Como diz meu baiano favorito, senta que lá vem história.
Muito tempo atrás, muito mesmo eu namorava uma guria chata. Muito chata. A ponto de não me deixar beber em um passeio de saveiro na Bahia, a criatura morria de medo e queria que eu estivesse sóbrio se o barco afundasse. Sim, passei a viagem inteira pensando em meios adoráveis de afogá-la e fazer parecer um acidente, em caso de acidente.
Mesmo assim foi com essa criatura que eu passei um dos melhores feriados de minha vida.
Tudo começou quando eu trabalhava em um sindicato da CUT (Ei, o dinheiro vermelho é verde como qualquer outro) e eles tinham que fechar uma revista de qualquer jeito. Eu era o corno que mexia com Pagemaker, e depois de me subornarem e ameaçarem (não necessariamente nessa ordem) eu topei. Passei o Carnaval inteiro sentado do lado de uma programadora visual/diagramadora/governanta nazista que é uma das profissionais mais fodásticas com que já trabalhei. Foram 5 ou 6 dias de jornadas de mais de 12h, com hora-extra de feriado mais bônus. Ganhei uns 2 salários extras na brincadeira.
A revista ficou pronta mas os comunistas mudaram os textos e no final não adiantou nada, mas fizemos nossa parte, nos pagaram e logo depois veio o feriado de Semana Santa. Eu estava com o rabo cheio de dinheiro, com uma namorada contrariada.
Quinta de noite decidimos fazer “alguma coisa”, e sem planejamento nenhum pegamos um táxi pra Rodoviária Novo Rio. Lá começamos a olhar os guichês de passagens e consultar o Guia Abril. Sim, crianças, isso foi antes da Internet.
Nós víamos as cidades que tinham saídas próximas, os hotéis e íamos escolhendo. Embarcamos rumo a Minas sem ter NENHUMA confirmação de hotel ou reserva, mas valia a aventura. Sim, éramos jovens e burros. Bons tempos, hoje não sou mais jovem.
Chegávamos nas cidades, olhávamos em volta, consultávamos sem pânico o Guia e escolhíamos outros destinos. Nessa brincadeira chegamos alta madrugada em Patos de Minas, que eu nem sabia que existia. Na rodoviária um solitário táxi com um velhinho dormindo nos levou para o hotel. Trancado e apagado mas após batermos na porta um atendente sonolento acendeu as luzes e nos alugou/arrendou/vendeu conseguiu uma suíte.
No dia seguinte tive o melhor café da manhã de hotel de minha vida, até aquela ostentação do Porto Cai na Rede. Sem-querer fomos parar no melhor hotel da cidade, com piscina na cobertura, vazio. De Patos fomos para Ouro Preto, e no Museu Ferroviário descobrimos um trem para Tiradentes.
De novo sem reservas chegamos em Tiradentes e cavamos uma pousada. De noite vagando pela cidade comi a melhor comida mineira de minha vida em um restaurante que era basicamente a casa de alguém, com uma coroa que fazia a comida e um preto velho (pode falar preto velho? Foda-se, mineiros entenderão) que fazia as vezes de garçom. O “restaurante” tinha duas mesas. a terceira cerveja o garçom saiu pra comprar em uma birosca próxima.
Eu sinto falta desse tipo de aventura. Tenho um passeio planejado para atravessar o Amazonas de barco, mas me falta propósito. Me vi planejando pegar as cabines de primeira classe, o trem Minas-Nordeste com cabine exclusiva e poxa, isso não é aventura.
Você pode jogar dinheiro fora em um monte de coisas, mas não em viagens. Explorar está em nosso DNA, nós nascemos para conhecer novos mundos, novas civilizações. Não é preciso montar uma expedição transatlântica pra isso. É só não se acomodar e uma simples viagem pro outro lado do seu Estado já abre seus horizontes.
Eu pretendo voltar a fazer isso, e se já foi legal com a Ex Chata de Satã, imagine sozinho!