Quando os EUA começaram o Programa Mercury, não arriscaram. Escolheram os melhores entre os melhores para compor os Mercury 7, que seriam os primeiros americanos no espaço.
Eram pilotos de teste, militares, no ápice de sua saúde física e mental. Conquistar espaço nesse programa de conquista espacial não era fácil. Os candidatos passaram por centenas de testes cruéis, desconfortáveis, invasivos, dolorosos e humilhantes, mas que culminaram no vôo de Alan Shepard em 5 de Maio de 1961.
A NASA não mandou Shepard às cegas, antes eles fizeram vôos com várias espécies incluindo macacos, mas durante os experimentos um pesquisador de nome William Randolph Lovelace II começou a imaginar se o treinamento poderia ser aplicado a uma forma de vida tão inferior que ninguém na NASA havia considerado: Mulheres.
A NASA não conseguia nem conceber que mulheres serviam pra qualquer coisa além de buscar café e fazer contas. (sem duplo-sentido aqui, eram nerds, lembre-se. Eles não conseguiam pensar em nada mais). Sem apoio interno, o Dr Lovelace começou um projeto por conta própria: Ele queria descobrir se mulheres aviadoras com qualificações semelhantes aos homens do Projeto Mercury conseguiriam passar pelos mesmos testes.
Primeiro de tudo ele pediu ajuda de Jerry Cobb, a moça da imagem acima, e abaixo.
Jerry era filha de um coronel aviador, aos 12 anos voou com o pai pela primeira vez em um biplano. Aos 16 ganhava dinheiro com shows aéreos itinerantes e jogando panfletos em cidades avisando da chegada dos circos. Com 17 ela conseguiu sua licença de piloto privado, com 18 a de piloto comercial. Aos 19 era instrutora, com 21 colaborou com o esforço de guerra pilotando até as bases aéreas americanas na Europa e no Pacífico os bombardeiros construídos por outras mulheres nas fábricas do país.
Jerry conquistou um monte de recordes em sua carreira, mas quando a Guerra acabou e os homens voltaram, subitamente os empregos sumiram, mas na falta de Facebook para fazer textão, ela bateu pé, cavou seu espaço e em 1959 era executiva na Aero Design and Engineering Company. Basicamente Jerry fabricava os aviões com que batia os recordes mundiais.
E se a idéia de uma mulher executiva na indústria aeronáutica hoje já soa estranho, imagine uma em 1959, com 28 anos.
Por essas e outras mesmo a NASA sendo um Clube do Bolinha que nem banheiro feminino tinha em alguns prédios, em 1961 o então bambambam James Webb convidou Jerry Cobb para ser consultora do programa espacial que não cogitava mulheres astronautas.
Ela OBVIAMENTE adorou a proposta do Dr Lovelace, usou seus contatos e conseguiu o patrocínio de Jacqueline Cochran, outra aviadora pioneira. Jerry seria a cobaia inicial, e se colocou nas mãos do bom doutor com mais entusiasmo que uma Tumblerina presa em um elevador com o David Tennant.
Logo Cobb e Lovelace ampliaram o programa, pesquisaram currículos de mais de 700 mulheres, enviando convite só para as top, com mais de 1000 horas de vôo e experiência como piloto de teste.
Iniciados os testes, as moças sofreram bastante com exames de sangue, endoscopias, testes de vertigem e tudo mais que a NASA tinha certeza era desconfortável demais para mulheres.
Treze passaram. Parte delas topou ir para a Fase 2, com testes em câmaras de isolamento sensoriais, exames psicológicos, etc. A mídia começou a tomar conhecimento dos experimentos não-oficial do Dr Lovelace, e a imagem de uma mulher astronauta era ridícula / progressista / atraente demais para não ser publicada. E acabou chegando aos ouvidos da NASA.
A Fase 3 envolveria vôos em caças da Marinha e uso de equipamentos militares, tudo estava acertado, duas das mulheres chegaram a pedir demissão dos empregos para ter tempo livre para os experimentos, mas quando Jerry Cobb, o Doutor e as outras chegaram na Escola Naval de Medicina Aeronáutica, deram com a porta na cara.
A NASA avisou à Marinha que não havia autorizado e que os testes eram totalmente não-oficiais. Com isso no papel a Marinha não poderia mais “dar uma força”, e esse foi o fim do Mercury 13.
Inconformada, Jerry Cobb foi para Washington e começou a procurar apoio entre políticos. Escreveu para o Presidente Kennedy, para o Vice Lyndon Johnson, foi atrás de deputados e acabou sendo ouvida. Victor Anfuso, republicano de NY colocou o tema em pauta no Subcomitê de Ciência e Astronáutica da Câmara, onde Jerry e outras mulheres testemunharam.
Do lado oposto, atacando o testemunho delas estava….
Jacqueline Cochran.
A bruxa percebeu que se uma das meninas do Mercury 13 fosse escolhida astronauta, ela perderia seu status de aviadora famosa, e por pura mesquinharia e ciúme fez de tudo para atrasar em décadas o avanço das mulheres. E como aqui é o mundo real e nem sempre há final feliz, ela conseguiu.
Representantes da NASA como os astronautas John Glenn e Scott Carpenter argumentavam que a NASA exigia que os candidatos fossem pilotos de teste formados em engenharia. As mulheres o fizeram admitir que ele quando foi chamado para o programa não tinha sua graduação como engenheiro. E que vários dos outros membros eram pilotos de teste civis, como militares eram pilotos normais.
O fato da NASA exigir que os pilotos fossem aviadores militares, e mulheres não poderem se formar em tal carreira fez com que alegações de discriminação de gênero fossem levantadas e discutidas, mostrando que o tema já estava sendo ventilado em Washington, dois anos antes de sequer se tornar ilegal, em 1964.
No final das contas nada foi feito, As mulheres do Mercury 13 seguiram sua vida, sem nunca saber se uma mulher poderia ou não ser astronauta.
Não que tenham ficado com essa dúvida por muito tempo. Em 16 de Junho de 1963 a cosmonauta soviética Valentina Tereshkova decolou em sua Vostok se tornando a primeira mulher no espaço. Ela completou 48 órbitas, acumulando mais tempo de vôo que todos os astronautas americanos juntos, até então.
A imprensa não perdoou. A revista Time Life publicou um perfil de Valentina escrito por Clare Booth Luce detonando o conservadorismo da NASA e da sociedade americana em geral. A chamada foi mortal:
“Garota espacial soviética faz homens americanos soarem estúpidos”
Não, querida Clare, estúpido, estúpido mesmo é que a primeira astronauta americana, Sally Ride, ainda esperaria 20 anos para voar.