Eu estou digerindo este post faz algum tempo. É sobre Sharon Lamb, uma psicóloga americana e suas opiniões sobre Super-Heróis. Diz ela:
“os heróis de hoje participam de ações ininterruptas de violência”. Esses personagens seriam agressivos, sarcásticos e raramente demonstrariam a virtude de fazer o bem à humanidade. Sharon diz ainda que, despidos de seus trajes de heróis, estes homens são péssimos exemplos: exploram as mulheres e mostram sua masculinidade com armas poderosas.
Segundo a autora, a grande diferença dos personagens dos quadrinhos do passado para os atuais super-heróis dos filmes é que os primeiros representavam modelos nos quais os garotos podiam se espelhar – já que, despidos de seus trajes, eles seriam pessoas reais, com problemas reais e vulnerabilidades.
Ela alega que os Super-Heróis modernos fazem mal à construção da personalidade dos jovens, que a imagem de super-heróis batendo em vilões pode não ser boa se a sociedade quiser promover comportamentos masculinos mais gentis e menos estereotipados.
O mau exemplo usado por ela é o Homem de Ferro. No filme que ela viu Tony Stark é um playboy mulherengo, violento e clássico representante da oligarquia bélico-industrial americana, companheiro Michael Moore!
No filme que eu vi a Jornada do Herói foi seguida à perfeição, mas Sharon Lamb não deve conhecer nem Bruce Campbell, que dirá Joseph.
Ela não viu Tony Stark cair, não o viu sentir na pele a dor causada por sua tecnologia bélica. Ela não viu como no começo de sua redenção ele cancelou toda a produção de armas de suas indústrias. Ela não viu o sonho de todo combatente ser realizado, quando o Homem de Ferro atira mísseis de seu ombro, mirando e acertando somente os terroristas, salvando os reféns inocentes.
Se ela lesse gibis veria que o porre que Stark tomou em seu aniversário foi apenas uma referência a um arco enorme de histórias, “Demônio na Garrafa”, onde a vida dele é quase destruída pelo alcoolismo. Nós leitores acompanhamos tudo, de nosso posição privilegiada. Stark é salvo por si mesmo, não por alguma mágica alienígena.
A dona Lamb nunca leu um gibi na vida. Os heróis clássicos eram perfeitos e acabados, mesmo os que não eram mais poderosos que uma locomotiva eram irritantemente perfeitos. Quase todos passaram pela improvável situação de UM momento traumático definir suas personalidades e vidas, mas aquele momento foi a única coisa ruim que aconteceu em suas vidas. Céus, o Peter Parker era um nerd de óculos cômicos que era obrigado a dividir sua atenção entre uma loura estonteante e uma ruiva supermodelo.
Nem todo herói é igual. Os modernos são os com que nos identificamos. São falhos, hesitam, erram mas tentam fazer o Bem. Passam a idéia de que nós também podemos ser heróis. Há uma história linda em uma mini da Marvel onde durante uma briga entre heróis e vilões um daqueles supervilões de 3 metros de altura, invulnerável, etc vai atacar um grupo de inocentes, até que no caminho dele entra um policial recruta, daqueles magrinhos, com seu mísero .38.
O vilão acha engraçado, começa a ameaçar mas o policial não sai do lugar. “é meu dever proteger essas pessoas, eu não vou sair daqui”. Depois de várias páginas o vilão se impressiona com a coragem, dá as costas e vai embora. Foi uma das histórias mais bonitas que já li, sem nenhum tiro disparado, para desespero da Sharon Lamb.
Isso não quer dizer que os heróis antigos sejam piores.
Quando Kal-El deu tudo de si para salvar a costa da Califórnia de ser destruída por Lex Luthor eu vibrei. Quando sua superaudição captou Lois Lane dentro do carro, sendo lentamente esmagada pelo terremoto o cinema inteiro ficou em silêncio. Como um raio ele atravessa vales e montanhas até onde sua amada está sendo soterrada, mas é tarde demais. O Homem de Aço salvou milhões de vidas mas não foi rápido o bastante. Ele tira o carro do buraco, arranca a porta e delicadamente remove Lois, já sem vida, ao som da inesquecível Can You Read My Mind, de John Williams.
Tomado de dor e revolta ele grita, subindo para os céus, onde confronta seus dois lados, o humano e o alienígena. A decisão está tomada. Com uma expressão de dor e angústia ele voa em torno da Terra, cada vez mais rápido, fazendo com que o tempo retroceda, mudando como um Deus o curso da História por causa da mulher. Como Clark Kent ele encontra Lois antes do acidente, a tira dali e a salva, sem que ela tivesse qualquer idéia do que iria acontecer.
Foi um momento emocionante e inspirador, uma das grandes cenas do Cinema, mas não precisamos ficar na ficção, vamos para a História, violenta como os heróis que dona Lamb tanto odeia:
Em seu relato sobre a Batalha das Termópilas, no ano 480 AC Plutarco conta que em certo momento o Imperador Xerxes exigiu que Leônidas e seus 300 Espartanos entregassem suas armas. A resposta desafiadora foi MOLON LABE!, “VEM BUSCAR!”. Xerxes enfurecido prometeu varrer Esparta da História, e que ninguém iria jamais ouvir falar de Leônidas.
Hoje o Rei tem monumentos espalhados pela Grécia, sua resistência impossível inspirou incontáveis soldados em situações desesperadoras e MOLON LABE é lema até hoje do I Corpo do Exército Grego. Quanto a Xerxes não há nenhuma estátua, e passou para a história como uma versão homoerótica do Rodrigo Santoro.
A vida não é preto e branco. Como ogros e cebolas, tem muitas camadas. A vida só é binária para idiotas, e por mais que a Internet esteja cheia deles, por mais que desejem e acreditem, não definem a realidade.
Só que alguns heróis são maiores que a Vida. Precisam ser. Eles representam nossa certeza interna de que tudo vai dar certo, de que é possível triunfar sem se corromper, sem fazer concessões.
Com sua visão maniqueísta e limitada a tal Sharon Lamb está nos privando de dois elementos fundamentais: Acreditar que podemos mudar para melhor e acreditar que conceitos como amor, justiça, honra, lealdade são o que transformam um reles jornalista em um SuperHomem. E não mover montanhas, coisa que qualquer bomba atômica faz.
Se o Batman representa a possibilidade de superação, a idéia de que com treinamento e inteligência você pode se tornar um dos Melhores do Mundo, o SuperHomem representa nossa crença irracional de que no final tudo dará certo.
Ele é aquela Força que nos dá alento, É o injustificado senso de que há Justiça no Universo, que algum obscuro equilíbrio cósmico punirá os vilões. Que nada é mais importante que ser fiel a seus princípios.
Os heróis nos mostram o quê fazer. Os Super-Heróis nos mostram o motivo para continuar tentando.
Parafraseando Neil Gaiman, diria que os Super-Heróis são maiores do que estrelas, planetas, galáxias e deuses, pois representam a única coisa que sobrará após o Big Crunch, no final do Universo: A Esperança.