O dia em que Pelé mentiu para todos nós

O dia em que Pelé mentiu para todos nós

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No começo dos Anos 80 o Brasil ainda não tinha o hábito atual de destruir e odiar todos os seus ídolos, e Pelé ainda era um nome respeitado. Por isso ele levou muita gente ao cinema para assistir Fuga para a Vitória, e se você acha estranho Pelé em um filme de Segunda Guerra, acredite, em 1981 também era.

No filme um grupo de prisioneiros aliados de diversas nações (Pelé é um jamaicano) é chefiado por um ex-jogador profissional, e as partidas de futebol acabam atraindo a atenção dos alemães, que veem nisso a chance de um exercício de propaganda. É armado um jogo em um estádio francês onde os degenerados prisioneiros miscigenados enfrentariam a Seleção Nacional de Futebol Alemã, e seria demonstrada a superioridade da raça superior.

Os prisioneiros toparam principalmente por estarem planejando uma fuga durante o intervalo.

O juiz passa o jogo roubando para os alemães (são os vilões, convenhamos) e isso é o que mais irrita os aliados, eles sabem que podem vencer, e desistem de fugir mesmo estando perdendo por 4 a 1.

Durante o segundo tempo temos atuações magistrais de Pelé e outros jogadores profissionais de verdade que faziam parte do time, é empolgante e emocionante, mesmo com o juiz anulando um gol no último minuto o goleiro aliado defende um pênalti e o jogo termina empatado em 4 a 4. Somos campeões morais, e as arquibancadas vão ao delírio, invadem o campo, os guardas nazistas perdem os prisioneiros de vista e eles acabam escapando para a liberdade!

Como era de se esperar o filme não fez muito sucesso nos EUA, mas com um orçamento de US$10 milhões, faturou US$27 milhões, não foi um fracasso como Os Últimos Jedi (ao menos segundo os críticos). O mais impressionante é que foi baseado em uma história real, mas este é o ponto em que a História deixa de ser bonitinha.

A versão do filme do Pelé tem final feliz, o Esporte Vence, a Justiça Vence, o Bem Vence o Mal, o Temporal é espantado e todos viveram felizes para sempre até a Sandra Regina.

Na versão real a partida aconteceu na Ucrânia, no dia 9 de Agosto de 1942. Sob ocupação alemã, a cidade de Kiev tentava manter a normalidade, e ucranianos adoram futebol. Alemães também. Nas poucas horas vagas os funcionários da Fábrica de Pães Número 1 formavam o Start FC, com vários ex-jogadores de times como o Dínamo de Kiev. Eles jogavam contra times de cidades e até países vizinhos, e de vez em quando contra times de unidades alemães.

O jogo do Dia 6 de Agosto foi contra o Fakelf, um time alemão, os ucranianos venceram por 5 a 1. Foi marcada uma revanche para o dia 9, e há até um cartaz original!

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Segundo os relatos o juiz era um oficial da SS, e os ucranianos foram instruídos a perder, mas provavelmente as 2000 pessoas nas arquibancadas fizeram com que eles enfrentassem o medo e no final meteram 5 a 3 nos chucrutes. Os alemães chegaram a forçar o Start a escalar vários jogadores que eram policiais ucranianos leais aos nazistas.

Uma semana após o jogo nove dos 11 jogadores foram presos pelos alemães e mandados para campos de concentração. Um foi morto ainda na cadeia, três outros foram executados seis meses depois.

Aqui uma imagem do time original do FC Start:

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Alguns dizem que não foi bem assim, que não houve pressão dos alemães, mas o fato é que vários dos jogadores presos e mandados para campos de concentração foram mortos, e no estádio do Dínamo de Kiev há um monumento em homenagem a eles.

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O final dessa história não foi feliz, o que aconteceu realmente está para sempre perdido na bruma da História, com os soviéticos inventando uma coisa, os alemães inventando outra, cada um defendendo sua agenda política mesquinha. De concreto temos apenas o fato de que um grupo de jogadores destreinados, virtuais prisioneiros vivendo sob um regime invasor derrotaram uma equipe superior para desgosto de seus captores. Não uma, mas duas vezes seguidas, e isso sem ter um Pelé no time.

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