Segundo Jodie Foster super-heróis estão arruinando o cinema. Verdade ou chilique?

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A polêmica da semana tem décadas de idade. Basicamente é uma repetição do velho clichê cinema-arte versus cinema comercial, mas dessa vez veio da Jodie Foster, um nome bem conhecido das grandes produções de Hollywood, e o alvo foram os filmes de super-heróis.

Em uma entrevista para  a Radio Times, ela falou:

“Ir ao cinema se tornou como ir a um parque temático. Estúdios produzindo conteúdo ruim para apelar às massas e acionistas é como fracking [aquela técnica destrutiva de extração de petróleo em terra firme]. Você tem os melhores resultados imediatos mas você destrói a Terra. Estão arruinando os hábitos de audiência da população americana e em última análise, do resto do mundo.”

Acho que todo mundo concorda com isso, Hollywood não faz nada de novo, é super-herói pra todo lado, Marvel/DC saturaram, não se produz mais nada que não tenha capas, pra tristeza da Edna. Só tem um problema: Como sempre a maioria das coisas que todo mundo sabe estão erradas.

A discussão cinema-arte vs cinemão não é de hoje. A United Artists foi fundada para combater o excesso de controle dos executivos de Hollywood sobre o processo criativo, algo que incomodava demais atores, diretores e roteiristas. Isso foi em 1919, e os quatro fundadores da UA foram D. W. Griffith, Charlie Chaplin, Mary Pickford, e Douglas Fairbanks.

Óbvio que a United Artists se tornou mais um dos grandes estúdios de Hollywood. produzindo clássicos como O Bom, o Mau e o Feio, Perdidos na NoiteCarrieRockyUma Ponte Longe Demais e milhares de outros filmes. Todos bons? Com certeza não, mas todos feitos com lucro em mente, afinal como muito bem disse João Ubaldo Ribeiro em sua excelente crônica O Conselheiro Come, aplauso é bom mas não paga contas.

Jodie Foster não está fazendo nada de novo ao reclamar do cinemão, só está esquecendo que é o cinemão quem paga as contas, os projetos pessoais, as aventuras e experiências que todo cineasta gosta de fazer são bancadas por pipoca de Vingadores. Atacar o cinema de entretenimento é matar a galinha dos ovos de ouro que financia o cinema “sério”. Por mais que isso revolte gente como a floquinha abaixo, em seu delicioso chilique:

Que horror, esse público idiota que tem o desplante de gostar de filmes que a princesa não gosta. Malditos adultos mimados. E Hollywood, esses monte de capitalistas malvados da indústria cinematográfica que ao invés de produzir filmes iranianos, lançam filmes com temas que as pessoas querem ver, que desplante!

Claro, é inegável que super-heróis estão na moda. Há uma demanda reprimida de décadas por esse tipo de filme, que costumava ser raro e limitado. A tecnologia hoje permite produzir histórias que antes não eram viáveis, mas vampiros, brilhantes ou não já foram moda, cyberpunks estilo Matrix já foram moda, futuro pós-apocalíptico já foi moda.

Faroeste foi uma moda que se tornou um gênero inteiro e reescreveu a história, criando uma percepção mundial de um passado que não existiu daquela forma. Por um tempo Hollywood era só “Espada e Sandália”, e os críticos d’antanho (viram? Eu sei ser realmente pedante) reclamavam das mesmas coisas. Grandes produções comendo o dinheiro dos filmes pequenos, mas isso é verdade?

Vamos, para tristeza da amiga chiliquenta aí de cima, aos fatos.

Em 2000 os EUA produziram 478 filmes comerciais. Já em 2017 esse número chegou a 722, o que dá uma média de praticamente dois filmes lançados por dia. (fonte) Vejamos a lista das dez maiores bilheterias (de novo, nos EUA) em 2017:

  1. Star Wars: The Last Jedi
  2. Beauty and the Beast
  3. Wonder Woman
  4. Guardians of the Galaxy Vol. 2
  5. Spider-Man: Homecoming
  6. It
  7. Thor: Ragnarok
  8. Despicable Me
  9. Logan
  10. Justice League

Nossa a Jodie está certa, dois 10, todos são super-ops, não. Só 6 são de super-heróis, e eu brigaria por somente 5, não considero Logan como filme de super-herói tradicional. Vamos voltar no tempo, Marty, de volta para o futuro que era o Anos 2000:

  1. How the Grinch Stole Christmas
  2. Cast Away
  3. Mission: Impossible II
  4. Gladiator
  5. What Women Want
  6. The Perfect Storm
  7. Meet the Parents
  8. X-Men
  9. Scary Movie
  10. What Lies Beneath

Somente um filme de “herói”, era praticamente o começo da era, quando ninguém se tocava que o fetiche de Bryan Singer por jovens atléticos em roupas de couro não era puramente cinematográfico. OK Marty, você está com medo, eu compreendo. Voltemos mais 10 anos, para 1990:

  1. Home Alone
  2. Ghost
  3. Dances with Wolves
  4. Pretty Woman
  5. Teenage Mutant Ninja Turtles
  6. The Hunt for Red October
  7. Total Recall
  8. Die Hard 2: Die Harder
  9. Dick Tracy
  10. Kindergarten Cop

Dois filmes baseados em quadrinhos, com boa vontade dá pra dizer que as tartarugas são super-heróis. As chiliquentas estão certas? Não, há um elemento maior em todos esses filmes: São feitos para a platéia se divertir. Em 1990 o único filme “sério” do pacote é Dança com Lobos, que é uma excelente aventura. Em 2000 temos Náufrago e Mar Em Fúria como filmes sérios, em 2017 It é o grande azarão, a platéia sentia falta de um bom terror.

Em comum todos esses filmes são cinemão comercial. Se retirar os super-heróis, entra o Maximus, entra o John McLane, entra o Arnold.

“Ah, então o cinemão pipoca está destruindo Hollywood?”

Não, caceta, NÃO!

Veja a totalização dos gêneros mais assistidos no cinema americano de 1995 a 2017 (fonte)

Filmes de Aventura renderam US$45.67 bilhões, mas comédias vêm logo atrás, com US$42.66 bilhões. Dramas, que não são para todos os gostos e definitivamente não para o público infantil, renderam US$33,56 bilhões. É um trocado.

 

Jodie argumenta que ela não tem mais espaço, que ninguém quer produzir seus filmes, vamos ser generosos e entender que Hollywood só quer produzir aventuras pipoquentas e filmes de pewpewpew. OK, vamos aos dados. Número de filmes lançados nos EUA entre 1995 e 2017, por gênero: (fonte)

RIP Menina Narrativa, mas para cada filme de aventura lançado, Hollywood bota na rua CINCO dramas. São produzidos mais documentários do que filmes de aventura. O cinema autoral vai bem sim, o que ele não tem nem nunca teve é o foco dos holofotes. Muito raramente acontece uma Bruxa de Blair ou um Mother, mas não é nem nunca foi o objetivo final desse tipo de filme.

Jodie Foster está com ciúmes da Patty Jenkins, isso sim. Mulher Maravilha chutou bundas e transformou Gal Gadot na atriz mais bem paga de Hollywood, enquanto Jodie só dirige episódios pra TV e seu último crédito de atriz foi em 2016 em um quadro do Conan O`Brien.

Agora, a pá de cal? A chiliquenta Mãe Dinah fala “dos filmes que deixaram de ser produzidos pq a galera só quer investir nesse lixo que dá lucro”. Sim, até porque estúdios são ONGS, como todos sabemos. Eu peguei a lista dos 100 filmes de maior bilheteria nos EUA em 2017 (fonte). Sabe quantos desses 100 filmes são de Super-Heróis?

Seis.

SIX.

Entre o 101o e o 200o, nenhum filme de super-herói.

Há provas documentais que a Jodie Foster pode ser muito divertida num bar (dsclp) mas falando de cinema é só mais uma chata esnobe que quer ser o centro das atenções, mas não consta que ela tenha sugerido à Warner pegar os US$138 milhões do orçamento de Contato (corrigidos) e distribuir para um monte de cineastas indigentes atrás de verba para fazer um filminho autoral.

O cinema continua sendo uma ferramenta incrível para contar histórias maravilhosas, e elas são contadas. O que não dá é para a pessoa ficar sentada esperando que toda uma indústria se curve a seus anseios e só produza o que ELA quer ver. Até porque A INDÚSTRIA PRODUZ, é só levantar essa bunda gorda da cadeira (metaforicamente falando, a bunda pode permanecer sentada) e PROCURAR pelos filmes que diz gostar.

Mas claro, dar chilique, seja no Twitter seja na Grande Mídia é muito mais fácil e atrai muito mais simpatia.



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