Como o Jovem™ de Esquerda estragou o Comunismo

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Quem me acompanha sabe que não sou muito fã de comunismo, mas nunca tive realmente medo dele, mesmo sendo cria dos Anos 80, quando éramos bombardeados por duas frentes, que faziam tudo para a gente ter medo de comunismo: A propaganda americana anticomunista, e a propaganda comunista.

Ambas pintavam um visão horrenda comunismo. Um lado dizia que os comunistas iriam tomar tudo da gente e destruir a civilização ocidental. Do outro lado os comunistas diziam que iam tomar tudo da gente e destruir a civilização ocidental, mas para o bem do Povo.  

Mesmo antes de trabalhar com propaganda eu sempre fui muito pé-atrás com propaganda, e logo percebi que a Verdade estava entre os extremos. Acabei conhecendo comunistas na UFF, virei amigo de vários e eles só comiam criancinhas no sentido das calouras. Sim, eles têm lá sua ideologia esquisita que não funciona no mundo real, mas o entusiasmo de derrubar o Governo acabava quando percebiam que iriam perder a hora do bar.

Ninguém falou que as propagandas eram sutis.

Tempos depois eu fui trabalhar em um sindicato da CUT, na UFRJ, e se já não tinha muito medo do Espectro que rondava a Europa, passei a sentir até pena. Lá havia gente de todas as tribos da esquerda, do PDT ou PSTU, PCB, PC do B, incluindo o PT e suas 34348 correntes internas. Ninguém se entendia, mas as intenções eram boas.

Claro, os métodos eram ruins, as metas irreais e o mundo imaginário deles totalmente utópico, mas o sonho de uma Cuba Imaginária ainda era pouco perto dos estudantes, que mesmo no meu tempo já eram massa de manobra dos Sindicatos e políticos, e desprezados por ambos.

O Jovem Estudante de Esquerda era um deslumbrado. Eu fiz parte do Diretório Acadêmico (em minha defesa, foi pra impressionar uma menina. Spoiler: [precisa mesmo?] não rolou.) As reuniões pareciam a Aliança Rebelde preparando o ataque à Estrela da Morte.

Parecia que o Governo iria cair em uns 15 dias. Sabe aquela vibe “Lula Preso Amanhã” / “Bolsonaro prestes a cair”? Mesma coisa. Os caras planejavam uma greve de dois dias ou uma manifestação na Reitoria como se fossem mudar o mundo.

O Novo Homem Soviético. Não exatamente preocupado com apropriação cultural ou whatever.

Apesar de serem bobinhos, os estudantes de esquerda se miravam em seus heróis. Todos sonhavam ser Fidel e Che, valentemente combatendo as tropas de Batista em Sierra Maestra.

Eles queriam ser Luis Carlos Prestes, eles sonhavam em ser Trotsky, Lenin, ter a força e a presença de um Stalin, bradavam com orgulho o feito dos soldados soviéticos invadindo o Reichstag (e ignoravam, claro, toda a carnificina e estupros em quantidades industriais que as tropas russas cometeram rumo a Berlim).

Tipo assim.

A juventude de esquerda refletia a filosofia do Novo Homem Soviético, uma visão de que o Homem Comunista seria superior ao pequeno-burguês, tanto física quanto moralmente. Trotsky escreveu em Literatura e Revolução (1924):

“O homem terá por objetivo dominar seus próprios sentimentos, elevar seus instintos às alturas da consciência, torná-los transparentes, estender os fios de sua vontade em recessos ocultos e, assim, elevar-se a um novo plano, para criar um tipo biológico social superior ou, se preferir, um super-homem.”

Che Guevara também compartilhava da visão de criar o Homem do Século XXI, com todos os ideais socialistas, uma sociedade sem conflitos e contradições, ele detalha o plano em “Sociedade e o Homem em Cuba” (1965).

Che tinha seus defeitos, tipo ser comunista, mas não choramingava se o rancho não fosse vegan.

Enquanto isso na União Soviética a propaganda e a arte oficial exaltavam imagens de homens viris e mulheres fortes, de grelo duro. O Soldado Soviético era invencível, o trabalhador idem. Nos Estados Unidos era conhecida a lenda de John Henry, um trabalhador negro da estrada de ferro que confrontado com uma furadeira a vapor, disse que aquela máquina não seria mais rápida que ele.

Irons, com sua marreta competiu contra a furadeira, venceu, mas morreu do coração, por causa do esforço. Ele até hoje é celebrado, possui estátuas e placas comemorativas em vários lugares, pois ninguém sabe onde (e se) a história aconteceu.

Os soviéticos tinham Alexey Stakhanov, um mineiro de carvão que em 1935 conseguiu produzir em um turno 102 toneladas de carvão, 14 vezes sua cota, e continuou quebrando o próprio recorde. A Propaganda Oficial criou o Movimento Stakhanovita, espalhando para todas as fábricas, minas, fazendas a idéia de que era patriótico produzir mais do que era esperado pelos seus superiores.

Alexey Stakhanov

E não, comunistas não pagavam hora-extra.

Stakhanov era o típico trabalhador soviético da propaganda oficial, adepto de trabalho braçal, forte e viril. As mulheres soviéticas eram vendidas como igualmente fortes, mas com forte lado maternal. O ideal soviético eram famílias saudáveis, bonitas e decididas. Ainda Trotsky:

“O homem se tornará incomensuravelmente mais forte, mais sábio e mais sutil; seu corpo se tornará mais harmonizado, seus movimentos mais rítmicos, sua voz mais musical. As formas de vida se tornarão dinamicamente dramáticas. O humano médio chegará às alturas de Aristóteles, Goethe ou Marx. E acima dessa crista surgirão novos picos.”

Algumas décadas depois, temos este diálogo no Reddit:

Comunista 1: “Eu acho que os esquerdistas como um todo deveriam aprender a brigar melhor.”

Comunista 2: “essa é uma idéia muito ruim – a força da parte superior do corpo nos homens está positivamente correlacionada com as visões políticas de direita, e você realmente quer que a esquerda seja representada por pessoas que compartilham a estética fascista?”

Comunista 3: “O conceito de ‘saúde física’, ‘beleza’ e ‘força’ corporal é opressor de qualquer maneira. Isso implica que algumas pessoas são fisicamente superiores e outras inferiores com base em padrões arbitrários e construções sociais. Somos todos valiosos e iguais como seres humanos.”

Ou seja: Saímos de uma esquerda que queria produzir super-homens para uma esquerda que produziu isto:

A turma do “pegaremos em armas” e que já sofria com qualquer “microagressão”, que chora se você errar os pronomes, agora vive a ilusão de que se você é um homem forte, você é automaticamente fascista.

Claro, isso tem um pingo de âncora na realidade. Os soviéticos baniram fisiculturismo, era proibido ser marombeiro, eles consideravam o esporte pura decadência ocidental, homens ficando fortões para se admirar no espelho (ui!). Somente grupos como artistas circenses podiam malhar. Ironicamente um deles, Alexander Shirai era usado como modelo em pinturas e fotografias exaltando o Novo Homem Soviético.

Se o sujeito se exercitasse por causa do esporte, tudo bem. Halterofilismo, arremesso de peso, essas coisas. Maromba pela maromba, nyet.

Agora, a Nova Esquerda diz que “Saúde física” e “força corporal” são… conceitos opressivos. Eles negam que “algumas pessoas são fisicamente superiores e outras inferiores”.  Será que nunca viram uma competição de atletismo na vida? Pombas, a União Soviética costumava dominar em vários esportes.

Ah, sim, e beleza, um conceito tão intrínseco à condição humana que consegue até ser mensurado objetivamente, se tornou opressor também. O que também é irônico, visto que mesmo na União Soviética os padrões de beleza, cuidados e expectativas das mulheres eram os mesmos do resto do mundo, como descrito em Soviet People with Female Bodies Performing Beauty and Maternity in Soviet Russia in the mid 1930-1960s (cuidado, PDF)

Mas claro, o Jovem™ militante de esquerda provavelmente vai dizer que Roza Shanina, sniper que matou pelo menos 59 nazistas não era comunista de verdade, por ser vaidosa e usar maquiagem.

Roza Shanina. Claramente influenciada pelos padrões estéticos opressores impostos pela mídia burguesa do patriarcado.

Durante a Guerra Fria o ocidente acreditava na imagem do soldado comunista, e tinha medo dela. Tinham medo de que a doutrinação transformasse os estudantes e militantes em um exército de Ivan Dragos. Os estudantes por sua vez, tinham a mesma ilusão.

Hoje, com a bundamolização da esquerda, com gente achando que ter força física é basicamente fascismo, só posso rir de quem morre de medo da ameaça comunista. Minha gente, a ameaça comunista tem medo da própria sombra. Se Hitler morasse no segundo andar num prédio sem elevador a militância moderna não conseguiria chegar até ele.

Só gente feia…

Se a esquerda quer ter alguma chance de tocar sua “revolução”, tem que se livrar dessa militância sensível de floquinhos de neve que acham que corpos saudáveis não existem. Precisam abandonar esse complexo de vítima, esse super-trunfo da opressão e se espelhar em gente que efetivamente botou a mão na massa. Eu tenho mil motivos para desprezar Che Guevara, mas respeito muito mais ele do que uma militância melindrada com “construções sociais”.

E nem digo pra virarem brucutus, o Fernando Gabeira, que foi guerrilheiro do MR8 e vale mais do que toda a militância acumulada do Jovem™ Esquerdista de Internet, usava sunga de crochê.

dsclp

Fontes:



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