A mais inconveniente das verdades: Quem anuncia em internet está jogando dinheiro fora

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Eu comecei com propaganda muito tempo atrás, mas mesmo lá Claude Hopkins já era velho. Ele foi um dos pioneiros da publicidade, um dos primeiros a colocar no papel as técnicas, a psicologia, a ciência por trás da arte das vendas. Seu livro “A Ciência da Propaganda” é era ou deveria ser obrigatório pra todo mundo da área. Hopkins era tão influente que aos 41 anos ganhava um salário de US$185 mil. Significativo hoje. Imagine em 1901. 

Ele ensinou muitas coisas básicas, com ele aprendi algo que muita gente até hoje tem dificuldade de entender: Segmentação. É uma frase comum e verdadeira que metade do dinheiro investido em publicidade é jogado fora. O problema é identificar qual metade. A Internet em teoria iria mudar isso. Seria possível segmentar e direcionar a publicidade, como nunca foi feito. Ainda estamos esperando, AINDA não foi feito.

O que aconteceu foi uma bolha com mais dinheiro chegando no mercado e agências inexperientes não sabendo onde e com quem anunciar. Castings eram feitos com base em amizade, o que eu entendo, ou em popularidade, o que não faz sentido.

O mercado ignorou as ferramentas disponíveis, não se preocupou em montar uma agenda baseada no que o canal (e por canal entenda blog, podcast, tudo. O mundo não começou no YouTube, garoto) produz e em quem assiste. Rios de dinheiro fluíam para blogs como o Kibeloco e o Não Salvo e tantos outros, com audiência inegável. (O Cid vai ficar puto. Amigo, amigo, jamais compararia vocês dois fora a audiência)

As agências estavam tratando o mercado online da mesma forma que estavam acostumadas no mundo Off: Você anuncia na Veja, na Globo e o resto é calhau. Quando por mais de 40 anos a audiência ficou concentrada em um só veículo, ninguém aprendeu a segmentar. No máximo por horário e na Internet nem isso é preciso.

A situação melhorou quando os anunciantes foram convencidos que exposições eram uma boa métrica. Mais ou menos como vender um Outdoor dizendo que 5000 carros passam por ali por hora, sem a menor idéia de quantos efetivamente olham. Insano? É assim que funciona. As agências trabalham com um modelo de resultados online onde o retorno da publicidade é uma métrica que engloba quantas vezes ela foi exibida, em alguns casos clicada. Em NENHUM dos casos é levado em conta se o sujeito clicou sem-querer, se clicou e odiou, e nunca se clicou e comprou.

Agora criaram um conceito divertido, “engajamento”, onde não importa se estão xingando, sua empresa tem xx menções por hora no Twitter, isso é sucesso. É gente que acha que “falem mal mas falem de mim” é uma boa política, e que não existe propaganda negativa. Fale isso pra um indiano usando uma camiseta de suástica em Jerusalém.

Com a bolha do YouTube  as agências migraram pra anunciar nos vídeos de nadadores de Nutella, queimadores de mendigos e idiotices em geral. Sim, eu sei, são canais com milhões de visualizações que tem algo em comum: ninguém tem foco. A imensa maioria não consegue definir sobre o quê é seu canal, exceto “comento umas coisas”. Isso torna muito complicada a segmentação, e sabe o que acontece com publicidade não-segmentada?

Não funciona.

O JPMorgan Chase & Co. é um megapower banco nos EUA. Eles investem uma grana considerável em Internet, e como todo mundo usam sistemas automáticos, networks para anunciar, só que com anúncios aparecendo em sites considerados ofensivos, isso começou a pegar mal, então resolveram parar com a automação. Normalmente o Chase anunciava todo mês em 400 mil sites. Como a seleção se tornou manual, essa quantidade foi reduzida para 5000.

O resultado? SEGUNDO O NEW YORK TIMES, quase nenhuma mudança na visibilidade e engajamento. Mais ainda: O custo por impressão também se manteve. Isso significa que com bom-senso, boa vontade e inteligência você abandona gerenciadores de anúncios que vendem publicidade no atacado, escolhe onde e com quem seus anúncios serão exibidos e obtém os mesmos resultados. Pagando bem menos.

Agora o Chase planeja reduzir o portfólio para 1000 sites.

O detalhe do pagamento é importante, é um indicativo de que os valores estão achatados, os sites legítimos estão cobrando pouco por pressão de centenas de milhares de canais de spam, conteúdo duvidoso, discurso de ódio, nuteleiros, viraleiros e outros que concentram muita visitação e pouco conteúdo.

Nas Fake News de raiz, fake news moleques, de várzea ninguém tinha problema em anunciar.

Esse caso do Chase não é isolado. O sempre confiável YouPix alertou para este artigo da AdWeek, onde uma pesquisa mostrou que os megapower superstars da Internet não estão com essa bola toda. O nível de engajamento cai rapidamente à medida em que o número de seguidores aumenta, e no final você acaba com resultados marginais.

Eles descobriram um sweet spot no Instagram na faixa de 30 mil seguidores, e chamaram de “microinfluenciadores”, e nem estamos falando do @ahnao. Esse grupo, que é popular o bastante pra justificar um investimento publicitário mas não são grandes demais, então mantém um contato direto com os leitores por causa disso obtém muito mais resposta. Uma campanha publicitária com um microinfluenciador é 6,7 vezes mais eficiente do que com um perfil monstruoso de milhares de seguidores.

O engajamento direto é maior ainda. Um microinfluenciador terá em média 22,2 vezes mais conversações por semana.

Essa escolha a dedo de ONDE anunciar é uma volta de 180 graus no rumo que o mercado estava tomando, onde o importante era atingir muita gente, não importava o veículo. Havia uma percepção que não havia uma simbiose entre veículo e anunciante, onde um não conferia credibilidade para o outro. Isso sempre existiu na propaganda convencional, desde Claude Hopkins. Jornais eram rígidos e rejeitavam anúncios sem o menor pudor (leia das duas formas). A Globo, não importa a grana envolvida, não passa infomerciais. Aí por algum motivo decidiram que na Internet seria diferente.

Não está dando certo. O UOL publicou hoje uma Carta Aberta falando exatamente sobre isso.

Uma série de players do ecossistema digital disseminaram a tese em que uso de dados para alcançar o público-alvo já bastava ou mesmo era mais importantes do que em que tipo de conteúdo em que a mensagem é veiculada. Essa tese defende que ONDE veicular a campanha já não era tão importante. O discurso defendia focar 100% em QUEM via os anúncios.

A situação está ficando feia pra empresas que agenciam espaço, anunciantes grandes estão começando verdadeiros boicotes, depois que as pessoas começaram a se perguntar por quê anúncios da BBC, Ford e outras empresas eram veiculados em vídeos do YouTube promovendo homofobia, racismo e terrorismo.

Cadê a Conspiração Sionista Internacional da Mídia que não vê isso?

O Google como sempre ignorou, e em resposta grandes empresas começaram a remover seus anúncios da plataforma. Grandes mesmo, tipo Nestlé, Vodafone, L’Oreal, Honda, Mercedes…

Com a água batendo na bunda o Google disse que vai tomar providências, mas quem está com a corda no pescoço são as redes menores, que dependem desses sites questionáveis para sobreviver. É aquela coisa, se você não tem muito a oferecer não tem muito a escolher. Qual a argumentação para um site com conteúdo de qualidade se associar a uma rede dessas, que NÃO dará tratamento diferenciado, te jogará em um pool de anúncios e ainda ficará com parte dos lucros? A solução para essas networks era crescer aceitando todo mundo.

Em meu eterno otimismo, vejo isso como uma Segunda Renascença. Com o mercado se conscientizando que mais que números secos, é importante você saber com QUEM se associa, teremos menos porém melhores veículos. Teremos menos porém mais relevantes anúncios. Já era hora de uma limpa.

Óbvio que os anunciantes vão continuar preferindo o conteúdo mais popular, e ele está no YouTube, e eu nem sonho em botar a mão nesse dinheiro. Minha satisfação é que a grana da Bosch vá pro Mehdi Sadaghdar do Electroboom,  e não algum idiota que resolveu filmar um enema de Kinder Ovo.

Quanto ao Contraditorium, ele vai bem, é extremamente terapêutico e sei que posso contar com as doações de vocês, queridos leitores, garantindo que ele continue sem publicidades irritantes e intrusivas.


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