HERÓIS: Currahee É Aqui

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As recentes revoltas no Egito são especialmente confusas para brasileiros com mais de 30 anos. Ver o Exército se posicionar ao lado dos manifestantes, sem ameaça de golpe e ainda por cima em uma ditadura confessa é demais para nossa cabeça. Fomos ensinados, acostumados, adestrados a odiar qualquer um de uniforme. Militar é burro, militar é feio, malvado, cruel, não pensa e vai te torturar para saber as horas.

bandofbrazucas

Na minha escola, que era um colégio civil da Aeronáutica aprendi sobre 2a Guerra Mundial em 3 dias. Sério. A Primeira então foi uma nota de rodapé. Em compensação Feudalismo acho que se abrir o email tem professora mandando trabalho de casa até hoje.

Não estou brincando, só soube que o Brasil havia participado da 1a Guerra Mundial com forças navais depois dos 25 anos, ao visitar o Espaço Cultural da Marinha no Rio. Passeio altamente recomendado, aliás.

Na escola e na faculdade somos massacrados com histórias de como soldados brasileiros eram fracos, covardes, incompetentes. Cineastas de objetivos questionáveis como Sílvio Bach fizeram carreira ridicularizando mais ainda as tropas que ousaram botar o pé na Europa, detalhes como a Força Expedicionária Brasileira ter capturado uma divisão inteira – 14.779 soldados alemães e italianos, comandados pelo General da Wermarch Otto Fretter-Pico. Ou com os Top Guns da FAB, alguns com mais de 100 missões. A Guerra é o ambiente mais cruelmente darwinista que existe, por isso a maioria das forças trabalhava com limites. Os pilotos americanos iam para casa com 10 missões. Os brasileiros não tinham reposição.

Com isso os que sobreviviam usavam a Força. Ao invés de seguir a regra e mergulhar para o bombardeio em vôo evasivo, desciam em linha reta no alvo, contando os segundos entre o disparo da artilharia antiaérea (os temíveis 88), calculando o tempo em relação a altitude que estavam e desviando no último segundo. Chupa Neo. Acho que por isso o 1o Grupo de Aviação de Caça ganhou o respeito dos aliados e inimigos, e uma Presidential Unit Citation, comenda dada pelo Presidente dos EUA a unidades que se destacaram em gestos de heroísmo, acima e além do chamado do Dever.

O 1o Grupo de Aviação de Caça foi uma das três únicas unidades não-americanas na 2a Guerra a receber essa honraria, mas isso você não aprendeu na escola, né?

senta-a-pua01Erik de Castro, com seu incrível Senta a Pua resgatou parte desse passado.  Mais tarde com o A Cobra Fumou trouxe a melancólica realidade dos veteranos da FEB, esquecidos abandonados e desprezados por um povo e um governo que os recebera como heróis. Morei oito anos em São Cristóvão, no Rio, e para minha profunda vergonha nunca soube que o humilde conjunto habitacional a duas ruas da minha era o Conjunto dos Pracinhas, repleto de HISTÓRIA, repleto de veteranos que passaram suas vidas tentando esquecer dos horrores da guerra ao mesmo tempo em que eles mesmos eram esquecidos.

Uma vez, vários anos atrás peguei um taxi com um coroa dirigindo. Na conversa o velhinho revelou ter sido veterano da Marinha na 2a Guerra. Eu havia acabado de ler um livro sobre isso, então ficou fácil identificar pelos detalhes se era verdade ou não. As histórias batiam, da melancolia de ninguém mais lembrar, dos netos não aprenderem nada na escola. Ao mesmo tempo, saudade da camaradagem, o medo durante os comboios, os mares infestados de u-boats. Lembro que quando cheguei ao final da corrida, uns meros 12 Reais tirei do bolso tudo que tinha, os R$15,00 reserados mais uma nota de R$50,00. Falei “isso não é nada. É pro senhor tirar o resto da tarde de folga”. Estiquei a mão e disse, sem acrescentar mais nada. “Obrigado”.

Ele entendeu.

heroisSéries como Band of Brothers e The Pacific mexem com todo mundo, mas principalmente com quem conhece um pouco da nossa História. É revoltante saber que há tanto a ser contado mas o preconceito e o revanchismo fazem com que os verdadeiros heróis sejam varridos para debaixo do tapete. TODO o respeito do mundo ao Major Winters, falecido recentemente, mas temos heróis por aqui que precisam ser reconhecidos também.

Por isso eu bato palmas pra este sujeito aqui, Guto Aeraphe. Ele está produzindo de forma independente um média-metragem – Heróis – sobre um dos milhares de pequenos grandes dramas da Força Expedicionária Brasileira. Conta a história de 3 mineiros, . Geraldo Baêta da Cruz, Arlindo Lúcio da Silva e Geraldo Rodrigues de Souza.

No dia 14 de Abril de 1945 os três faziam patrulha avançada quando encontraram uma companhia inteira do exército alemão. Poderiam fugir, poderiam tentar se render, mas algo acendeu dentro deles. Um fogo que já se viu em Termópilas, em Massada, um fogo que tantas vezes é descrito na ficção. O fogo de quem não pode ser derrotado, pois se cair viverá para sempre.

Os três enfrentaram a companhia alemã (entre 60 e 200 soldados) até o inevitável fim.

Ao invés de abandoná-los no mato, ou cavar um buraco qualquer e esconder os corpos, o comandante de campo alemão tomou uma decisão que mostra de novo a diferença entre militares de carreira e os carniceiros da SS. Mandou que os três fossem sepultados em covas individuais identificadas. Marcando o local, uma inscrição:

DREI BRASIANISCHE HELDEN

Três Heróis Brasileiros

O projeto está em andamento, Guto está produzindo algumas cenas iniciais de teste e em captação (cinema brasileiro está sempre captando). Já temos um dos primeiros momentos editados aqui:

Você pode acompanhar o projeto no blog oficial do filme, ou aqui mesmo, pois ninguém odeia mais guerra do que quem esteve lá, e a melhor forma de garantir que ela nunca mais aconteça, é nunca se esquecer.

[ATUALIZAÇÃO]

Mais um filme com potencial fantástico: A Montanha, de Vicente Ferraz. Dica da Sherrine Müller, via Twitter.


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