da humilhação” NÃO EXISTE. Você pode até mudar o foco, fazer uma critica social com a piada, mas alguma leitura “ruim” ela terá.
“Meu avô morreu em Auschwitz”
“Ah, coitado”
“Pois é, caiu da torre de metralhadora dele”
“Gente de nome –e de peso-“ claro, afinal o João Gordo está na equipe, isso vale uma piada. A proposta “pelo bem” lembra os Atletas de Cristo. Se esses são de Cristo, os outros são do Diabo? O que é Humor Pelo Bem? É humor com consciência social, preocupação ecológica, humor sustentável? Alguém seria tão besta a ponto de gastar milhões de Reais em um programa de humor politicamente correto com proposta de EcoChato?
A Record foi.
No dia do lançamento do programa surgiu uma tag no Twitter sobre #HumorDoBem. A idéia (idiota) era demonstrar que é Possível fazer humor sem ser ofensivo, preconceituoso, maldoso, cruel ou desrespeitador.
Um conceito que basicamente elimina TUDO de bom que já foi feito em termos de humor na História da Humanidade, deixando apenas gente retardada que não sabe rir de si mesma NEM dos outros.
A melhor critica surgiu de Danilo Gentili, não exatamente a faca mais afiada da gaveta mas que ao menos SABE o que é humor, ao sugerir:
Vamos passar a tarde bolando piadas bacanas e saudáveis, q não sejam dignas de censura nem ofendam algo, alguém ou um conceito? #HumorDoBem
Seguiu-se uma série de pérolas, como esta:
Apesar da proposta já ter sido detonada pela Realidade, o programa foi ao ar.
Assistir aos vídeos no site oficial foi sofrimento cerebral, era como um Jackass para a Mente. Nenhum dos 75 integrantes do programa se salva, conseguiram com que todos fizessem figuração.
Marcos Mion virou uma espécie de Stairway to Heaven, Escada para Lugar Nenhum. Ao contrario de Emílio Surita, Manoel de Nóbrega e Marcelo Tas, ele não armava nenhuma piada, pois no programa mais interativo da história do humor brasileiro não havia… interação com os humoristas, sentados em uma bancada segurando microfones e mudos.
Ele fez pior. Ele explicava e se DESCULPAVA pelas piadas e quadros apresentados. Era uma versão animada das setinhas do kibeloco.
Dividindo um cenário gigantesco com um auditório, gruas, várias câmeras Mion aparecia no palco e em uma bancada, estilo CQC. Também havia dançarinas, estilo Pânico. A inspiração era clara, em cada detalhe. Vejam a abertura:
Aqui Mion começa contando como a Record é linda e maravilhosa, para depois emplacar um clipe com três paródias de momentos conhecidos do humor televisivo, o Sushi Erótico do Faustão, a Banheira do Gugu e o Teste de Fidelidade. Ao final ele explica que foi tudo uma brincadeirinha, uma homenagem “a alguns dos pilares da televisão brasileira”. Jura? Eu estava quase achando que era de verdade…
Em outro quadro João Gordo, que fiquei sabendo que era humorista agora, se veste de fiscal de trânsito e vai criticar a indústria das multas. Explica que São Paulo arrecada o suficiente por ano para sustentar Rio Branco por um ano e meio. Não entendi a relação, mas tudo bem.
Depois ele vai atrás de motoristas perguntar quanto já pagaram em multas. Termina criticando as cobranças ao mesmo tempo que mostra motoristas cometendo infrações, como falar ao celular dirigindo, guiar com uma só mão, etc.
Pelo que entendi correto é não multar quem comete infração.
Os humoristas da bancada (sem aspas, depois que o Zina do Pânico foi qualificado como humorista, a função perdeu toda a seriedade) estão paramentados como acidentados, cheios de gesso, soro, etc. O quadro abaixo explica isso.
O conceito: Eles estão indo pra SP quando sofrem um acidente na estrada. O acidente os deixou mais criativos mas eles perderam a memória. Não lembram mais quem são. Assim você, espetador, não precisa mais entender que Hermes e Renato não são mais Hermes e Renato, e os outros grupos também não atendem mais pelo antigo nome.
O quadro tem seu auge, mostrando todo o humor não-preconceituoso, Do Bem e não abusivo quando no hospital surge, do nada, Geisy Arruda, vestida de enfermeira-fetichista, deixa cair uma caneta e se abaixa. A câmera do programa inovador fecha o enquadramento na bunda da supracitada personagem.
JURO!
Outro quadro mostra a Teena, que Marcos Mion apresenta (não estou mentindo, clique e veja) como “Teen – de adolescente, a”. Ela vai entrevistar Chitãozinho e Xoroxó. Ela ensaia um bom começo dizendo que está honrada em conhecer o pai e a mãe de Sandy e Junior, mas o timing foi perdido, afinal é um programa para a audiência retardada fã do humor-muleta, então pararam para enfiar um grafismo dos dois vestidos de noivo e noiva.
Daí pra frente a entrevista se resumiu a tal Teena desafinando propositalmente e elogios descarados à dupla.
Fizeram também um quadro parodiando televendas de carros usados, com a previsível cena do sujeito batendo no carro dizendo que é bom e a lateral caindo.
Em certo momento Marcos Mion chama no cenário o SuperTição, o “primeiro super-herói brasileiro”. Primeiro, não é. Não vou nem invocar o X9, do Almanaque do Tico-Tico, ou sequer o Capitão Gay de Jô Soares, ou o genial Capitão Ninja. Vou me ater ao nome mesmo.
SuperTição era um personagem de um curta-metragem famoso nos anos 80, até por ter se destacado no meio do Lixo Obrigatório que tínhamos que assistir nos cinemas, antes dos filmes de verdade.
No caso fazia sentido, pois era um super-herói em um documentário sobre… superstições, no caso o trocadilho valia. Usado fora de contexto como fizeram no Legendários deixa de ser uma boa piada e vira uma simples referência à Cor da Pele do personagem. Seria igualmente “legítimo” chamá-lo de Grande Pássaro, SuperZulu ou General Urko.
O tal personagem “ajudaria” pessoas, em uma espécie de Porta da Esperança, mas no programa do Mion. Junto ele vem com um anão de blackface, aquela técnica onde o artista branco se pinta de negro, com feições exageradas, interpretando um personagem étnico.
Nos EUA blackface é considerado suicídio profissional, no Brasil é só… antiquado. Mas para um programa inovador, confesso que achei… deslocado. Afinal de contas o PRIMEIRO filme falado, O Cantor de Jazz, com Al Jolson, apresentava o protagonista em blackface, prática comum desde o Século XIX. Já humor com anões, bem… digamos que Augustus, Imperador de Roma era fã de Lycius, um anão ator e comediante. E isso foi 63AC e 14DC.
De qualquer jeito o anão se resumiu a adereço de cena.
Assim como a Jaque Khouri, boazuda da vez, afinal se o Pânico tem a Sabrina, eles precisam de um similar caucasiano. Só que a Japa Doida SABE fazer comédia, não se leva a sério, igual a Maria Paula. A Jaque Khouri ficava entre “vejam como sou gostosa” e “vejam como eu leio o teleprompter tão bem quanto o Obama”.
Como o programa é “do bem”, as causas boazinhas precisavam ser contempladas, e convenhamos, imitar o modelo do CQC seria fácil, então partiram para algo alem do simples assistencialismo, foram pra militância ecochata total.
Um dos integrantes saiu fantasiado de árvore pelo Centro de SP, pedindo abraços e mostrando que por não abraçar um idiota vestido de árvore, as pessoas já são automaticamente malignas malvadas e acionistas do Buy’N’Large.
Agora, a cereja do bolo (fecal) foi quando mostraram os integrantes do programa indo até a fazenda de um deles, um tal de Gui Pádua (Maior decepção, não era quem eu imaginava que fosse) para… plantar arvrinhas e tornar o programa carbono-neutro.
A preocupação ecológica era tão grande que filmaram um desnecessário passeio de ultraleve, queimando combustível fóssil, para mostrar a tal fazenda.
Depois do show de culpa burguesa, assistencialismo, ausência de piadas e originalidade, só posso aplaudir o trabalho de Marcos Mion e Grande Elenco. Foi um programa sustentável e responsável. Bom humor é um elemento escasso, e fizeram de tudo para não desperdiçar uma gota sequer.
O resto dos vídeos você pode assistir direto no site deles. Boa sorte, vai precisar. Para outra crítica, sugiro o texto do Mauricio Stycer, no UOL.
Para tirar o gosto ruim da boca e aproveitando seu aniversário, fiquem com um stand up do Mestre Chico Anysio, na Rádio Roquete Pinto em 1969.