Ontem o Fantástico passou uma reportagem sobre lixo. No fundo era jabá pro Ilha das Flores 2 – A Missão, que vai concorrer ao Oscar de Documentário, e se ganhar sairemos às ruas, tal qual cairocas (quem nasce no Cairo. Duvida? Tá na Wikipedia!) celebrando nossa Miséria Finalmente Reconhecida.
Muita gente não gostou do que viu. A Mellancia ficou chocada e externou isso num post. Ah essas crianças. Vou contar um segredo pra ela, que é novinha demais pra lembrar do passado distante:
Sempre fomos um povo porco. É nosso maior componente de união, não é de hoje.
Quando eu era criança havia um personagem que lembrava muito o Cascão (ou o Cascão lembrava ele, não lembro): O Sujismundo. Foi o representante de uma campanha do Governo Federal com o slogan “Povo Desenvolvido é Povo Limpo”. Vejam o primeiro comercial:
Notem que não há nenhuma associação com pobreza ou miséria. Não há uma ligação entre baixa condição social e porqueza. Normalmente isso seria claro discurso de comunistas que tratam pobre como coitadinho, mas no final dos Anos 70 não havia muitos marxistas produzindo propaganda governamental, ao menos em Brasília. Qual o motivo do Sujismundo ser um sujeito de terno e gravata?
<insira tese sociológica de 300 páginas aqui>
PORQUE DESDE AQUELA ÉPOCA QUEM
TEM MAIS CONDIÇÕES
SEMPRE FOI MAIS PORCO!!!!!!
Ufa!
Eu canso de ver. Gente que reclama do saquinho de lixo no carro. “joga pela janela, melhor que esse negócio sujo aí”, gente que não usa o cinzeiro do carro para não deixar cheiro, preferindo atirar a guimba na rua, gente que se torna aleijada, incapaz de carregar uma garrafa ou lata vazia por mais de 5 metros até uma lixeira, e ainda paga de consciência social ao dizer “se ninguém sujar quem limpa perde o emprego”.
Vejam dois exemplos rápidos: A região onde moro em meu bairro no Rio é bem perto do “mar” (é Baía de Guanabara, daí as aspas) costuma desembocar muito lixo. Fora cavalos mortos, garrafas e TVs há ítens assim:
Isso mesmo. É um sofá. Não é o primeiro. Algum favelado infeliz sem paciência de arrastar o sofá até a rua e esperar o caminhão da COMLURB passar, jogou no mar e que se dane.
“mimimi você falou que isso quem faz é rico e chamou de favelado infeliz”
Yes, caro mimizento. O fato do infeliz ser favelado não o exclui. Se ele tem condições de comprar um sofá, não está tão ruim assim. Se ele pode se dar ao luxo de jogar fora o sofá, então não precisa de dinheiro, mesmo que vendesse por uns R$20,00. E se ninguém na “cumunidade” quis comprar, ou sequer ficar de graça, então não são tão pobrinhos assim, pois um sofá velho é melhor de dormir do que esteira de palha no chão.
E não, não foi caso isolado. Veja outro, mais ou menos no mesmo lugar. Se bem que a rigor é uma poltrona, mas é do mesmo gênero que os sofás.
Meu bairro é região de classe média média alta. Na rua de frente pro tal “mar” só tem casão. Na virada do ano vários moradores atravessaram a rua para soltar fogos na beira do mar. Atitude saudável, bem menos arriscado do que atirar pra cima e arriscar incendiar a casa de alguém. Mas nem tudo são flores. Vejam como ficou o chão no dia seguinte:
Acreditem, há lixeiras por toda a orla. O pessoal que soltou esses fogos mora a menos de 50 metros dali. Eles levaram os fogos em bolsas ou sacolas.
O Sujismundo de mais de 30 anos atrás e o que presenciamos todos os dias podem ser vistos como uma indicação que nada mudou, como povo continuamos a mesma coisa. Alguns otimistas entenderão como uma coisa boa, ao menos não pioramos.
Eu digo que não é assim.
As pessoas melhoraram, mas na ficção. Antes tínhamos um personagem que representava a falta de educação do povo. Tínhamos até um personagem que era constantemente alvo de gozação dos amigos por não gostar de limpeza, mas hoje o Cascão toma banho. A praga politicamente correta tornou feio expor nossos defeitos, mesmo através de demonstrações bem-humoradas.
Os Patrulheiros da Correção, já que não conseguiram melhorar o mundo real, decidiram que o mundo da imaginação deveria se tornar livre dos problemas reais. Assim perdemos os exemplos, perdemos o didatismo do exagero e passamos a varrer para debaixo do tapete os problemas do Mundo Imaginário. Talvez na mente dos Chatos as pessoas se inspirem em um mundo perfeito e com isso alterem a realidade, mas no fundo eu acho que eles já vivem nesse mundo perfeito, pois quem se preocupa mais com o Cascão do que com o Lixão não vive no mesmo mundo que eu.